Foto de Araquém Alcântara
Gilberto Marques, de Belém (PA)

Presidente estimula queimadas e desmatamento na região

Gilberto Marques, de Belém (PA)

Uma foto percorreu o Brasil e o mundo nos últimos dias: o fotógrafo brasileiro Araquém Alcântara fotografou um tamanduá mirim saindo de uma área de queimada na Amazônia brasileira. O pequeno animal estava com parte do corpo queimado e já cego por conta do fogo. Ao sentir a presença do fotógrafo, de imediato o tamanduá se ergueu, ficando em pé e abriu os braços.

As queimadas cresceram vertiginosamente no decorrer de 2019. Isso, associada à política e declarações de Jair Bolsonaro, “assanhou” ainda mais os latifundiários que resolveram promover o “dia do fogo”. Convocado para o dia 10 de agosto na área da BR-163 (Cuiabá-Santarém) e região, foi um ato orquestrado para apoiar e chamar ainda mais atenção de Bolsonaro. Parte da convocatória, em redes sociais, foi publicada pelo jornal Folha do Progresso, do município de Novo Progresso, em 5 de agosto. Resultado: explosão das queimadas em diversos municípios amazônicos no dia 10 de agosto.

Nos 26 dias iniciais do mês de agosto as imagens de satélites analisadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE – órgão governamental) constataram a ocorrência de 26.795 focos de queimadas na Amazônia, muito acima da média histórica dos últimos 21 anos, sendo que desde 2010 esse número não ultrapassava 22 mil focos.

A política Bolsonaro de terra arrasada
As queimadas são a consequência de um conjunto de políticas que vem sendo implementado desde governos anteriores, incluindo os petistas, mas que foram criminosamente intensificadas no atual governo. Regularização de terras griladas e construção de megaempreendimentos (como as hidrelétricas) vem sendo impostas à região há muito tempo, mas particularmente retomadas desde os anos 2000.

Com Jair Bolsonaro se extinguiu o Ministério do Trabalho (que deveria combater o trabalho escravo, entre outros), confirmou-se a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (em tese responsável por políticas de reforma agrária) e tentou-se extinguir o Ministério do Meio Ambiente. Como não conseguiu esse último intento, o presidente “predador” cortou o orçamento, desestruturou e esvaziou o Ministério do Meio Ambiente, e ainda nomeou ministro Ricardo Salles, uma figura patética para aplicar a política da terra arrasada, ou seja, da motosserra.  Das 27 superintendências do Ibama, 19 não tiveram nomeação dos seus superintendentes. Na Amazônia Legal apenas Mato Grosso recebeu nomeação para sua direção. As ações de fiscalização do Ibama caíram 58% entre janeiro e abril desse ano. Na Amazônia Legal a queda foi de 69%. Altamira, no Pará, maior município do Brasil (e do mundo) e um dos que mais desmata, conta com apenas um fiscal do Ibama.

Não bastasse tudo isso, e outras mais, Bolsonaro investiu contra a Funai na intenção de retira-la do Ministério da Justiça e repassá-la ao Ministério da Agricultura, dominado pelo agronegócio e por sua ministra Tereza Cristina, conhecida como rainha do agrotóxico. Até junho de 2019 o governo liberou o uso de mais 262 agrotóxicos no Brasil, alguns dos quais proibidos na maioria dos países. Além de provocar câncer e outras doenças, parte deles mata as abelhas, inseto fundamental na polinização das florestas.

O objetivo é ampliar o domínio do latifúndio sobre a Amazônia e impedir novas demarcações de terras indígenas, de reforma agrária e de preservação ambiental. Em verdade é mais que isso: busca-se reverter essas demarcações, reduzindo as áreas e impondo a presença do agronegócio e da mineração sobre essas terras.

Diante da repercussão negativa das queimadas na Amazônia, Bolsonaro tentou culpar as ONG’s, acusando-as de colocar fogo na região. Pegou mal para ele, que passou a enfrentar fortes críticas e atos no Brasil e no exterior contra sua política. Então teve que anunciar ações de combate às queimadas. O pronunciamento em rede nacional foi acompanhado de panelaço contra o presidente em diversas cidades do país.

Mesmo assim, a política geral do governo permanece a mesma, o que é acompanhada por seus aliados. Em reunião com os governadores da Amazônia Legal (que envolve os estados da região Norte mais Mato Grosso e Maranhão), Bolsonaro questionou a política de reservas ambientais e áreas indígenas, dizendo que elas inviabilizam o país. Em resposta a uma afirmação do seu aliado governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), o presidente afirmou: “Muitas reservas têm o aspecto estratégico. Alguém programou isso. O índio não faz lobby, não fala a nossa língua e consegue hoje em dia ter 14% do território nacional. Uma das intenções é nos inviabilizar”. Já o governador, apesar de não admitir a intenção de tomar os territórios indígenas deixou clara a intenção de saquear as riquezas lá existentes: “Não queremos terras de índios, queremos as riquezas que lá estão”. Isso coincidiu com a fala proferida dias antes por Alexandre Vidigal, secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia dizendo que o tema tem que ser tratado sem “ideologia à mesa”: “A questão não tem de ser se é terra indígena ou não, mas qual mineral se quer aproveitar para suprir a demanda global”.

Dados do desmatamento
O Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) constatou entre agosto de 2018 e julho de 2019 um crescimento exponencial do desmatamento na região amazônica (veja a linha vermelha no gráfico a seguir), período que coincide com a ascensão de Bolsonaro na corrida presidencial do ano passado, sua eleição e os sete primeiros meses de governo.

Fonte: imazon.org.br

O mesmo Imazon levantou os municípios com maior quantidade de áreas desmatadas. Ao identificar esses municípios no mapa da região, fica clara a dinâmica de expansão do latifúndio e agronegócio sobre a floresta. O desmatamento parte das áreas já consolidadas com essas atividades (Mato Grosso, Rondônia, Tocantins, Sul do Maranhão e Sudeste do Pará) e se intensifica na área de expansão (em destaque na figura a seguir).

Diante das imagens de satélite, o Imazon colocou os dados no mapa, gerando a figura a seguir, que demonstra os pontos de desmatamento e degradação na Amazônia em Julho de 2019. É assustador. Muitos dirão que queimada e desmatamento não são novidade na região. É verdade, mas o grau que se intensificou nos últimos meses deve despertar nossa indignação e reação.

Fonte: Imazon.org.br

Mas o Imazon é uma ONG e o presidente abriu guerra contra as ONG’s. Então o que dizer sobre imagens de satélites, inclusive da Nasa (Agência espacial dos EUA)? O que questionar sobre o INPE, órgão de pesquisa do Estado brasileiro? Se os dados não são aqueles que o aprendiz de ditador gostaria de ver, ele procura desacreditá-lo e forjar outros favoráveis à sua política. Por isso, Bolsonaro substituiu o presidente do INPE (Ricardo Galvão) e está contratando um novo sistema de monitoramento do desmatamento da região, agora por meio de uma empresa privada, quando isso já é feito pelo instituto governamental.

O INPE trabalha com dois sistemas de monitoramento a partir da análise das imagens de satélite. O Prodes analisa o desmatamento em médio e longo prazo, mensurando as taxas anuais de desmatamento. O Deter trabalha com imagens em tempo real, curto prazo, emitindo alertas de desmatamento, entre outros para apresentar informações para as ações dos órgãos de combate ao desmatamento. Ele apresenta a dinâmica do desmatamento, enquanto o Prodes sistematiza as taxas, os montantes do desmatamento.

Recorrendo aos dados mais recentes, o Prodes/INPE, tal qual o Imazon, constata uma retomada do crescimento do desmatamento, desde 2013-2014, momento de intensificação da crise política no Brasil, cujo desfecho recente foi a posse de Bolsonaro. A linha de tendência do mapa comprova essa afirmação.

Fonte: INPE/Prodes

As informações dão conta de um avanço do desmatamento. Entre 22 de agosto de 2010 e a mesma data em 2010, a Amazônia Legal registrou um total de 17.822,04 km² de floresta desmatada. Os destaques negativos são Mato Grosso e Pará, seguido por Roraima, Rondônia e Amazonas.

Chama atenção o fato de que o desmatamento se concentra na classe de desmatamento com solo exposto e com queimadas florestais, o que agrava ainda mais o problema porque são mais muito mais agressivos, são o que se poderia chamar verdadeiramente de terra arrasada.

No mesmo intervalo temporal, são os municípios de agronegócio consolidado ou na rota de expansão que concentraram o montante do desmatamento. É o caso de Altamira e São Félix do Xingu no Pará e de outros municípios em outros estados amazônicos. Grosso modo também são nesses municípios ou em suas proximidades que se encontram as áreas de preservação ambiental mais atacadas pelos grileiros de terras que as invadem tocando fogo e/ou retirando suas madeiras. Floresta Nacional do Jamanxi-PA, Floresta Nacional de Roraima e Floresta Nacional de Altamira-PA são as de maior concentração do desmatamento.

As reações de Bolsonaro – decreto da lei e da ordem
A acusação às ONG’s (que teriam perdido a “boquinha” dos recursos públicos) como forma de esconder sua política criminosa de destruição do meio ambiente pegou muito mal à Bolsonaro e seu ministro Ricardo Salles. Os atos em defesa da Amazônia se tornaram manifestações contra o governo, aumentando o seu desgaste.

O governo francês e de outros países criticaram a postura do governo Bolsonaro. Alemanha e Noruega suspenderam repasses de recursos para o Fundo Amazônia de preservação da floresta. O presidente brasileiro queria usar o dinheiro para pagar latifundiários “prejudicados” pela política e legislação ambiental brasileira.

Diante das resistências e críticas, Bolsonaro teve que recuar e anunciou algumas medidas para combater as queimadas na Amazônia. A principal foi editar um decreto de manutenção da lei e da ordem, autorizando o uso das forças armadas por um mês para combater as queimadas.

O problema é que o decreto tem como objetivo reprimir os movimentos sociais, por isso é de manutenção da lei e da ordem. Afora isso, as tropas atuarão sobre áreas de fronteira, reservas indígenas e áreas de preservação ambiental. Acontece que apenas algo em torno de 40% do desmatamento e queimada ocorrem sobre terras indígenas e de preservação (grosso modo a partir de ação de grileiros e madeireiros). O restante é em terras privadas e o decreto não prevê intervenção sobre elas.

Não precisamos de um decreto desses. Precisamos de investimento público em defesa da Amazônia e de seus povos. O Ibama, ICMBio e Incra não podem continuar desestruturados. Em Altamira existe apenas um único fiscal do Ibama. É urgente retomar as ações de fiscalização e combate ao desmatamento e ao trabalho escravo. Deve-se regularizar as demais terras indígenas e quilombolas e destinar recursos que garantam a manutenção das mesmas e das áreas de preservação.

Não nos cabe negar a ajuda de quem quer que seja, mas também não alimentamos nenhuma confiança nos governos imperialistas, que estão com suas empresas espalhadas pela Amazônia saqueando suas riquezas (solo, minérios e biodiversidade).

As resistências
O avanço do capital sobre a floresta é grande, mas também cresce a resistência. Os índios Munduruku e de outras etnias fazem a autodemarcação de seus territórios. Os quilombolas do Maranhão (de Barcarena-PA e de outros municípios) estão impulsionam um forte processo de retomada de seus territórios. Ribeirinhos resistem à construção de portos e outros empreendimentos. Movimentos em defesa da educação no campo, da reforma agrária e de uma agricultura ecologicamente não agressiva se disseminam na Amazônia. Assentados enfrentam madeireiros. Há muito mais. São processos de resistência. Não são fáceis e nem sempre vitoriosos, mas eles existem e crescem.

Não existe outro caminho que não seja a organização popular e a luta. O tamanduá mirim que foi fotografado ao sair de uma queimada abriu os braços não para pedir ajuda ou se render, mas para se preparar para luta. Aquela é a posição de combate dessa espécie. Queimado e cego, ao sentir a presença de um perigo ele se levantou para a luta. É isso que nos cabe fazer.

Meio ambiente, capitalismo e socialismo
A defesa da Amazônia e do meio ambiente deve ser uma tarefa dos trabalhadores e de suas entidades representativas. Ela envolve ações para o presente e para o futuro. O capitalismo é predatório por sua natureza. Não existe possibilidade de desenvolvimento sustentável dentro dele.

O processo de acumulação ampliada de capital impõe uma apropriação cada vez mais voraz da natureza para transformá-la em mercadoria, em lucro. Isso compromete nosso futuro.

A defesa consequente do meio ambiente deve ser feita conjuntamente coma a luta contra a exploração capitalista e pelo estabelecimento do socialismo. É uma tarefa civilizatória e urgente.