Polícia Federal faz busca e apreensão na casa de Bolsonaro Foto Agência Brasil

Enquanto fechávamos esta edição, mais um capítulo da tentativa golpista de Bolsonaro vinha à tona, na esteira do escândalo dos registros falsificados de vacina. Desta vez, áudios encontrados no celular do ex-major Ailton Barros, um dos presos na operação da Polícia Federal, detalham como seria essa tentativa de tomada do poder pelos bolsonaristas.

O caso foi revelado pela CNN neste dia 8 de maio e mostra diálogo do coronel Elcio Franco, também funcionário de confiança de Bolsonaro e ex-número 2 no Ministério da Saúde, propondo mobilizar 1,5 mil homens do Batalhão de Operações Especiais do Exército para a tomada do poder, caso o então comandante da força, general Freire Gomes, se recusasse a fazê-lo. “É preciso convencer o comandante da Brigada de Operações Especiais de Goiânia a prender o Alexandre de Moraes. Vamos organizar, desenvolver, instruir e equipar 1.500 homens”, diz um dos trechos interceptado pela polícia.

Na semana anterior, conversas encontradas no celular do ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, já davam conta do plano golpista. Em áudios, desta vez de Ailton Barros a Cid, o ex-major propõe prender o ministro Alexandre de Moraes e a decretação de uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para consumar o golpe.

Os diálogos reveladores dos militares mais próximos do entorno de Bolsonaro reafirmam que um golpe só não foi concretizado por falta de condições para tal, já que plano e preparação para isso não faltaram, vide a “minuta do golpe” encontrada com o ex-ministro, e hoje preso, Anderson Torres. E mostram que a falsificação de vacinas que desatou a operação da Polícia Federal é só a ponta do iceberg de vários outros escândalos que, mais cedo ou mais tarde, virão à tona.

Certeza da impunidade

Militares trapalhões deixam rastro de provas

A operação da PF começou a partir de uma denúncia à Controladoria-Geral da União ainda no final de 2022. No dia 3 de maio, Alexandre de Moraes autorizou uma série de mandados de busca e apreensão, incluindo na casa do próprio Bolsonaro, além da prisão de Mauro Cid, Ailton Barros, bem como de outros três assessores do entorno bolsonarista, e o secretário de Saúde de Duque de Caxias (RJ).

Os erros encontrados nessa tentativa grosseira de falsificação mostram, mais que a inépcia de Bolsonaro e os oficiais à sua volta, a certeza absoluta da impunidade de suas delinquências. O registro da “vacinação” de Bolsonaro e da filha, por exemplo, foram inseridos no sistema do Ministério da Saúde no dia 21 de dezembro do ano passado, e apagados no dia 27. As carteiras foram emitidas momentos antes do embarque à Flórida. Sem contar que o local da suposta vacinação foi Duque de Caxias, mais de 1.100 quilômetros de Brasília, onde o ex-presidente estava naquele momento.

Toda a articulação para essa falsificação teria ainda sido realizada através do Whatsapp, tudo devidamente registrado e sem a menor preocupação de não gerar provas. Os crimes que Bolsonaro e seus cúmplices podem incorrer vão de peculato eletrônico, infração de medida sanitária, falsidade ideológica até corrupção de menores.

Se a falsificação da vacinação já não fosse grave o suficiente, em pouco tempo será a menor das preocupações para os bolsonaristas. Mauro Cid, por exemplo, teve apreendidos US$ 35 mil e R$ 16 mil, em dinheiro vivo, escondidos em sua casa no momento da prisão. De onde veio essa grana, e por que ele tentou esconder isso da polícia? Esses e outros questionamentos vão assombrar o militar preso, e o próprio Bolsonaro, já que uma eventual delação premiada não está descartada, e os celulares de Cid e do ex-presidente estão só começando a ser periciados.

Milicianos

“Eu sei quem matou Marielle”

Outro caso que volta à tona com esse escândalo é o do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes. Isso porque, em uma das conversas interceptadas, o major Ailton Barros diz, com a maior naturalidade, que sabe “quem matou Marielle”. “Eu sei dessa história da Marielle toda, irmão, sei quem mandou. Sei a porra toda. Entendeu?”, disse.

E como a execução de Marielle foi parar nessa história? Para viabilizar a falsificação dos registros de vacina para que Bolsonaro pudesse entrar e permanecer nos EUA, eles procuraram a ajuda do ex-vereador carioca, Marcelo Siciliano. Um político já investigado como mandante da execução de Marielle. Em troca da mediação de Siciliano, Mauro Cid o ajudaria a conseguir visto para os EUA, algo que ele encontrava dificuldade justamente por conta dessas investigações.

QUEM É QUEM

Conheça os principais personagens desse caso

Mauro Cid

Ex-ajudante de ordens de Bolsonaro (uma espécie de faz-tudo, inclusive tarefas pessoais), é oficial do Exército e filho de um amigo de longa data do ex-presidente. Sombra de Bolsonaro, teria sido o articulador do esquema de fraude das carteiras de vacinação, e participou das conversas que tramavam um golpe. Tentou esconder US$ 35 mil e R$ 16 mil quando a PF foi prendê-lo.

Elcio Franco

Coronel da reserva, propôs botar 1,5 mil homens para darem um golpe a fim de manter Bolsonaro no poder. Foi secretário adjunto do Ministério da Saúde na gestão Pazuello e assessor da Casa Civil na antiga gestão. Mesmo no governo Lula, continuava como conselheiro fiscal da estatal Hemobrás, tendo recebido pelo menos três “jetons” de R$ 3 mil por sua participação em reuniões da empresa.

Ailton Barros

Um dos presos pela operação da PF, é ex-major, tendo sido expulso do Exército em 2016. Mesmo assim, sua esposa recebe pensão de R$ 22,8 mil, através de uma manobra que o considera “morto” no cadastro da instituição (uma das muitas mamatas do alto oficialato). Em conversa com Mauro Cid, diz saber quem matou Marielle e Anderson Gomes. “Ailton, você sabe, você é um velho colega meu, paraquedista. Tu é meu segundo irmão, né?”, disse Bolsonaro na campanha do ex-major para vereador no Rio.

Marcelo Siciliano

Acusado de intermediar o esquema de falsificação das vacinações. Chegou a ser investigado pelo assassinato de Marielle e Anderson, após ser acusado por uma testemunha que disse tê-lo visto conversando com o miliciano Orlando Curicica. A testemunha, motorista do miliciano, diz ter presenciado Siciliano dizer a Curicica que desejava a morte de Marielle, por ela prejudicar seus negócios na região.

ANISTIA NÃO!

Capitulação de Lula aos militares

Brasília (DF), 04.05.2023 – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva dá posse ao ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Marcos Amaro, em cerimônia fechada no Palácio do Planalto. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Enquanto a Polícia Federal prendia os assessores de Bolsonaro e vasculhava a sua mansão, Lula almoçava com o alto comando das Forças Armadas. Pouco depois, anunciou um outro general para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), escolhido para agradar e estreitar relações com a alta cúpula das Forças Armadas. Isso depois do vazamento das imagens do general Gonçalves Dias, indicado por Lula ao GSI, andando tranquilamente entre os bolsonaristas que depredavam o Palácio do Planalto em 8 de janeiro. Como se isso não bastasse, Lula pretende devolver sua própria segurança pessoal ao GSI, sob comando dos militares.

Ou seja, ao invés de punir os altos oficiais ligados à extrema direita, e fazer uma devassa para tirar os golpistas e bolsonaristas, o presidente continua apostando na conciliação, e ainda os promove dentro da estrutura do Estado. A permanência de José Múcio à frente do Ministério da Defesa, um homem ligado ao bolsonarismo e à cúpula das Forças Armadas, mesmo após o 8J, e a própria presença de Elcio Franco na direção de uma estatal em pleno governo Lula mostram até que ponto o Estado está impregnado de bolsonaristas.

Só a mobilização da classe pode derrotar a ultradireita

Isso ocorre porque um governo de aliança de classes, que atua junto à burguesia, os banqueiros e o agronegócio, é incapaz de enfrentar e derrotar até o fim a extrema direita. Sob o argumento de que não há correlação de forças, e que se deve buscar a conciliação para evitar o pior, capitula-se aos bolsonaristas e reproduz-se o que está ocorrendo no Congresso Nacional, onde o PT tenta implementar um regime de austeridade em prol dos banqueiros. Ou a recente indicação de Fernando Haddad do banqueiro Gabril Galípolo como diretor do Banco Central, ao mesmo tempo que reclama da política de juros altos do presidente da instituição, Roberto Campos Neto.

O que acabou de acontecer no Chile, onde a extrema direita venceu a eleição para uma nova Constituinte no rastro da decepção do povo com o governo Boric, é uma mostra de que pode haver grandes expectativas iniciais num governo de conciliação com a burguesia e os super-ricos, mas o seu caminho é a inevitável desmoralização e o fortalecimento da ultradireita.

Só com ação independente da classe trabalhadora e sua mobilização é que se poderá devolver a ultradireita ao esgoto de onde nunca deveria ter saído, garantir nenhuma anistia a golpistas e investigação até o fim e punição a Bolsonaro e sua família.