Duraram pouco as ilusões vendidas pelo governo Lula e pela imprensa brasileira sobre a capacidade do Brasil de ficar imune à crise econômica mundial. A idéia de que o Brasil possui uma economia sólida, auto-suficiente e inatingível pela crise desabou com os primeiros efeitos dela no país. Nenhuma empresa privada simbolizava mais esta falsa confiança do que a Vale, antiga Vale do Rio Doce.
Há apenas alguns dias, Roger Agnelli, presidente da companhia, recheava as páginas dos jornais de todo o mundo esbanjando otimismo e anunciando bilionários investimentos. Agora, a segunda maior mineradora do mundo demonstra toda a sua fragilidade e anuncia o que antes pregava ser impossível: sim, a crise atingiu a Vale.
Dependência internacional
Diferente da solidez e estabilidade que muitos pensavam ser os baluartes da empresa, a Vale está demonstrando neste momento toda a sua dependência com relação à economia internacional. Como grande produtora de commodities, seu sucesso está ligado diretamente à demanda das usinas e fábricas e esteve, nos últimos anos, escorada no crescimento fabuloso da economia chinesa.
Tanto é assim que, com a recente queda de 12% para 8% do crescimento chinês neste trimestre e a chegada do estoque de minério de ferro nos portos da China à casa das 70 milhões de toneladas ociosas, a Vale começa a sofrer e dar sinais de que as vacas gordas ficaram para trás. Os discursos ufanistas do presidente da empresa deram lugar às palavras de preocupação e a um corte de 20% na produção de minério.
A Vale está cessando as operações em diversas minas de produção mais cara e de minério menos puro e já fechou usinas pelotizadoras para manutenção. Além disso, apresentou um programa de férias coletivas para seus trabalhadores. E não é só a produção de minério de ferro que está sofrendo cortes.
A empresa já informou, recentemente, que haverá redução de produção de 600 mil toneladas métricas de minério de manganês e 90 mil toneladas métricas de ferro ligas com relação ao programado para o primeiro semestre de 2009.
Uma empresa, dois discursos
Agora que a crise econômica já é uma realidade, e a empresa não pode mais fingir que não será afetada. A Vale tem dois discursos diferentes. Para o mercado, exalta a musculatura da companhia e sua capacidade de sobreviver à crise. Entre os trabalhadores, semeia o pânico e faz ameaças para conseguir mais e mais sacrifícios da parte deles.
O discurso do pânico se combina com a chantagem quando o assunto é o pagamento da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) dos funcionários. A política da empresa é manter o teto da PLR congelada em seis salários, pagamento desigual e redução do valor per capita através de baixas avaliações individuais. Em 2006, o valor médio da PLR foi de 5,2 salários; em 2007, de 4,7 salários. A tendência é diminuir ainda mais em 2008.
A desculpa da empresa é a crise econômica, mas a Vale esquece de dizer que somente nos últimos nove meses seu lucro foi de R$19,2 bilhões e a PLR deve ser calculada sobre este montante. Para piorar, ela deu um ultimato à categoria e ameaça retirar a proposta de PLR se esta não for aprovada até 14 de novembro. A palavra de ordem da chefia nas minas é “aprovar antes que a crise bata”.
Só há um caminho para os trabalhadores e o povo
O único caminho para os trabalhadores e para o povo é a luta contra as medidas nocivas da Vale e pela reestatização da empresa. A única forma de evitar as demissões, o arrocho salarial, a redução da PLR e o aumento do ritmo de trabalho é arregaçando as mangas e preparando uma campanha nacional que enfrente o poder econômico da Vale e o governo federal e exija sua reestatização sem indenização. As comunidades atingidas pela mineração devem juntar-se aos trabalhadores nessa luta pelo direito à vida, ao meio ambiente e à soberania.