Colômbia: “O povo quer botar o governo para fora, mas também quer pôr fim no regime autoritário”

No dia 28 de maio, quando completava exatamente um mês da Paralisação Nacional que sacode a Colômbia, o Opinião Socialista entrevistou Pedro Londoño, militante do Partido Socialista dos Trabalhadores (PST), organização irmã do PSTU e seção colombiana da Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI). Pedro, que também é membro da Coordenação Sindical de Solidariedade de Cartagena, falou sobre este vigoroso processo revolucionário e as propostas do PST para fazê-lo avançar

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Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

As mobilizações já derrubaram a reforma tributária apresentada pelo presidente Iván Duque, o ministro da Economia e a ministra das Relações Exteriores, diante dos protestos internacionais contra a repressão. Por que o povo colombiano continua nas ruas?

Pedro Londoño  A juventude trabalhadora, popular e estudantil está dizendo “basta” para este governo e tudo o que ele representa. Com o governo de Iván Duque, os massacres e o assassinato seletivo de lutadores, o desemprego, a miséria e a repressão aumentaram, enquanto as vinte famílias mais ricas do país viram suas fortunas crescerem. Essas dificuldades têm vitimado principalmente as mulheres e os jovens, assim como os imigrantes, dentre os quais o subemprego e a pobreza são maiores.

A isso se soma a corrupção, já que a própria burguesia, ao elaborar o orçamento anual, destina 20% do mesmo ao que eles chamam de “a marmelada” [esquema de favores, benefícios e privilégios dados aos parlamentares na forma de recursos para suas regiões]. E, enquanto eles isentam um punhado de capitalistas do pagamento de impostos e lhes dão subsídios, querem que os trabalhadores e os pobres paguem pelos estragos produzidos pela crise econômica. A reforma tributária foi apenas a faísca que ateou fogo no campo. A verdade é que os problemas estruturais são mais graves. O povo quer botar o governo para fora, mas também quer pôr fim no regime autoritário. Por isso ainda está nas ruas.

A repressão, principalmente nas mãos dos Esquadrões Móveis Antidistúrbios (ESMAD), tem sido violentíssima. Contudo, também deu origem à organização das “Primeras Líneas” (“Pelotões de Frente”), os comitês de autodefesa. Como eles funcionam? Como o PST tem atuado nestes comitês?

Pedro Londoño  Na Colômbia, existe aparentemente um regime democrático, porque há eleições a cada quatro anos. Mas na realidade há um regime profundamente antidemocrático, que resultou no assassinato de quase dez mil ativistas nas últimas décadas, mil deles após o processo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).

Temos levantado a necessidade de os trabalhadores organizarem uma “guarda operária e popular” para que possamos defender nossos dirigentes e nossas organizações. Nunca concordamos com o que as organizações guerrilheiras faziam, tentando substituir a ação das massas. Hoje é diferente. A ação dos milhares de combatentes nas barricadas ou bloqueios de estradas, seguindo o exemplo dos chilenos, se generalizou em todo o país. São jovens com escudos feitos a mão, capacetes de bicicleta, fome e muita coragem. O apoio da população a esses bravos combatentes se reflete no fato de que as mães dos que participam também fazem parte das Primeras Líneas como apoio. As pessoas também estão se organizando em outros níveis, criando brigadas de saúde, de alimentação, de primeiros socorros etc. Nós, do PST, estamos organizando uma campanha de solidariedade com eles e os defendemos em todos os espaços em que atuamos.

O PST tem defendido que o futuro desta luta está na auto-organização, com independência de classe e democracia operária. Você poderia nos falar sobre isso?

Pedro Londoño  À medida que a mobilização se torna mais generalizada, as comunidades começam a se organizar. Há alguns setores em que o processo é mais profundo, como em Cali ou Bogotá, mas isso está apenas começando a se desenvolver em todo o país. Por exemplo, em Cartagena os trabalhadores desempregados estão se organizando para exigir que uma porcentagem importante da força de trabalho que está próxima às empresas seja contratada pelas indústrias locais. Temos ajudado nesse processo de organização, o que nos permitiu, por exemplo, realizar atividades de bloqueio na zona industrial do Mamonal, um importante centro petroquímico e de produção de alimentos no país. Também estamos impulsionando as assembleias por bairros, que começaram a se generalizar.

O PST também tem defendido a necessidade de uma greve geral que paralise a produção. Como está essa discussão no movimento?

Pedro Londoño  O setor de trabalhadores sindicalizados mais engajado na paralisação é o dos professores. A vanguarda do processo são os jovens e os moradores dos bairros populares que perderam tudo, ou seja, que não têm oportunidade para estudar ou trabalhar. Mas acreditamos que isso deve levar a uma paralisação da produção, pois é o que mais dói para esta burguesia assassina.

Para nós, este salto pode ser dado pela classe trabalhadora ao entrar de forma mais consciente na luta, por meio de suas organizações e métodos. Por essa razão, defendemos uma greve geral ou a paralisação dos setores produtivos como um passo fundamental para dar fôlego à paralisação e fortalecê-la. Essa é também uma forma de desafiar a burocracia sindical sem deixar de impulsionar o processo popular. Ao contrário das ações das lideranças sindicais majoritárias e do Comando Nacional da Paralisação (CNP), que são vistos pela vanguarda como burocráticos e intrusos, os lutadores populares veem o chamado a uma greve geral como uma necessidade. E essa tem sido uma de suas exigências ao movimento sindical. Mesmo em meio à desconfiança em relação às direções, os ativistas veem esse chamado como um apoio.

O CNP, aliás, está em negociações com o governo. Qual é a avaliação do PST sobre isso? Como a proposta de convocação de uma reunião de emergência se contrapõe a essa situação?

Pedro Londoño  Enquanto o Comando Nacional supostamente exige garantias para a mobilização, o governo e seus grupos paramilitares (que são as mesmas agências de segurança do Estado vestidas com roupas civis) têm assassinado e reprimido os protestos. Somos contra essas negociações. A burocracia está oferecendo uma tábua de salvação ao governo em meio a uma crise gravíssima. Mas esse Comando representa apenas um pequeno setor daqueles que estão na luta – as burocracias das centrais sindicais – que se nega a expandir o Comando Nacional ou a convocar um Encontro Nacional para unificar todos os setores. Eles têm assumido o direito de representar a todos, mas não os consultam. Devido a esse comportamento burocrático, muitos setores não se sentem representados no Comando e estamos juntos nos unificando para convocar uma Assembleia Nacional Popular nos dias 6 e 7 de junho.

O PST defende que a saída para a atual crise na Colômbia depende da luta pela construção de um governo operário e popular. Como o partido tem levado esse debate para o movimento e quais são as bases programáticas que defende?

Pedro Londoño Temos levantado que a primeira tarefa é tirar o governo assassino de Duque e também o ministro da Defesa. Além disso, exigimos que todos os responsáveis pela repressão sejam punidos e que a ESMAD seja desmantelada. Também queremos a derrubada das reformas trabalhista e previdenciária, hoje materializadas num decreto presidencial. Mas a solução para nossos problemas não pode parar aí. Precisamos de um governo operário e popular que cancele o pagamento da dívida externa e ponha todos esses recursos a serviço da geração de empregos. Precisamos revogar as leis antioperárias, combater a miséria e a pandemia da COVID, implementando uma vacinação em massa. Também é preciso romper todos os tratados internacionais que nos prendem ao imperialismo e expulsar as bases militares dos EUA de nosso território.

Para conhecer a íntegra do programa do PST, visitem a página.