Em meio à dispersão e fragmentação do Fórum Social Mundial, ocorrido em Belém (PA), um conjunto de atividades de grupos e organizações de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros (LGBT) foi realizado no transcorrer do evento. O que chamou a atenção neste Fórum foi a ausência de organizações tradicionais do movimento homossexual brasileiro, como a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), e a presença de uma voz dissonante em meio aos discursos por cidadania, apoio ao governo Lula e suas supostas medidas progressivas, a voz da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas).

As diversas atividades organizadas neste FSM não conseguiram se conectar. Na maioria dos casos, muitos grupos sequer ficaram sabendo das ações de outros grupos, o que favoreceu a dispersão. Entretanto, em meio a esta situação, a Conlutas e seu Grupo de Trabalho LGBT (GT-LGBT) conseguiram marcar presença, organizando uma mesa de debate sobre a crise econômica mundial, homofobia e alternativas de organização para o movimento homossexual. A atividade lotou uma das salas da Universidade Federal do Pará (UFPA). Participaram diversos ativistas, desde representantes de entidades sindicais até o Movimento Hip-Hop Militante, de Belém, que fez uma saudação. Além desta mesa, o GT foi convidado a participar de outra atividade, organizada pelo grupo COR, de Belém, sobre a homofobia e movimentos sindical e social.

Um grande avanço no debate sobre a organização do Movimento LGBT brasileiro
A mesa chamada pelo grupo COR contou com a participação de representantes da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), de ativistas homossexuais dirigentes de entidades sindicais, como o Sindijus da Bahia, o Sindjus de Porto Alegre, professores da Ilha de Marajó, Sepe do Rio de Janeiro, dentre outras entidades sindicais e movimentos LGBT. Para o debate, foram convidadas as centrais sindicais. Porém só a Conlutas esteve presente.

O debate foi muito enriquecedor, contando com a contribuição de quase todos os participantes. A pergunta norteadora era sobre que tipo de pontos em comum é possível estabelecer nas lutas entre os movimentos sociais, o movimento sindical e o movimento LGBT, resultado da preocupação do grupo COR com o processo de distanciamento destes movimentos entre si.

Assim, foram pautadas questões como o problema do financiamento das organizações LGBT, que em sua maioria dependem de verbas do Estado oriundas de projetos assistenciais. Isso acaba impondo uma limitação ao embate político junto aos governos. Discutiu-se com profundidade o caráter despolitizado que tomaram as Paradas do Orgulho LGBT, o problema de sua caricaturização e a necessidade de se retomar ações de rua combativas e politizadas. Todavia, o grande saldo da discussão foi a aproximação entre a luta sindical e a luta LGBT.

A contribuição dos ativistas homossexuais que estão à frente de suas entidades sindicais, relatando os problemas e as possibilidades de ações conjuntas foi decisiva. Mais do que isso, foi pautada a possibilidade de o movimento LGBT brasileiro, desde uma perspectiva de classe, buscar nas entidades dos trabalhadores o apoio necessário para chegar as suas bases e para romper com a dependência material do Estado e dos governos. Desde a atuação conjunta nas paradas, nas lutas sociais, nas lutas contra o desemprego e as demissões, até a necessidade das entidades sindicais levantarem as bandeiras de gays e lésbicas como forma de promover uma mudança na consciência dos trabalhadores a partir de suas bases.

Dentre os encaminhamentos, se discutiu a redação de uma carta que apresente as principais reivindicações LGBTs para as centrais sindicais que não têm estas bandeiras incorporadas a seus programas. A Conlutas tem o orgulho de dizer que já no seu primeiro congresso, em 2008, debateu e incorporou em seu programa as reivindicações mais urgentes dos trabalhadores LGBTs.

O clima fraterno foi outro ponto que marcou esta atividade. As divergências foram colocadas em pauta e os pontos de vista diferentes foram debatidos com franqueza e respeito. Mas o sentimento predominante foi de que um outro mundo, mais do que possível, é necessário. E este mundo só poderá se realizar sem machismo, racismo, homofobia, desemprego, com igualdade de renda, distribuição de terra, e unidade de todos aqueles que lutam por justiça social.

O que o movimento LGBT tem a ver com a crise?
Logo após esta mesa, aconteceu a mesa convocada pelo GT-LGBT da Conlutas sobre a crise econômica mundial, homofobia e alternativas para o movimento LGBT. O debate foi intenso, novamente marcado por polêmicas e pontos de vistas divergentes. Mas, como na mesa anterior, as diferenças colocadas em debate somente acrescentaram e enriqueceram a discussão.

Um dos pontos centrais foi o impacto que a crise – que está chegando com força no país – terá sobre todos os setores oprimidos e discriminados em nossa sociedade. Os primeiros a perderem seus empregos são negros e negras, mulheres e homossexuais. A luta contra as demissões, portanto, deve passar inevitavelmente pela luta contra a opressão.

Além disso, outro efeito da crise será o fortalecimento da discriminação, seja através da xenofobia e do racismo, seja da homofobia, machismo etc. As ideologias preconceituosas dividem a classe trabalhadora nos momentos em que a classe dominante tenta transferir o custo da crise para os mais pobres. Desse modo, a unidade entre explorados e oprimidos é mais necessária do que nunca.

Contudo, como alertou um companheiro professor da Universidade Federal do Maranhão, a luta dos homossexuais não deve ser estritamente econômica, mas sobretudo política, pois as ideologias preconceituosas são difundidas pela grande mídia, pelo sistema de ensino e pelo Estado capitalista, e o combate à opressão passa pela luta por uma sociedade socialista.

Por fim, como saldo geral dos debates onde o GT-LGBT da Conlutas se fez presente, afirmamos que é preciso tocar os pontos mais polêmicos e centrais do movimento LGBT. A relação que os movimentos estabelecem com o Estado e o governo Lula precisa ser repensada, tendo o Estado não como um aliado, mas como alvo de nossas exigências.

As bandeiras que o movimento levanta precisam ser dirigidas contra as classes dominantes. Os aliados na luta homossexual precisam ser encontrados no terreno da luta de classes. O caráter politizado e combativo do movimento precisa ser resgatado. A fragmentação das lutas sociais deve ser combatida com a unidade entre oprimidos e explorados, combatendo as ideologias preconceituosas que atingem a classe trabalhadora.

Apesar deste Fórum ter sido o mais reformista e governista de todos, ficou evidente a necessidade dos movimentos discutirem a reorganização de suas relações e de suas lutas. O espaço para um debate franco e fraterno entre aqueles que querem lutar está crescendo. A Conlutas se orgulha de ter debatido com todos estes ativistas e de ter contribuído neste debate.

Resta agora construirmos a unidade concreta nas lutas que estão por vir. No 8 de março classista, na luta das mulheres contra as demissões, nas greves e lutas contra o desemprego e a retirada de direitos. No combate aos grupos neofascistas que estão surgindo. Nos debates dentro de escolas e universidades, agregando o movimento de professores, o movimento estudantil e o movimento LGBT na luta por uma mudança geral na consciência da sociedade.