Soraya Misleh, de São Paulo

São inúmeros os crimes cometidos por Jair Bolsonaro nos últimos quatro anos. Sua relação com milicianos, as rachadinhas, os ataques às liberdades democráticas e toda corrupção do governo, cuja lista é enorme: de pastores pedindo propina em ouro até o superfaturamento de vacinas.

Nada disso pode ficar impune. É preciso que se abram os sigilos decretados pelo, agora, ex-presidente e responsabilizá-lo por seus crimes. Junto com ele, devem ser colocados no banco dos réus seus cúmplices no governo, na cúpula das Forças Armadas e na direção de órgãos de segurança, como o diretor da Polícia Rodoviária Federal, que já deveria estar afastado e preso.

Os crimes na pandemia

A punição deve começar pelo genocídio durante a pandemia. Como comprovou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, 400 mil mortes poderiam ter sido evitadas, de um total aproximado de 700 mil. Em depoimento à CPI, o epidemiologista Pedro Hallal apontou que somente o atraso na compra das vacinas pode ter causado a morte de 95 mil a 145 mil brasileiros. Ele foi categórico: quatro a cada cinco mortes poderiam ter sido evitadas, considerando o tamanho da população.

Acompanhadas das falas abjetas de Bolsonaro, “fake news” criminosas difundiam a ideologia negacionista e anticiência. Enquanto isso, ele garantia ao Exército contratos milionários para compra de medicamentos ineficazes, como cloroquina, e, ainda, fazia propaganda contra o distanciamento social e o uso de máscaras, enquanto predominavam pouca testagem, rastreamento de contágios e isolamento.

A CPI também revelou um esquema de corrupção no Ministério da Saúde, para compra de vacinas, em que se pediria um dólar por dose da indiana Covaxin (que foi suspensa). Criminosos também foram os atrasos para levar oxigênio a Manaus, enquanto as pessoas morriam sufocadas, em janeiro de 2021.

E mais: o então ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, utilizou a população que sofria sem ar na capital do Amazonas como cobaia para testar a tese anticientífica, defendida por seu chefe, de imunidade de rebanho. A denúncia foi feita pela dentista Andrea Barbosa, ex-esposa do general, durante a campanha eleitoral. Pazuello (PL), para escapar da cadeia, que deveria dividir com Bolsonaro, elegeu-se deputado federal pelo Rio de Janeiro, garantindo Foro Privilegiado.

Extermínio indígena

Bolsonaro acumula denúncias no Tribunal Penal Internacional (TPI), seja pela ação genocida durante a pandemia, seja pelos crimes contra os povos indígenas. Uma delas foi apresentada, em 22 de janeiro de 2021, pelos caciques Raoni e Almir Surui, este último chefe da tribo dos Paiter-Surui, através do advogado francês William Bourdon, que anexou 21 provas.

A acusação é de extermínio, escravidão de indígenas e desmatamento na Amazônia. Reportagem do jornal britânico “The Guardian”, no dia seguinte, apontou o que foi classificado como “ecocídio”: “invasões de territórios indígenas aumentaram 135%, em 2019, e pelo menos 18 pessoas foram assassinadas”, em 2020. E, como se sabe, as instituições ambientais responsáveis por fiscalizar e impedir tais crimes foram desmontadas.

A ficha corrida é extensa e o lugar de Bolsonaro não pode ser outro senão o xilindró. Seja para fazer justiça às milhares de vítimas, seja na ação rumo a colocar uma pá de cal na extrema direita e seu projeto de ditadura.

Memória, verdade e justiça, sim! Anistia, não!

Não se passaram nem 15 dias das eleições que derrotaram Bolsonaro e já ganharam corpo movimentações para que ele e sua corja fiquem impunes, sem pagar por seus crimes. Contra isso, desde já, é preciso levantar a bandeira democrática: “Anistia, não!”

Ainda durante a campanha eleitoral, houve expressões, como a de Michel Temer, por um grande “pacto nacional”. E, agora, mais vozes têm ecoado essa má-intenção. Empresários e políticos estão pressionando e a Procuradoria Geral da República (PGR) pediu, no último dia 07, ao Supremo Tribunal Federal (STF), o arquivamento de mais uma investigação preliminar contra Bolsonaro e sua corja, com base no relatório da CPI da Covid-19. De dez casos a serem apurados, já é a nona petição da PGR com esse teor.

O Congresso, dominado pelo Centrão, também já apontou o caminho de adaptação ao novo governo Lula: “sem revanchismos”, ou seja, sem nenhuma punição a Bolsonaro.

A estratégia de conciliação de classes do PT vai levar esse partido e seus aliados à conciliação com esses setores. Por essa via, pode chegar à contemporização com os crimes de Bolsonaro e sua trupe. E este será o melhor caminho para fortalecer o bolsonarismo.

Sequelas

O Brasil precisa romper com seu ciclo de conciliação e impunidade

A construção de um grande acordão está na pauta. E a história nacional é marcada por essas “concertações” (ou “arranjos”) para garantir a estabilidade do sistema capitalista. Até hoje, familiares de mortos, torturados e desaparecidos políticos na ditadura militar (1964-1985) lutam para, enfim, colocar seus algozes no banco dos réus. Em sua luta contra o racismo e o capitalismo, organizações do movimento negro, por seu turno, seguem exigindo reparações históricas pelos 388 anos da escravidão no Brasil.

As sequelas estão aí, como feridas abertas: vão desde a impunidade que leva ao contínuo genocídio negro e pobre pelas mãos das polícias até Bolsonaro.

Às demais lutas democráticas por reparação, memória, verdade e justiça, soma-se, agora, a batalha para colocar Bolsonaro e seus asseclas na cadeia. Em países como a Argentina, os militares da ditadura foram julgados e condenados. O filme “Argentina 1985”, do diretor Santiago Mitre, relata como toda a nação foi mobilizada no julgamento histórico que condenou assassinos e torturadores.

Neste momento, em que se mostra cada vez maior a necessidade de que a classe trabalhadora organize sua autodefesa e se mobilize contra as ameaças às liberdades democráticas, é necessário expurgar da história nacional os últimos quatro anos de obscuridade. É preciso expor o esquema institucionalizado de corrupção, via orçamento secreto, e colocar Bolsonaro no banco dos réus por sua ação genocida na pandemia.