Zé Maria, Vera Guasso e André Scherer
Nanda Isele

Dois pontos de vista, uma certeza: a crise estoura nos trabalhadores. No último dia 9 de junho, o auditório do Sindppd/RS foi palco de um intenso debate sobre a crise econômica mundial, seus impactos sobre a classe trabalhadora e as alternativas para a superação desta situação. Zé Maria, dirigente nacional e fundador da Conlutas, e André Scherer, economista, professor da PUC/RS e pesquisador da FEE/RS, foram os debatedores. A categoria compareceu em peso, assim como representantes de outras entidades.

Lógicas tortuosas
O economista André Scherer esclareceu o funcionamento do sistema financeiro, localizando na autorregulação e no Estado neoliberal alguns de seus agentes, que atuam a serviço da rentabilidade imediata, submetendo empresas produtivas à lógica do capital financeiro.

“Esse sistema, que vai de crise em crise, gerou crescimento econômico. Um crescimento excludente, injusto, mas ainda assim, um crescimento. Fez isto por meio de redução de salário e emprego, mas aumentando o consumo. Como? Através do endividamento” explicou, para completar: “é esta lógica que está em crise”.

O domínio da crise
Zé Maria explanou sobre a natureza anárquica do capitalismo, onde a produção de bens não é organizada em função das necessidades das pessoas, mas em função da obtenção do lucro. “Ocorre que o investimento de um volume cada vez maior de capital em busca de lucros cada vez maiores leva, contraditoriamente, a uma tendência à queda na taxa de lucros sobre o capital investido”, defendeu o sindicalista, a fim de estender o domínio da crise: “não se trata somente da crise do sistema financeiro, mas de uma crise da economia capitalista como um todo, gerada pela queda da taxa de lucros do capital”.

O pior já passou?
Zé Maria lembrou as diversas etapas pelas quais passou o discurso do governo federal: primeiro a crise não vinha, depois era uma marolinha e, nessa semana, Mantega anunciou o crescimento negativo brasileiro com promessas de que, no semestre que vem, as coisas já vão melhorar. “Mas a realidade vai derrubando esse discurso” alertou o dirigente da Conlutas. Para ele, essa campanha de otimismo tem um objetivo: desmobilizar qualquer reação às medidas que os governos estão tomando, fazer com que os trabalhadores aceitem passivamente essas medidas, com a promessa de um futuro promissor.

Intervenção estatal e aumento da dívida pública
“O estado neoliberal não se trata de um estado fraco, como muitos pensam. Pelo contrário, é um estado muito forte… para os ricos!” provocou Scherer. O economista voltou à provocação para tratar das medidas tomadas pelos governos em conseqüência da crise: “a intervenção governamental começa a fazer efeito… para o sistema financeiro!”. Scherer se referia ao aumento substancial das dívidas (dos capitalistas) assumidas pelos governos, dívida que se torna pública, estoura no bolso do povo. “As dívidas foram assumidas pelos Estados, mas será que eles agüentam?”, questionou o economista.

Quem manda e quem paga
Zé Maria lembrou que a ONU realizou um estudo há alguns anos estimando em trinta bilhões o investimento necessário para acabar com a fome, dinheiro que nunca apareceu. Scherer perguntou: “vocês acham que apareceriam alguns milhões que fossem para bancar, por exemplo, um projeto de energia alternativa? Claro que não”. Mas apareceram cinco trilhões para salvar os bancos, ao que conclui o economista: “isso deixa claro quem manda e quem paga”.

Qual superação?
Superar a crise é preciso, mas cuidado: sob qual ponto de vista? Zé Maria pontuou que, do ponto de vista dos capitalistas, a superação da crise depende da queima de capital (corte de investimentos, demissões) e maior exploração da classe trabalhadora (menor salário, menos direitos), para aumentar a taxa de lucro. Por isso, o sindicalista defendeu que “do ponto de vista dos trabalhadores, a superação da crise significa inviabilizar a superação do ponto de vista capitalista”. O primeiro passo seria uma grande resistência aos efeitos da crise; depois seria necessário por em prática um conjunto de medidas anticapitalistas, capaz de apontar para outra forma de sociedade.

Há fôlego para a alternativa?
André Scherer se revelou perplexo com um fenômeno: apesar de ter se mostrado equivocado, de ter originado o atual estado das coisas, o poder político-ideológico das finanças ainda subsiste, mesmo que enfraquecido. “A esquerda não está conseguindo aproveitar a oportunidade política porque não tem um projeto capaz de galvanizar a sociedade”, afirmou.

Zé Maria concordou que ainda estamos muito distantes de uma alternativa concreta construída pelos trabalhadores, mas chamou a atenção para algumas greves e mobilizações que já estão acontecendo e que são um importante início. “Precisamos dar um sentido comum às lutas, sejam por mais PLR, por reajuste ou contra as demissões. O desafio é conectar essas mobilizações a uma luta programática dos trabalhadores por uma alternativa à crise e à sociedade capitalista”.

Um recado direto a nossa categoria
Trabalhadores da categoria que participaram do debate não puderam deixar de registrar que a crise já afeta as campanhas salariais em curso, especialmente no Serpro e na Dataprev. Zé Maria afirmou que as mobilizações específicas da categoria ganham importância no campo da resistência aos efeitos da crise: fazem parte da luta para que os trabalhadores não paguem essa conta. “O desafio dos trabalhadores em processamento de dados é criar um clima: ‘tão dizendo que a crise ta passando? Então queremos o nosso´. Se não tem dinheiro, por que estão dando para os bancos?”.