Rio de Janeiro - Desocupação de terreno de fábrica desativada na parte baixa da favela da Mangueira, na zona norte da cidade (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Vera, de São Paulo (SP)

Os números mostram que, quando se fala sobre fome ou violência contra as mulheres, as negras são as mais afetadas.

Esse quadro crônico do capitalismo foi agravado pela pandemia do novo coronavírus e pela política do governo de ultradireita de Jair Bolsonaro. Transformando a vida das mulheres negras mais pobres num verdadeiro flagelo.

Pela primeira vez na história, mais de 50% da população brasileira não tem comida em casa. São 116, 8 milhões de pessoas que saem todos os dias em busca de qualquer coisa para fazer a fim de ganhar algum dinheiro e levar alguma comida para casa, é a chamada insegurança alimentar.

Dentre essas pessoas, quase 20 milhões não tem o que comer e dependem exclusivamente da solidariedade das pessoas e de algum auxílio do governo para se alimentar.

Nessa agonia diária, se encontram principalmente as mulheres negras e seus filhos. Dados confirmam que 40% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres, dentre esses, a maioria é chefiada por mulheres negras, vitimadas pelo sistema capitalista, pelo racismo e machismo ao mesmo tempo.

As imagens e notícias das periferias, comunidades e favelas são geralmente sobre suas tragédias. Nas notícias sobre a fome, sempre tem a imagem e o depoimento de uma mulher negra. Sendo jovem, carrega nos braços ou segura a mão de uma ou mais crianças. Seus lares, quando mostrados, são pequenos com pouca mobília, geralmente doadas por alguém, e a geladeira vazia…

Quando a notícia é sobre despejos, lá estão novamente as mulheres correndo com seus filhos fugindo da repressão policial, vendo suas poucas coisas amealhadas sendo destroçadas, humilhadas, desnorteadas e em prantos. Quando a notícia é de violência machista, feminicídios, são as mulheres negras que são espancadas e assassinadas pelos maridos, namorados, companheiros, ex-companheiros majoritariamente.

Se a fome e a pobreza no Brasil tivessem um rosto, ele seria o de uma mulher negra.

São essas mesmas mulheres que trabalham nos piores serviços, recebem os menores salários, nos trabalhos informais e no desemprego.

Segundo dados da PNAD/COVID-19, realizada pelo IBGE, entre os meses de maio a setembro de 2020, foram demitidas 1,7 milhões de mulheres, sendo a maioria negras.

Fora das periferias, as encontramos nas ruas vendendo de tudo. As encontramos nas fábricas, principalmente nas funções de alta rotatividade; nos serviços de limpeza das empresas; como trabalhadoras domésticas; como professoras de ensino básico; e nos call centers. Na verdade, encontramos as mulheres negras em qualquer trabalho que pague pouco, trabalhe muito e não exija o padrão de beleza convencional.

 

O capitalismo é irracional e nos condena a fome

Mesmo quando trabalham, isso não significa que consigam alimentar bem a si e sua família. Dia 14 de julho, o G1 transmitiu a matéria da TV Gazeta de Alagoas aonde uma mulher negra idosa – aposentada, mas que continua trabalhando – chora no supermercado porque o dinheiro que recebe, diante da inflação galopante dos preços dos alimentos, não dá para comprar o que ela precisa levar para casa.

Essa imagem da mulher chorando no meio da fartura de alimentos que ela não pode levar para alimentar a sua família é o quadro que demonstra bem a natureza do sistema capitalista: a fome que ronda e que mata lentamente milhões de brasileiros não é por falta de comida, mas sim porque as pessoas não têm nenhum dinheiro ou têm pouco para trocar (comprar) por comida. Isso porque os alimentos, assim como tudo que é produzido no capitalismo, estão destinados à venda para obtenção de lucro.

Exatamente por isso, no Brasil, enquanto o povo – sobretudo os mais pobres – passam fome, são criados 214,7 milhões de bovinos; das 16,3 milhões de vacas ordenhadas, resultaram em 34,8 bilhões de litros de leite. 4,6 bilhões de dúzias de ovos. 249,1 milhões de galinhas e frangos, 40, 6 milhões de cabeças de suínos. A população do país é de 212 milhões de pessoas (dados IBGE/2020). Ou seja, tem carne de sobra no país, há mais gado e frango do que gente, e tem leite que dá até para tomar banho. Toda essa abundância de um lado, enquanto metade da população não tem o que comer. Isso é o capitalismo.

Em maio desse ano, dois jovens negros (tio e sobrinho) foram assassinados com requintes de crueldades, em Salvador, por furto de carne num supermercado. A mãe de um deles declarou aos prantos que o seu filho morreu com fome e que só conseguiu identificá-lo pelas mãos porque o seu rosto ficou totalmente desfigurado. Assim são tratados os que sentem fome e não têm dinheiro para comprar alimentos.

Os alimentos expostos à venda são propriedade privada das redes de supermercados, assim como a criação de animais em larga escala é propriedade privada dos produtores destinados à venda, prioritariamente para o mercado exterior, porque seus proprietários recebem em dólar, moeda mais valorizadas do que o real.

O abastecimento do mercado interno é secundarizado. Isso significa que, para acabar com a fome, é necessário acabar com a propriedade privada sobre os alimentos para que eles cumpram a função social de alimentar a fome, e não de alimentar o lucro de um punhado de burgueses.

Numa sociedade onde a propriedade e o lucro vêm antes das necessidades humanas não serve para a imensa maioria da humanidade, mas apenas favorece um punhado de proprietários endinheirados que tem acesso a tudo e são privilegiados acima de todos, passando por cima da vida e das necessidades da classe trabalhadora e dos mais pobres, onde se encontram a maioria das mulheres negras.

O machismo mata

Mesmo com mais de 1/3 dos estados brasileiros não tendo divulgado a cor e a raça das mulheres, 75% das mulheres assassinadas no Brasil são negras, segundo o Monitor da Violência. 1.890 mulheres foram assassinadas nos primeiros seis meses de 2020, sendo 631 feminicídios. Os registros de espancamentos e estupros diminuíram nesse mesmo período por causa da pandemia. Período em que as vítimas estavam muito tempo próximas de seus agressores em razão do isolamento social, mesmo que parcial.

Os dados e as notícias apenas evidenciam a violência diária em que as mulheres negras são submetidas.

A violência machista se manifesta nas agressões, na falta de divisão das tarefas domésticas e no abandono dos filhos. Enquanto a sociedade cobra das mulheres o cuidado com os filhos, criminaliza o aborto, não disponibiliza condições para protegerem as mulheres de seus agressores devidamente. Por ser uma sociedade machista, protege a violência praticada, desde a mais corriqueira até as mais bárbaras, como os assassinatos e estupros praticados contra as mulheres.

Mesmo o homem negro trabalhador, pobre, vítima do mesmo racismo e exploração, também carrega consigo a ideologia machista, que oprime e mata as mulheres. Essa ideologia no interior da classe trabalhadora precisa ser combatida com rigor para que tenhamos uma relação fraterna e de solidariedade, e não de medo e submissão entre nós. Essa unidade entre os explorados é uma condição para sua unidade e fortalecimento dos laços no combate à classe dominante por melhores condições de vida e de uma sociedade livre de exploração e opressão.

No caso da mulher negra, tem um agravante maior pelo fato de carregar as consequências de mais de três séculos de escravidão e de uma abolição sem reparação. Vítima do racismo e do machismo, essa mulher concorre em condições desiguais no mercado capitalista onde “a carne mais barata do mercado é a carne” da mulher negra.

Numa sociedade assim, as mulheres negras têm muito mais dificuldade de organização, mas são também as que mais precisam se organizar. Exatamente por essa realidade, as encontramos com presença marcante nas ocupações por moradia, nas greves das fábricas de maioria de mulheres, nas manifestações que tem a presenças das periferias e favelas. São também as mais valentes.

Além de serem cortejadas para a cooptação, seja por empresas ou pelo reformismo, com suas promessas e vasta propaganda de empreendedorismo individual e com as velhas frases do liberalismo  capitalista do tipo “basta ter força de vontade, muito esforço, talento,  só com educação é possível resolver o problema da desigualdade” etc. Quando todos os pobres sabem, principalmente as mulheres, que é na solidariedade e na coletividade que tudo se resolve.

Mais do que educação ou qualquer outra coisa, mediantes necessidade tão profundas e tão básicas, o Brasil precisa de uma revolução socialista que se espalhe pela América Latina e envolva o mundo inteiro. O trabalho e a alimentação são condições humana irrenunciáveis. Como dissera o revolucionário russo, Leon Trotsky, “se o capitalismo é incapaz de satisfazer as reivindicações que surgem infalivelmente dos males que ele mesmo engendrou, que morra!”.