Déficit da Previdência é uma mentira criada pelos governos neoliberais para atacar os aposentadosApesar de partir da base do governo Lula, os projetos de lei sobre a Previdência, como o fim do fator previdenciário ou a recomposição do valor das aposentadorias, sofrem maior resistência dentro do próprio governo.

O argumento usado para combater as reivindicações dos aposentados já é bastante conhecido. Assim como o governo FHC recorria à surrada tese do déficit da Previdência para impor sua reforma neoliberal, Lula também saca da manga esse mito para manter os benefícios arrochados dos 26 milhões de aposentados e pensionistas.

Manipulação
Dessa forma, o governo afirma, por exemplo, que o Brasil teve um déficit (prejuízo) de mais de 40 bilhões de reais em 2008 com a Previdência Social. Ou seja, para o governo, haveria um gigantesco rombo causado pela diferença entre arrecadação e despesas com as aposentadorias, pensões e benefícios assistenciais (Loas).
Só no primeiro semestre de 2009, pelas contas do governo, esse déficit já teria superado os R$ 20 bilhões. Nessa lógica, aceitar as reivindicações dos aposentados faria explodir o orçamento da União, abrindo um buraco ainda maior nas contas do Estado.

Esse argumento, no entanto, esconde uma armadilha muito utilizada pelos governos neoliberais para atacar a Previdência pública. Para criar o chamado “déficit”, ou seja, a diferença entre as contribuições e despesas previdenciárias, os ideólogos do neoliberalismo realizam um verdadeiro malabarismo fiscal e financeiro.

Para tanto, tomam a Previdência como um elemento separado e independente do Orçamento. Desde a promulgação da Constituição de 1988, porém, a Previdência é parte indissociável do sistema de Seguridade Social. Compreendem esse sistema, além da Previdência, a saúde, a assistência social e o seguro-desemprego.

Para financiar esse sistema, a Constituição estabeleceu, além das contribuições de trabalhadores e empresários, outras fontes, como a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), que incide sobre o faturamento das empresas, e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), sobre o lucro. Desta forma, assim como não poderíamos falar em um “déficit” na saúde, também não faz sentido falar em déficit na Previdência.

Desvio de verbas legalizado
Tomado de conjunto, o sistema de Seguridade Social é superavitário, ou seja, tem arrecadação maior que os gastos constitucionalmente previstos. De acordo com a Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência), em 2008, o sistema arrecadou 364,9 bilhões de reais. As despesas totais ficaram em 312,6 bilhões de reais, ou seja, sobraram nada menos que 52,3 bilhões de reais. Ou 12 bilhões de reais mais do que o suposto déficit da Previdência. Para se ter uma ideia, a vinculação ao reajuste do mínimo e o fim do fator previdenciário produziriam um impacto de 18 bilhões de reais, segundo o próprio governo.

Mas, se a Seguridade tem “lucro”, para onde vai esse dinheiro e por que o governo continua insistindo na mentira do déficit? O grande problema da Seguridade, ou da Previdência, não é um elevado número de aposentados ou um desequilíbrio no sistema previdenciário. O problema é que boa parte dos recursos que deveria ir para a saúde ou a assistência social é desviado para outras finalidades: fazer superávit primário e pagar os juros da dívida pública.

De acordo com o assessor econômico da Cobap, Maurício Oliveira, de 2000 a 2008, foram desviados 383,2 bilhões de reais dos recursos da Seguridade. Os desvios começaram ainda na implementação do Plano Real, em 1994, quando se criou o Fundo Social de Emergência. Posteriormente, o fundo de “emergência” virou Fundo de Estabilização Fiscal que, por sua vez, deu origem à atual DRU (Desvinculação de Recursos da União).

A DRU permite ao governo tomar 20% da arrecadação da União e gastar como bem entender. Entra aí o dinheiro da Seguridade. Na prática, o que era para ser temporário ficou permanente. A última vez que a medida foi prorrogada foi em 2007, quando o Congresso aprovou sua extensão até 2011.

Crise econômica
Com a crise e a política do governo de incentivos fiscais, subsídios ou até mesmo investimentos diretos para garantir os lucros das empresas, aumenta a pressão para desviar os recursos da Seguridade Social.

Exemplo disso é a isenção concedida pelo governo à indústria na Zona Franca de Manaus. Como lá já não há a cobrança do IPI (Imposto sobre Produto Industrializado), o governo não teve dúvidas. Reduziu a Confins, imposto que deveria ser fonte direta do financiamento da Seguridade, de 3% para zero. É como se os aposentados e pensionistas pagassem pelos lucros das empresas em tempos de crise.

Recomposição das perdas
O governo tem dinheiro não só para restabelecer o vínculo entre aposentadorias e o salário mínimo, como para recompor as perdas salariais dos aposentados nos últimos 18 anos. Não o faz por uma simples questão de prioridade. Prefere dar dinheiro aos grandes investidores internacionais que aplicam na dívida pública, ou em subsídios e isenções para as grandes empresas.

Lamentavelmente, conta com o apoio da CUT e de outras centrais para isso.

Ataque à Previdência e à Seguridade social

O regime da Seguridade Social estabelecido pela Constituição de 1988 foi uma importante conquista para os trabalhadores. Porém, nem bem ele entrou em vigor, já começou a ser alvo do neoliberalismo nos anos 1990.

Não é à toa que a Previdência seja um dos principais elementos do estado de bem-estar social da Europa no pós-guerra, agora em avançado processo de desagregação. Constituiu por anos uma fuga, ainda que insuficiente, à voracidade do capital. A aposentadoria possibilita, por exemplo, desafogar o excedente da força de trabalho, impedindo a redução ainda maior dos salários.

No Brasil, não se pode falar em estado de bem-estar social. Mesmo assim, a Seguridade representa o maior programa de distribuição de renda do país. Segundo o IBGE, para cada beneficiado do sistema, há em média 2,5 dependentes indiretos. Precisam, portanto, da Seguridade algo em torno de 87 milhões de pessoas, ainda que grande parte viva na pobreza, já que 70% dos benefícios equivalem a apenas um salário mínimo ou até menos.

A destruição da Seguridade, nesse sentido, responde a uma estratégia do neoliberalismo. A defasagem extrema das aposentadorias obriga os trabalhadores a continuarem na ativa mesmo após aposentados, ou a postergar ao máximo esse momento. Isso pressiona cada vez mais o mercado de trabalho, aumentando o exército de reserva e puxando os salários para baixo.

Beneficia ainda os planos privados de previdência, que vão irrigar os mercados financeiros. Os fundos de previdência são hoje grandes investidores e, geralmente, atendem a interesses contrários aos dos trabalhadores, como as privatizações.
A defesa da Previdência e da Seguridade, portanto, é fundamental não só para os que são hoje aposentados, mas principalmente para os milhões de trabalhadores em idade ativa.

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