O frevo, dança de origem negra, chega aos 100 anos
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Redação

Trabalhadores e negros pernambucanos marcam as origens dessa históriaA capoeira, a luta-dança negra, que teve sua prática legal permitida como categoria de luta brasileira apenas em 1941 e, hoje em dia, parcialmente aceita na sociedade capitalista branca, tem em suas origens uma conotação pejorativa dada pela classe dominante branca da época. Desde o século XVII, foram taxados pelos senhores de escravos os “negros capoeiras”, aqueles que fugiam da escravidão para a liberdade dos Quilombos.

Quem fugia do trabalho escravo, dos chicotes e açoites de todos os tipos tinha de desenvolver habilidades físicas para a fuga e sua prática, ensaiada também de forma lúdica nos momentos clandestinos, era extremamente perseguida.

A libertação dos escravos proveniente das fugas constantes e a proibição do trabalho escravo em função das necessidades de mão-de-obra livre para o capitalismo não foi acompanhada de nenhuma política de inserção do povo negro no acesso à terra ou ao trabalho. Assim, a chegada dos negros nas grandes cidades foi sinônimo de altos índices de desemprego, de pobreza e de marginalidade social. Daí surgem as primeiras favelas.

Apesar do fim da escravidão legal, não somente a prática de capoeira, mas qualquer manifestação cultural negra era perseguida e punida criminalmente. Em 1890, a capoeira, já bastante urbanizada, entra no Código Penal da República, no Capí¬tulo XIII: “Dos Vadios e Capoeiras”, em seus artigos 402, 403 e 404 como atividade passiva de prisão e deportação para o Presí¬dio de Fernando de Noronha e para a Colônia Correcional de Dois Rios na Ilha Grande. Os praticantes poderiam ser condenados a até seis meses de detenção.

Essa perseguição aos capoeiristas teve uma particularidade no Recife. Desde meados do século XIX, os capoeiristas acompanhavam as bandas musicais militares, que desfilavam várias vezes por ano, tocavam suas marchas carregadas pelos instrumentos de metais, onde se destacavam notadamente os trompetes e os trombones. Aí podiam se exibir, intimidar os grupos inimigos e praticar a atividade proibida, em meio aos desfiles e descontração popular. Aí estão as origens do “passista”, o dançarino de frevo que conhecemos atualmente.

A prática se expande quando os capoeiristas passam a acompanhar disfarçadamente os Clubes Carnavalescos, associações anteriormente fundadas por trabalhadores ligados às categorias profissionais que saíam desfilando pelas ruas, visitando as casas, comendo, bebendo e cantando. Um desses clubes está completando, em 2007, 100 anos, o Clube Carnavalesco Misto Lenhadores. Seu rival mais famoso é o Clube das Vassourinhas, também de fundação quase secular, ambos da cidade de Olinda.

Há também o famoso recifense Clube das Pás, que surgiu em 1887, depois de uma empreitada de trabalho no porto do Recife, para descarregar um navio inglês. Na época, já com o trabalho escravo em extinção, o navio não poderia ficar atracado por mais de 12 horas no porto. O trabalho contratado a um valor superior ao normal da época, devido à escassez de mão-de-obra – já que era o primeiro dia de carnaval – foi feito por carvoeiros. A comemoração pelo fim do trabalho e pelos bons salários recebidos terminou em festa do Clube dos Caiadores, e daí surgiu o novo Clube com o nome de seus instrumentos de trabalho, as pás.

Carnaval de massas, resistência cultural e exclusão social
Da combinação rítmica das marchas e fanfarras das bandas marciais com o maxixe, já bastante popularizado nos salões de dança, e a polca, surge o ritmo do Frevo. Da incorporação da capoeira com suas expressões cênicas surge o passista. Os velhos e maltrapilhos guarda-chuvas, que também ajudavam a se proteger do sol, antes manejados de forma acrobática pelos capoeiristas, transforma-se, com o tempo, na pequena sombrinha colorida, hoje símbolo maior do ritmo e da dança genuinamente pernambucanos.

O nome “frevo” vem da expressão popular “com essa música eu fervo todo” que, na mudança popular da pronúncia da época, falava-se “eu frevo todo”. Em 9 de fevereiro de 1907, surge pela primeira vez essa expressão no Jornal Pequeno do Recife, associada ao conceito de ritmo. Antes, porém, já existia como sinônimo de folia. A multidão que “fervia” no carnaval com o tempo passou a “frever” com o frenético ritmo que não deixa ninguém parado quando é executado.

A massificação do frevo está também relacionada com a massificação do carnaval, já que os carnavais burgueses e das elites da época eram restritos aos salões de máscaras ao estilo europeu. O tomar das ruas pelos clubes populares, pela população negra e pelas baixas classes médias no período de carnaval teve também sua simbologia de revolta das classes oprimidas da época.

O frevo se populariza mais a partir dos anos 1930 ajudado pelas gravações e transmissões radiofônicas. Vai, com o tempo, variando em expressões musicais e também nos passos de dança. Não perdendo o seu caráter contagiante, romântico e nostálgico.

Existe o frevo-de-rua (instrumental); o frevo-de-bloco, executado por orquestras de pau e corda, com letras cantadas por corais femininos, em sua maioria saudosos e românticos; e o frevo-canção, que também é cantado em solo, mas com uma combinação instrumental.

O Carnaval Pernambucano, com suas diversas expressões populares e afro-indígenas (maracatus, afoxés, caboclinhos, ciranda, frevo, samba, coco, clubes, blocos, troças, etc.), por um lado revela toda sua espontaneidade e beleza étnica, artística e libertária, ainda resistente às diversas tentativas de mercantilização dos blocos. Por outro, exibe, nos dias de folia, de forma mais evidente, as exacerbadas contradições sociais do capitalismo de uma região metropolitanta que possui os mais altos índices de violência, desemprego e falta de infra-estrutura urbana do Brasil.

Assim, não podemos esquecer que nos dias da festa de massas mais brilhante em resgate cultural e criatividade artística, enquanto as empresas de bebidas lucram milhões de reais, garantidos pelo monopólio da venda de cerveja em troca do patrocínio oficial presenteado pelos governos; enquanto as redes hoteleiras mergulham no lucro exorbitante; milhares de famílias desempregadas aproveitam os dias de festa para trabalhar e ganhar algum trocado vendendo bebidas, comidas e apetrechos carnavalescos. Dezenas de pessoas, em sua maioria negra e pobre, são assassinadas por violência e milhares de menores de rua brigam entre si para catar as latas vazias e vendê-las para poder comer.

Governos desvalorizam cultura local e privilegiam grandes estrelas da mídia
Os governos da Frente Popular de Pernambuco (Eduardo Campos) e das prefeituras de Recife e Olinda (PT, PCdoB e PSB) tratam os 100 anos de frevo apenas de forma midiática e populista. A data é vista apenas como mais um motivo para uma mega-festa, sem nenhum caráter educativo. Escondem que a maior fatia da verba para cultura está sendo gasta com as grandes atrações. Recentemente, foi um escândalo na imprensa local o contrato de pagamento da Prefeitura do Recife (PT) para o DJ Fatboy Slim, que se apresentou no dia 1º de fevereiro, recebendo a exorbitante soma de 600 mil reais.

Enquanto isso, as comunidades populares sofrem para registrar seus blocos e obterem minguados apoios. Para ter uma idéia de quanto gastou o prefeito do PT somente num show, todo o carnaval de Olinda está orçado em R$2 milhões de reais e o de Recife em R$13,5 milhões. Já o Governo de Pernambuco destinará R$3,6 milhões ao carnaval em todo o Estado. Desse montante, R$1,2 milhão será investido apenas em divulgação.

  • Para saber mais sobre o frevo, acesse o portal da fundação Joaquim Nabuco
  • Alguns dos frevos mais cantados em coro nas ruas de Olinda e Recife:

    Hino do Elefante
    Clidio Nigro, Clóvis Vieira, Don Tronxo

    Ao som dos clarins de Momo
    O povo aclama com todo ardor
    O Elefante exaltando a suas tradições
    E também seu esplendor
    Olinda esse meu canto
    Foi inspirado em teu louvor
    Entre confetes e serpentinas
    Venho te oferecer
    Com alegria o meu amor

    Olinda, quero cantar a ti esta canção
    Teus coqueirais, o teu o sol, o teu mar
    Faz brilhar meu coração
    De amor, a sonhar
    Minha Olinda sem igual
    Salve o teu Carnaval

    Voltei Recife
    Luis Bandeira

    Voltei, Recife
    Foi a saudade Que me trouxe pelo braço

    Quero ver novamente Vassoura
    Na rua abafando
    Tomar umas e outras
    E cair no passo

    Cadê Toureiros?
    Cadê Bola de Ouro?
    As Pás, Os lenhadores
    O Bloco Batutas de São José?

    Quero sentir
    A embriaguês do frevo
    Que entra na cabeça
    Depois toma o corpo
    E acaba no pé

    Madeira Que Cupim Não Rói
    Capiba

    Madeira do Rosarinho
    Vem a cidade sua fama mostrar
    E traz com seu pessoal
    Seu estandarte tão original
    Não vem prá fazer barulho
    Vem só dizer, e com satisfação
    Queiram ou não queiram os juízes
    O nosso bloco é de fato campeão
    E se aqui estamos,
    Cantando esta canção
    Viemos defender
    A nossa tradição
    E dizer bem alto que a injustiça dói
    Nós somos Madeira, de lei,
    Que cupim não roi

    Hino do Batutas de São José
    João Santiago

    Eu quero entrar na folia, meu bem
    Você sabe lá o que é isso
    Batutas de São José, isso é
    Parece que tem feitiço
    Batutas tem atrações que,
    Ninguém pode resistir
    O frevo desses que faz,
    Demais a gente se distinguir
    Deixe o frevo rolar
    Eu só quero saber
    Se você vai brincar
    Ah! meu bem sem você
    Não há carnaval
    Vamos cair no passo e a vida gozar