O Brasil enfrenta dificuldades para pagar a dívida externa desde o final da década de 70, com a alta unilateral das taxas de juros pelos EUA. A solução encontrada pelos sucessivos governos foi promover altos superávits comerciais com o exterior, para conseguir os dólares necessários ao pagamento dos juros da dívida.

Para tanto, tivemos o arrocho salarial e a recessão dos anos 80 – prolongadas até os dias atuais – reduzindo as nossas necessidades de importação e desviando a produção interna para as exportações. Outra conseqüência dessa ânsia exportadora foi a opção por um modelo agrícola excludente, que orientou a pesquisa, financiamentos e, principalmente, as terras às grandes monoculturas de exportação, gerando o êxodo rural, a concentração ainda maior das propriedades rurais e o crescimento da violência no campo. Nesse contexto, a agricultura familiar, apesar de mais produtiva, mais empregadora e ecologicamente sustentável, nunca mereceu o apoio dos governos. Assim, não é de se espantar que nosso país, capaz de colher mais de 100 milhões de toneladas de grãos em uma única safra, ainda esteja implementando programas como o “Fome Zero”.
Ao mesmo tempo em que os EUA aumentaram as taxas de juros, também manipularam os preços dos produtos comerciais agrícolas (commodities), mantendo-os baixos. Mas o resultado desse esforço exportador não solucionou o problema da dívida. De 1978 a 2003, todo o nosso saldo comercial, no valor de US$ 159 bilhões, não foi suficiente para pagar os juros da dívida, que somaram R$ 252 bilhões no período. O Plano Real acentuou ainda mais nossa dependência externa. A abertura comercial e a venda de empresas nacionais a estrangeiros dobraram nossas importações de matérias-primas e bens de capital. E também triplicaram as remessas de lucros para o exterior.
Tamanha dependência financeira decorrente do endividamento nos torna altamente vulneráveis a mecanismos nefastos como a proposta da Alca. Infelizmente, ao invés de reverter esse processo, o governo Lula mantém a orientação dos governos anteriores negociando Alca, na intenção de vender aos EUA nossos produtos agrícolas.

Para isso, teremos de fazer caras concessões, conforme afirmou o representante de comércio norte-americano, Robert Zoellick: “Somente ganhará mais quem ceder mais”. Segundo o jornal Valor Econômico de 02/02/2004, dois de fevereiro, os negociadores brasileiros já admitem reduzir nossas tarifas para a importação de produtos industrializados norte-americanos e aceitam vários pontos relacionados às áreas de investimentos, serviços e de propriedade intelectual.

É alarmante constatarmos que o governo já aplica medidas preparatórias para a implementação da Alca no país, como a liberalização e isenção tributária dos fluxos de capital financeiro, a flexibilização das normas aduaneiras – como o funcionamento em tempo parcial da aduana e a dispensa de visita da fiscalização às embarcações estrangeiras, aprovadas pela recente Lei 10.833/2003 -, e a reforma da Previdência.

Nenhuma Alca serve ao país, seja Light, À La Carte, em “2 pisos” ou “3 trilhos”, tal como votaram mais de 10 milhões de brasileiros que participaram do Plebiscito Nacional, em 2002. A Alca provocará perda de soberania e perpetuará a atual política de dependência externa, endividamento, ajuste fiscal e desemprego.

* Maria Lúcia Fattorelli é auditora fiscal da Receita Federal, presidente da Unafisco Nacional e coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida pela Campanha Jubileu Sul

Post author Maria Lucia Fatorelli*, especial para o Opinião Socialista
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