A viagem do primeiro cosmonauta brasileiro, Marcos Pontes, teve ampla cobertura da imprensa e foi cercada por inúmeras controvérsias. Como prevíamos, uma grande campanha com indisfarçável cunho patrioteiro e eleitoral foi realizada em torno da missão. Isso ficou ainda mais claro quando, numa conversa transmitida ao vivo pela TV, entre Lula e Marcos Pontes, o presidente o comparou a Ayrton Senna e pediu uma mensagem de esperança às crianças brasileiras.
O espetáculo de mídia foi uma constante. Pouco antes de a conversa ir ao ar, o diretor técnico-científico da Agência Espacial Brasileira, Raimundo Mussi, disse, com o microfone aberto: Recomendei ao Pontes para flutuar o máximo possível.
Reforçando a pasmaceira do orgulho nacional, foram exibidos pela TV, em horário nobre, entrevistas com o cosmonauta brasileiro onde nenhuma pergunta foi feita sobre o atual programa espacial brasileiro ou a respeito de sua continuidade.
Bem longe da propaganda oficial, entretanto, a missão de Pontes não tem nada a ver com a conquista da soberania do País. A começar pela forma como o brasileiro foi ao espaço.
Independentemente de seu valor científico, a viagem só pôde ser realizada porque o governo brasileiro comprou um bilhete de viagem por US$ 10 milhões para que Pontes pudesse voar. Exatamente como alguns multimilionários turistas espaciais já haviam feito. Os próprios técnicos russos admitem isso, diante da pobreza de seu atual programa espacial. Para nós é quase a mesma coisa se é um turista mesmo ou não, afirmou o cosmonauta Valery Kubasov. Essa é a medida exata da tal soberania falada pelo governo chegar ao espaço numa carona paga após três milionários turistas!
O fim da União Soviética (URSS) e a restauração do capitalismo foram desastrosos para a pesquisa cientifica do país. No passado, apoiada pela propriedade estatal dos meios de produção, a URSS desenvolveu um programa espacial fabuloso, enviando o primeiro ser humano ao espaço. Hoje está com o pires na mão, vendendo tudo para arrecadar uns trocados, inclusive caronas espaciais. Atualmente a Roskosmos (agência espacial russa) conta com um orçamento anual de US$ 900 milhões para 2006. Dez vezes menos que nos tempos da URSS.
Oposição de direita defende a submissão ao imperialismo
É muito comum ouvir que os gastos com programas espaciais são inúteis. Esse tipo de questionamento é ainda mais comum no Brasil, que possui imensos problemas sociais. Todavia, os programas espaciais foram em grande parte responsáveis pelo avanço tecnológico mundial na área de comunicação (satélites), no desenvolvimento de tecnologias de energia limpa (como energia solar), na informática, na área ambiental e muitas outras.
Os programas espaciais são a ponta de lança da pesquisa científica no mundo. Não é à toa que os EUA, a principal economia capitalista do planeta, dominam esta área. Um país que realmente deseje conquistar a soberania deve investir em programas espaciais, e também no fim da miséria e do desemprego.
São absurdas, portanto, as críticas feitas pela oposição burguesa mirando as eleições de outubro que defende um programa mais realista para o Brasil na área espacial. Defendem que vôos tripulados e investimentos em foguetes para lançamento de satélites sejam feitos apenas por gente grande, países como os EUA e da União Européia. Assim, se perpetuaria a concentração dessa tecnologia nas mãos dos países imperialistas e se condenaria a pesquisa científica brasileira a uma morte lenta.
Fazendo coro com a oposição burguesa, alguns cientistas, argumentando contra o vôo de Pontes, dizem que os US$ 10 milhões gastos na viagem poderiam ser mais bem aproveitado em outras áreas científicas. O presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Fernando Heinach em artigo publicado em o Estado de S. Paulo, calcula que a quantia gasta no vôo poderia ser usada para financiar bolsas para formar 150 engenheiros aeroespaciais no exterior. O debate fundamental é, contudo, por que o orçamento destinado ao programa espacial (quase US$ 200 milhões) é tão insignificante para o desenvolvimento do programa.
Por outro lado, o que será pago em juros das dívidas interna e externa nesse país (US$ 118 bilhões, aproximadamente, ou mais de US$ 300 milhões por dia) poderia bancar um astronauta por dia e ainda sobraria muito dinheiro. Daria para financiar a formação de milhares de cientistas por ano.
O que se paga de dívida externa e interna é muito mais do que o orçamento anual da NASA, a maior agência espacial do planeta. O orçamento destinado por Bush à agência foi de US$ 16,8 bilhões para 2007.
O 1º e último astronauta brasileiro?
Está claro que a viagem de Pontes e qualquer um dos experimentos realizados por ele não têm nenhuma relação de continuidade com o programa espacial brasileiro. Em outras palavras, o vôo do cosmonauta infelizmente vai acabar como um mero espetáculo de conteúdo político e eleitoral.
Há anos o projeto espacial brasileiro se encontra completamente sucateado. A explosão do VLS 1 (veículo lançador de satélites) em Alcântara em 2003, com a morte de 21 cientistas, é o melhor símbolo da falta de recursos do programa, que sequer tem verbas para garantir a segurança dos técnicos envolvidos.
Para se ter uma idéia, Pontes necessitou voar através do programa russo, e não do norte-americano porque no acordo com a NASA, o Brasil assumiria a responsabilidade de fabricar peças para a parte norte-americana da ISS (estação espacial internacional), em troca da viagem. Mas até hoje as peças não foram produzidas. A saída então foi pagar US$ 10 milhões aos russos pela carona na Soyuz. Hoje a própria participação brasileira na ISS está ameaçada.
Soberania espacial?
Há setores da comunidade científica, entre eles o próprio Marcos Pontes, que acreditam que o vôo vai despertar os políticos para aumentar os investimentos no setor de ciência e tecnologia. Pura ilusão. Todo o orçamento do País está amarrado pelos acordos com o FMI, pela garantia do superavit primário, pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pelo pagamento das dívidas com os bancos nacionais e internacionais, ou seja, pelo plano econômico neoliberal. Se houver alguma modificação, esta será cosmética, puro marketing eleitoral.
É preciso romper com a lógica de submissão ao imperialismo nesta área também. Para conquistar a tal soberania espacial, há que conquistá-la aqui em terra firme, ou seja, romper com FMI e com o imperialismo e parar de pagar as dívidas.
Post author Jeferson Choma, da redação e Isaac Brodski, de Moscou
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