O país mudou em poucos dias. Antes, estabilidade econômica e política, altos índices de popularidade dos governos. O povo cumpria sua rotina monótona do dia a dia. Dilma ia dar o pontapé inicial na abertura da Copa das Confederações. Haddad (PT) e Alckmin (PSDB) estavam em Paris para disputar a indicação do país para a Expo 2020. 
De repente, o país explodiu. A juventude foi às ruas em mobilizações gigantescas, apoiada massivamente pela população. Pessoas que nunca antes participaram da vida política do país faziam passeatas, enfrentavam a polícia. Milhões nas ruas, mais que no Fora Collor, há 21 anos. No país do futebol, as pessoas viraram as costas para a Copa. Mobilizações juntavam mais gente protestando fora dos estádios do que dentro, assistindo as partidas. Dilma foi vaiada na abertura da Copa das Confederações. O Congresso Nacional foi cercado por uma multidão enfurecida.
Hoje, é muito difícil prever o desdobramento da crise aberta no país. Mas é possível afirmar que não se pode voltar à situação de antes.  Em 15 dias o país mudou. 
Os ativistas, no Brasil, há tempos viam processos revolucionários no exterior. Ficaram entusiasmados com as revoluções que derrubaram ditaduras no Norte da África e Oriente Médio. Vibraram com as mobilizações que sacudiram a Europa e a Turquia. De repente, o Brasil passou a ser um dos centros mais importantes das lutas em todo o mundo.
Agora, os ativistas têm a necessidade de discutir uma estratégia. Está claro que a rotina sindical e parlamentar dos últimos 20 anos ficou para trás. É preciso rediscutir o país dentro de uma estratégia socialista e revolucionária. Queremos começar essa discussão no Opinião Socialista.
 
Em alguns dias, de milhares a milhões nas ruas
Já existiam alguns sinais de mudança antes da explosão atual. Um aumento da quantidade de greves (873 em 2012, contra 554 do ano anterior) indicava um ascenso sindical, além da queda de 8% da popularidade de Dilma, a primeira desde sua posse. O aumento da inflação e do dólar indicavam elementos de instabilidade econômica. 
De repente, um ato contra o aumento das passagens em São Paulo, no dia 6 junho, reuniu cinco mil pessoas, mais do que se esperava. A passeata saiu do Teatro Municipal e foi até a Praça Oswaldo Cruz, onde sofreu uma repressão violenta. 
A repressão não intimidou o movimento. No dia seguinte, nova passeata com o mesmo número de pessoas, parou a Marginal, uma das maiores vias de São Paulo, sem repressão. No dia 11, nova passeata, já com 12 mil jovens, saiu da Avenida Paulista indo até o Parque Dom Pedro, onde a repressão policial dividiu os manifestantes. Uma parte foi para a Praça da Sé outra voltou para à Paulista. Apesar do caráter pacífico das mobilizações, a imprensa sempre destacava os atos de pequenos grupos que provocavam quebra-quebra. A imprensa, Haddad e Alckmin falavam contra o “vandalismo” e clamavam por repressão para “garantir a ordem”. 
A quinta passeata partiu do Teatro Municipal, no dia 13.  Quinze mil pessoas caminhavam tranquilamente até a Praça Roosevelt quando uma repressão brutal se desatou. A PM tentou dissolver a passeata com bombas de gás lacrimogêneo, cassetetes e gás de pimenta. Prenderam quase 200 pessoas, feriram dezenas. Dois jornalistas foram atingidos por balas de borracha no olho. Os governos (começando por Dilma) tinham decidido reprimir duramente o movimento para evitar instabilidade durante a Copa das Confederações.
As imagens da repressão violenta correram o país e o mundo. Uma onda de indignação democrática sacudiu o Brasil. A imprensa teve de mudar o tom, acusando a polícia pela repressão. Haddad, que no dia anterior acusava os “vândalos” e pedia repressão, teve que repudiar a ação da polícia.
Os governos e a burguesia tiveram que recuar da repressão e aceitar as mobilizações. O movimento tinha conseguido uma primeira vitória. 
A partir daí o movimento se massificou e se nacionalizou. No dia 17, a passeata reuniu cerca de 100 mil em São Paulo e 100 mil no Rio. Manifestantes também tomaram a cúpula do Congresso em Brasília. No dia 19, os governos do Rio e São Paulo recuaram do aumento das passagens, seguidos por dezenas de outras prefeituras.  No dia 20, mais de um milhão de pessoas foram às ruas em todo o país. 
 
A “sensação de bem estar” está indo embora
Existe uma explicação econômica e política para essa realidade. Está desaparecendo a “sensação de bem estar” que era a base material de apoio aos governos do PT. Antes, o crescimento econômico com baixos índices de desemprego, junto com pequenas concessões, como o reajuste do salário mínimo um pouco acima da inflação, dava uma ideia de melhoria do poder aquisitivo. O Bolsa Família integrava um setor pauperizado ao consumo. A ampliação do crédito possibilitou que as pessoas comprassem eletrodomésticos e automóveis, se endividando cada vez mais. A “sensação de bem estar” era, na verdade, a ampliação do poder aquisitivo, inflado artificialmente pelo acesso ao crédito. 
A desaceleração da economia começou a se combinar com contradições crescentes que trazem instabilidade, como a inflação e o déficit comercial. Não existe recessão nem descontrole inflacionários, mas elementos de instabilidade que antes não existiam. A inflação e a carestia são problemas centrais, que vão corroendo o poder de compra dos salários que já são baixos.  
O endividamento crescente das pessoas também afeta o poder aquisitivo. Hoje, 44% da renda das famílias são destinados ao pagamento das dívidas. Para 19,5% das famílias mais da metade da renda está comprometida com o pagamento dos empréstimos.  Basta imaginar uma pessoa sem metade de sua renda e que vê os preços aumentar para imaginar como a insatisfação vai aumentando. 
A crise econômica mundial está levando ao maior déficit comercial da história. Além disso, existe um déficit na balança de conta-corrente de mais de US$ 70 bilhões. As expectativas de mudanças na política econômica dos EUA já estão afetando o fluxo internacional de capitais, com uma retirada parcial de capitais especulativos do Brasil, queda da Bolsa e alta do dólar, o que reforça a inflação.
Esses elementos de instabilidade, agora, se agregam à situação política. Não existe mais aquele “mar  de rosas” do passado.
A queda de popularidade de Dilma indica  esse início de percepção da população sobre os problemas da economia. Mais da metade das pessoas acham que a inflação vai aumentar no próximo período. 
A isso se agrega um desconforto crescente da população com o caos nos serviços públicos, que contrasta com o luxo e a corrupção envolvida na obras da Copa. Não por acaso, há uma frase muito ouvida em todas as marchas: “tem dinheiro pra copa, mas não tem pra saúde e educação”. 
 

 

Post author José Maria de Almeida, Presidente Nacional do PSTU
Publication Date