Bush apostou nas eleições para tentar reverter a situação crítica que enfrenta no IraqueNesse contexto, Bush foi, em grande medida, obrigado a jogar a carta da armadilha eleitoral para tratar de reverter a dificílima situação político-militar que enfrenta, com os objetivos que relembramos no início deste artigo. Dissemos também que ele contou com o apoio do imperialismo europeu e a cumplicidade da direção burguesa curda e dos religiosos xiitas.

Foram eleições absolutamente fraudulentas e ilegítimas, sem qualquer tipo de garantias democráticas. Eleições que mereceram apenas o chamado ao repúdio e ao boicote, como fizeram grande parte das organizações dentro e fora do Iraque. Em primeiro lugar, porque foram impulsionadas pelos invasores e realizadas com sua custódia armada. Em segundo lugar, porque ninguém conhecia a lista de votantes utilizada, os nomes da maioria dos candidatos eram “clandestinos” (por temor aos atentados da resistência) e não havia qualquer possibilidade de controle independente da votação. Somam-se as ameaças da resistência de fazer atentados nos locais de votação. Inclusive, em 4 das 14 províncias iraquianas, as eleições nem sequer puderam realizar-se.

Nossa impressão é que fracassaram em sua própria realização. Vários dias depois de realizadas, a cifra de votantes continua sendo um mistério. As informações oficiais falaram primeiro em 70% dos inscritos, depois 60% e depois 50%. Safwat Rashid, membro da Comissão Eleitoral Independente, alertou os observadores para que não interpretassem muito os resultados: “Só Deus Todo-poderoso sabe, neste momento, quais são as cifras finais de participação”. Quase uma piada. O jornalista espanhol Pascual Serrano calcula que, se aceitarmos a cifra de 60% de votantes sobre a lista eleitoral e se considerarmos que foram inscritos nessa lista 60% da população com direito de voto, o resultado final é que só votaram 35% dos cidadãos iraquianos. Isso significa que, seja por convicção política ou medo dos atentados, quase dois terços da população iraquiana boicotou as eleições.

Mas, inclusive sobre a parcela que votou, é preciso considerar outro elemento: “Muitos iraquianos denunciaram que as autoridades lhes negavam sua ração de comida se não votassem e demostravam que o haviam feito”, disse Jamail. Os censos eleitorais foram elaborados a partir das listas de distribuição de alimentos, das quais dependem, para comer, milhões de iraquianos.

As eleições reais
Pelas informações disponíveis, nossa primeira avaliação é que os sunitas (30% da população), boicotaram massivamente as eleições, os xiitas (60%) se dividiram e, seguramente, um alto número de curdos (10% da população) votou. Mas esses números merecem uma análise mais profunda.

Os 30 milhões de curdos são o maior povo do planeta sem Estado próprio. Estão divididos em vários países (entre eles, Iraque, Irã e Turquia) e sempre lutaram por unificar-se em seu próprio país independente, sendo duramente reprimidos pelos governos dos países em que habitam. No Iraque vivem cerca de 3 milhões, e são majoritários no norte. Oprimidos e reprimidos por Saddam, suas direções burguesas (Talabani e Barzani), fizeram um pacto com os americanos e apoiaram a invasão, em troca de uma certa autonomia, autoridades locais e forças de segurança próprias. É a zona menos afetada por atentados. Mas a cidade mais importante do Curdistão (a terceira do Iraque), o centro petroleiro de Mossul (com uma forte minoria sunita), depois do assalto a Faluja passou a ser uma das mais afetadas por ações contra os ocupantes e seus cúmplices. Na outra cidade importante, Kirkuk, passa um grande oleoduto, constantemente atacado.

De certa forma, no Curdistão iraquiano, o plano americano de conseguir uma autoridade local dócil teve êxito. Mas esse “êxito” contém um foco potencial de conflito muito grave para o futuro. Na Turquia, os curdos vivem no sul, perto da fronteira com o Iraque. Por isso, o governo turco (tradicional aliado dos EUA na OTAN) não apoiou a invasão e negou acesso ao país às tropas invasoras. Seu temor é que a autonomia dos curdos iraquianos incentive a rebelião do Curdistão turco e ameaça invadir o norte do Iraque ante o menor indício desse processo. Condoleeza Rice, secretária de Estado do governo Bush, acaba de viajar à Turquia para tentar tranqüilizar seus governantes sobre esse tema.

No caso dos xiitas (seguramente o setor mais importante que o imperialismo queria ganhar para as eleições), votou, no melhor dos casos, entre 40 e 50%. Ou seja, pelo menos a metade deles desobedeceram ao chamado de sua máxima autoridade religiosa, Ali Sistani. Mas a metade que votou o fez enganada por seus dirigentes, convencida de que a eleição servia para avançar na retirada dos invasores e na liberação do Iraque. “Tahrir (independência) é a palavra pela qual muitos votaram no domingo; não pela ‘democracia’, como querem os meios de comunicação ocidentais, e sim pela liberdade: para ser livres para falar, votar; para livrar-se dos americanos” testemunha Robert Fisk (La Jornada, 2/2/05). “Os que votaram não o fizeram em apoio a uma continua ocupação de seu país pelos EUA. Na verdade, votaram justamente pela razão oposta. Cada votante com quem falei, me explicou que achava que a Assembléia Nacional que será formada logo significará o fim da ocupação. E esperavam que o chamado à retirada das forças estrangeiras de seu país ocorra o mais rápido possível”, reforça Dahr Jamail. Assim dizem os enganadores cartazes eleitorais: “Irmãos iraquianos, o futuro do Iraque está em suas mãos. As eleições são o meio ideal para expulsar os ocupantes”.

Nesse marco, apesar da precariedade dos dados, indicava-se que a Aliança Unida Iraquiana (respaldada por Ali Sistani) superava amplamente a coalizão eleitoral de Allawi, com as outras chapas muito mais atrás. De modo que os seguidores de Sistani terão a maioria na futura Assembléia Nacional e no futuro governo.

Mas esse futuro governo, longe de ser um passo para a independência iraquiana, será um novo governo títere ou, no melhor dos casos, prisioneiro dos invasores. Prova disso é que o subsecretário de Defesa, Paul Wolfowitz, informou a senadores em Washington que os EUA retirarão em breve 15 mil soldados do Iraque. No entanto, ainda permanecerão 135 mil soldados, um nível que o Pentágono planeja manter até o final do ano.

Não é por acaso que na chapa apoiada por Ali Sistani apareça o atual ministro da Fazenda iraquiano, Abdel Mahdi, que prometeu aprovar uma nova lei que abriria a companhia nacional de petróleo do Iraque ao investimento privado estrangeiro, fato muito promissor para os negócios dos EUA e, certamente, para as petroleiras.
Ao mesmo tempo, Sistani e seus adeptos precisarão responder às espectativas e pressões do povo xiita: dos que não votaram e, mais ainda, dos que o fizeram. Esses exigirão a saída dos americanos e a independência do país. Mas essas expectativas serão rapidamente frustradas e levarão ainda mais iraquianos a somarem-se à luta contra o invasor e seu governo títere.

As perspectivas
Por tudo isso, cremos que o imperialismo fracassou nos seus objetivos com as eleições. Em grande medida, parece haver queimado a “cartada xiita” sem resultados promissores à vista. A resistência não se deteve: no dia das eleições, seus atentados deixaram 50 mortos (cinicamente definida como “razoável” pelos invasores). Nos três dias seguintes, foram mortos 26 policiais iraquianos e dois soldados americanos. Ao mesmo tempo, as condições de vida do povo iraquiano são e continuarão sendo terríveis: o desemprego chega a 70%; a fome e as doenças deixam centenas de vítimas; nada funciona: na maior parte de Bagdá só há quatro horas diárias de eletricidade e, como uma cruel ironia, em um país que repousa sobre o petróleo, é difícil conseguir gasolina.

Tudo indica, então, que a guerra de libertação do povo iraquiano crescerá cada vez mais. Nesse sentido, no Iraque se desenvolve a batalha mais importante da luta de classes mundial hoje. Uma derrota do imperialismo aí (como no Vietnã), enfraquecerá nosso inimigo e incentivará as lutas dos trabalhadores e dos povos de todo o mundo. Como em toda guerra de libertação, os revolucionários devem ter um campo claro no qual se localizar: o da resistência militar aos invasores imperialistas. Por isso, a LIT-QI apóia incondicionalmente a luta militar da resistência iraquiana, apesar de manter as críticas políticas às suas direções. Estamos pela derrota política e militar do imperialismo e seus colaboradores iraquianos e por sua expulsão.
Viva a resistência iraquiana! O Iraque para os iraquianos!

Post author Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (www.litci.org)
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