O que tem em comum nomes tão diversos quanto os de Matsuo Bashô, Octavio Paz, Issa, Ezra Pound, Nempuku Sato, Jorge Luis Borges, Busson ou Paulo Leminski?

É curioso afirmar que o denominador comum esteja no interesse por uma forma literária proveniente do Japão, o poema mínimo denominado haiku, haicai ou haikai. Um terceto de apenas 17 sílabas que retratam um momento fugaz, passageiro, quase banal; fazendo com que ele transcenda.

A observação, a descrição, a capacidade de síntese e o impacto de conseguir com que aquele momento seja único e mágico são virtudes intrínsecas deste tipo de poema.

O haikai deriva de outra forma poética chamada renga; uma variação do tanka. A renga alcançou seu apogeu no século XII, embora a sua origem remonte ao ano 770. É um poema de 31 sílabas, com cinco versos. Da renka, o haikai usa apenas três versos, de cinco, sete e cinco sílabas, respectivamente.

`MatsuoNo começo, a renka era praticada pelos nobres e pelos senhores feudais. Foi com Matsuo Bashô (1644/1694) que ocorreu a sua popularização. Samurai, ronin e monge andarilho, Bashô é a síntese de alguém que dedicou a vida à poesia.

O poeta de haikai é chamado de haijin. Exaltando a natureza, as estações do ano e impermanência da vida, ele retratar um momento que se transforma em uma experiência verdadeira e única. A forma espontânea e a originalidade também são preceitos fundamentais na feitura de um haikai. Outra característica forte é seu aspecto imagético.

Na descrição dessa experiência, o eu do poeta permanece oculto, ou melhor; deve aparecer sutilmente, dando mais importância para o objeto retratado.
Esta característica pode ser notada no seguinte haikai de Matsuo Bashô:

Este caminho
Ninguém já o percorre
Salvo o crepúsculo

Pode-se perguntar, aonde está Bashô no poema? Está no caminho ou no crepúsculo? Este dado enigmático é o âmago do poema, é o lugar que ocupa o poeta na descrição desse momento.

No poema “No meio do Caminho”, o poeta Carlos Drummond de Andrade busca um momento mínimo, que poderia passar despercebido de uma pessoa desavisada, para escrever um dos poemas mais conhecidos da literatura brasileira:

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Diferentemente do haikai, o poema de Drummond permite que o autor seja um componente importante dos versos. No trecho “na história das minhas retinas” o eu passa a ser o foco, e, por um momento, nem ‘o caminho’ nem ‘a pedra’ competem com ‘as minhas retinas’. Mas isso não minimiza o fato de que esse famoso poema parece tocado também pela varinha zen do haikai.

A influência no ocidente
O haikai influenciou Ezra Pound, Octavio Paz e Jorge Luiz Borges. No Brasil, Guilherme de Almeida, Paulo Leminski, Haroldo e Augusto de Campos foram, entre outros, encantados pela mágica do haikai.

Vamos a alguns exemplos de poemas, que, mesmo não sendo haikais na sua estrutura, possuem aquele toque oriental e seu espírito:

Abril
Três espíritos vieram
e me levaram onde
os galhos das oliveiras jazem
nuas no chão:
Pálida carnificina
sob o brilhante nevoeiro…

Ezra Pound (1885/1972)

Escritura
Yo dibujo estas letras
Como el día dibuja sus imágenes
Y sopla sobre ellas y no vuelve

Octavio Paz (1914/1998)

E um haikai (quase haikai?) de um cantor, compositor e poeta que influenciou nomes como Bob Dylan e Morrisey, o canadense Leonard Cohen:

Haiku de verão
Silêncio
E um silêncio mais fundo
Quando os grilos
hesitam

O haicai e a política

Alguém já disse que se faz política até quando tomamos um prato de sopa. Falar então que a temática suprema do haikai é a Natureza é falar de política ao quadrado, ainda mais quando ambientalistas e sem-terras são assassinados no campo ou quando os Estados Unidos se recusam a asssinar um acordo rebaixado como é o de Kyoto.

Mas procurando o explícito; houve poetas e movimentos que foram políticos na sua forma e conteúdo (deixando de lado o mero panfleto, que, claro, literariamente, não nos interessa). Houve inclusive um movimento chamado ‘Haiku Social’, de influência socialista, que procurou abordar outras temáticas e a luta popular em seus poemas. Um haikai que simboliza este movimento é o de Taiho Furusawa (1913/2000), onde ele se refere à mobilização contra a base norte-americana Uchinada, em Ishikawa:

Lótus branco, camisas brancas
Tornamo-nos um só
Rumo a Uchinada

  • Para saber mais sobre haikai

    www.kakinet.com

    www.paubrasil.com.br

    www.nippo.com.br