Fusão de ministérios anuncia catástrofe ambiental em favor do grande capital internacional

Ao anunciar a fusão entre os Ministérios da Agricultura e o do Meio Ambiente, Bolsonaro pretende deixar o caminho livre para que o agronegócio não fique mais amarrado à já frágil e seletiva legislação ambiental do país.

Certamente isso vai representar uma catástrofe ambiental para um país que já deixa na mais completa impunidade mineradoras como a Samarco. É o sinal verde para que se cometam atrocidades semelhantes ou ainda maiores do que aconteceu ao Rio Doce.

O Brasil não é apenas o país com a maior diversidade do mundo, com a maior floresta tropical e 12% da água doce do planeta. Também tem uma população que vive e depende da “floresta em pé”, como dizia Chico Mendes, assassinado há 30 anos por fazendeiros. E boa parte dessa floresta só existe do jeito que é graças ao modo de vida dessas populações – indígenas, seringueiros, quilombolas, ribeirinhos, entre outros.

Um dos principais conselheiros de Jair Bolsonaro (PSL), o presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Antônio Nabhan Garcia, indicou Jerônimo Goergen (PP-RS) para ocupar o novo Ministério. É o nome de maior apoio entre cerca de 40 lideranças ruralistas, sobretudo da UDR, velha entidade ruralista criada na década de 1980 e que acumula em seu currículo centenas de assassinatos no campo.

Todos os grandes biomas brasileiros, e as populações tradicionais que vivem neles, estão ameaçados. Mas a Amazônia é o bioma que corre mais risco neste momento, exposta à ação de madeireiros, grandes pecuaristas e a expansão de monocultivos.

Um novo ciclo de acumulação de capital na Amazônia
Está se preparando um novo processo de expansão territorial do capital para a Amazônia. A fusão dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente tem como objetivo principal liberar a região para esse novo ciclo de acumulação primitiva. Tem suas semelhanças com o que foi realizado pela ditadura militar (1964-1985) na região, mas também tem enormes diferenças.

Na ditadura, o plano era “ocupar para integrar”. Eixos rodoviários, como a Transamazônica, ligando a região Norte ao Nordeste; a BR 368, ligando Acre e Rondônia; e a BR 163, Cuiabá – Santarém, ligando o Mato Grosso à Transamazônica e ao porto de Santarém. Províncias minerais, como a Serra dos Carajás, foram abertas à exploração para grandes grupos econômicos nacionais e estrangeiros. Eram tempos também de construção de hidroelétricas e planos mirabolantes, como, por exemplo, o sistema de grandes lagos, rodovias e canais de navegação elaborados a pedido do governo brasileiro, pelo Hudson Institute, em 1967.

Mas a região ficou marcada, sobretudo, pela expropriação territorial de populações indígenas e camponesas. Claro, tudo isso veio acompanhado de roubo, destruição e morte.

Para isso criou a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), responsável por colocar em prática essas ideias e administrá-las, além de buscar investidores interessados em negócios na região. Tratava-se da chamada Operação Amazônia, uma expressão do desenvolvimentismo-autoritário que trazia uma concepção ideológica, caracterizando a Amazônia como “atrasada” e “subdesenvolvida”, uma região que precisava ser integrada à nação.

O governo ditatorial assume para si a condução da “integração” da região à “nação” brasileira e à modernidade. No entanto, sob o falso manto do nacionalismo, na política de segurança aplicada pela ditadura, encontrava-se um forte alinhamento ideológico do regime militar com os Estados Unidos, acobertando uma aliança entre o capital estrangeiro com o capital nacional. Dessa maneira, o regime militar reforçava o papel de subalternidade do Brasil diante dos países centrais do capitalismo, fomentando a exportação de produtos primários, particularmente na Amazônia, que cumpria um papel importante no modelo econômico dependente do chamado “milagre brasileiro”, pois ajudava, na produção de divisas e a sustentar o pagamento da dívida externa brasileira. Endividamento este que crescia na medida em que a ditadura implementava seus megaprojetos de infraestrutura país afora, e na própria Amazônia.

No que se refere à questão agrária, a ocupação das “novas terras” selava a aliança entre os proprietários de terras com os capitalistas. Pode-se falar em acumulação primitiva justamente porque, por trás da figura do proprietário de terra, estava a figurado empresário capitalista. Neste caso, porém, uma acumulação primitiva diversa do modelo clássico, pois o objetivo não era apenas separar o trabalhador do seu meio de produção para convertê-lo em trabalhador para o capital. Concretamente, o que a expansão territorial do capital pretendeu foi se apossar da renda territorial viabilizada pela política de incentivos fiscais. É bom lembrar que a ditadura dava incentivos fiscais de até 100% para empresários do Sudeste e estrangeiros que comprassem terras na Amazônia. Daí surgiram as megafazendas de grandes empresas, como a Volkswagen, que empregou trabalho escravo para transformar “mato” em meio de produção, isto é, em fazenda de gado. Por aqui no Brasil há inúmeros episódios em que o moderno foi criado pelo arcaico.

O papel exercido pelo Estado no processo da transformação da terra em mercadoria foi fundamental. O investimento na compra de terras deixou de ser uma irracionalidade do capital, isto é, um entrave à circulação e reprodução ampliada do capital, uma vez que comprar terra significa imobilizar o capital que poderia ser investido diretamente na produção.  O Estado soluciona esta irracionalidade com os subsídios fiscais.

Em tempos de Bolsonaro
Bolsonaro já falou em retomar os estudos para a construção de usinas hidrelétricas na Amazônia, o que envolve a construção de barragens com forte impacto nos cursos de água, forçando o deslocamento das populações. A construção de Belo Monte pelo PT – aliás, um antigo projeto da ditadura – mostrou o quanto isso é dramático. Disse também que não cederá “nem um centímetro a mais” para a demarcação dos territórios indígenas e que vai acabar com algumas delas como Raposa Serra do Sol, ocupada por índios pemons e capons em Roraima.

Mas, dessa vez, o novo processo de expansão territorial do capital para a Amazônia se dá num marco da recolonização, uma reversão colonial do Brasil. O que isso significa? Simplesmente a inviabilidade do plano desenvolvimentista conservador do velho regime militar e que ainda está na cabeça de alguns generais que apoiam Bolsonaro, mas não do neoliberal Paulo Guedes.

Por isso, Bolsonaro disse que, para “salvar ao menos parte da Amazônia”, é preciso buscar parcerias com países democráticos como os EUA para a exploração dos recursos minerais.

A doutrina militar do “desenvolvimento a qualquer custo” será substituída pela simples entrega da região a capitalistas estrangeiros e a um outro setor da burguesia nacional que emergiu no processo de reversão colonial do Brasil: o agronegócio.

A divisão internacional do trabalho recriou a velha plantantion de exportação, agora fundida com a grande empresa capitalista. Enquanto o Brasil enfrentou um processo parcial de desindustrialização nas últimas décadas, ao mesmo tempo tornou-se um grande produtor de produtos primários para o mercado externo.

A lógica do agronegócio cria a necessidade de apropriação de mais terras para aumentar sua produção e seus lucros, mas também para abocanhar uma maior parte da renda diferencial, um lucro extraordinário, acima do lucro médio, obtido pelos capitais que operam em condições mais favoráveis de produção, que podem ser expressas pela diferença de fertilidade do solo (natural ou não) e localização.

É por esse motivo que os fazendeiros do agronegócio pretendem diminuir ou acabar com as Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Um dos alvos será a Floresta Nacional do Jamanxim, nas margens da BR 163. Lembremos que Temer já tentou altera os limites do Jamanxim. Nas margens dessa rodovia há uma forte tendência de expansão da soja, oriunda do Mato Grosso, e que é escoada em um porto da Cargil em Santarém (PA).  Isso diminuiria os custos de produção e aumentaria a apropriação da renda da terra. O mesmo ocorre no chamado Matopiba, a “nova fronteira” do agronegócio, formada por parte dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, onde imensas áreas de terra devolutas foram simplesmente cercadas e vendidas por especuladores.

A logística que vem sendo construída nessa região, particularmente em São Luís (MA), tem por objetivo tornar a produção de commodities “mais competitiva”, levando a uma maior apropriação da renda da terra a partir da expropriação territorial que camponeses e povos indígenas.

Tudo isso não vai se dar sem resistência. No passado, povos indígenas se articularam para conquistar seu território. Camponeses travaram “empates” para defender a floresta e tocaias para se defender de pistoleiros e da violência organizada pelo Estado. Hoje, os povos da floresta estão mais sábios, com maior articulação política e não serão pegos desprevenidos pelo branco por fazendeiros. Na verdade, esses povos nunca deixaram de resistir e vão contar com o apoio dos seus irmãos, os trabalhadores urbanos e todos os oprimidos.