A evidente debilidade das FARC colocou a analistas, jornalistas, intelectuais de esquerda, políticos burgueses e ativistas operários, sindicais e revolucionários a perguntarem-se: aonde vai a guerrilha mais antiga da América Latina? Mas tal questão, como sua resposta, é vital para os trabalhadores e para a reorganização de sua luta. Também poderia ser formulada: aonde estão obrigadas a ir as FARC? Ou ainda: aonde deveriam ir as FARC? Estas perguntas e suas respostas referem-se, realmente, a dois problemas diferentes, mas igualmente decisivos.

Aonde não vão as FARC?
A história da luta de classes do último século ensinou-nos que as organizações guerrilheiras, como todo movimento político que se levanta em armas contra o poder de Estado, chegam a um momento em sua luta em que se vêem obrigadas a se negar como organizações armadas insurgentes. Seja porque atingem o objetivo de se fazerem pode de estado, ou porque são derrotadas militarmente pelas classes dominantes e se vêem obrigadas a assinar um armistício ou a desistir momentaneamente de seus objetivos.

Ou ainda, o colapso do conjunto da sociedade coloca a impossibilidade de vitória de qualquer um dos blocos, arrastando e em sua queda às classes em conflito.

As guerrilhas colombianas, após quase cinqüenta anos de insurgência, parecem ter chegado a um desses momentos decisivos. É evidente que não tiveram a capacidade política e militar para tomar o poder, e a situação da luta de classes nacional e internacional não parece inclinar a balança da correlação de forças em tal sentido.

As organizações político militares que triunfaram durante o século vinte o conseguiram como resultado da combinação de um levante geral das massas urbanas e rurais com a ofensiva militar do exército guerrilheiro. Foram prestigiados como direção por sua resistência a regimes ditatoriais e aliados do imperialismo. Assim foram as revoluções vietnamita, cubana e nicaragüense, os casos mais conhecidos de triunfos dirigidos por organizações político-militares. E, com a exceção do Viet Cong, que enfrentou uma invasão direta do imperialismo ianque, as guerrilhas camponesas e rurais só atingiram dimensão de influência de massas nas vésperas do triunfo urbano revolucionário.

Quando o Movimento 26 de Julho entrou em Havana, em janeiro de 1959, a insurreição urbana já tinha obrigado a Fulgêncio Batista a fugir, abandonando o poder. O mesmo ocorreu com Anastásio Somoza, em julho de 1979, que escapou do seu bunker de Manágua ante a desintegração da Guarda Nacional, por ação da mobilização revolucionária das massas urbanas.

Apesar da classe operária e as massas urbanas de Cuba e Nicarágua terminarem sendo dirigidas pelas organizações guerrilheiras rurais, tanto no programa quanto em sua política, essas organizações apresentam a mais completa ausência de direções propriamente operárias e socialistas. No entanto, o que nos interessa é a comprovação de que o triunfo guerrilheiro não sobrevive como resultado da “infalibilidade da estratégia guerrilheira”, senão de sua junção com a luta em massa dos no campo e, fundamentalmente, nas cidades.

Tanto o Movimento 26 de Julho de Fidel Castro como a Frente Sandinista tiveram desde o começo um programa nacionalista burguês. O primeiro se viu obrigado a aprofundar até chegar à expropriação dos capitalistas pela pressão exercida pelas massas de um lado e o imperialismo do outro. O segundo manteve sua estreita relação com a burguesia democrática anti-somozista, o que levou a revolução a estagnação e finalmente à derrota.

A consideração das circunstâncias nas que se encontram as guerrilhas colombianas, à luz da experiência histórica, não nos permitem concluir com precisão para onde vão as FARC ou o ELN. Porém, nos indicam para onde elas não vão. Não vão derrotar o regime nem conquistar o poder, pelo menos no médio prazo. E não é só porque a correlação de forças se move em sentido contrário. Mas porque a própria guerrilha renunciou a lutar pelo poder.

As possibilidades de um levante geral, operário, camponês e popular contra o governo de Uribe e o regime bonapartista são ainda remotas. O que impossibilita uma junção com a direção guerrilheira com o movimento de massas. O Secretariado das FARC e o Comando Central do ELN há muito tempo retirou de sua propaganda política o apelo à luta pela revolução socialista. Ou seja, nem há as condições objetivas, tampouco existe a decisão política por parte das direções guerrilheiras de derrubar o governo.

O papel contraditório da guerrilha
As organizações socialistas revolucionárias, por quase 30 anos, se mantiveram contra a opinião geral dos ativistas sindicais e populares. Muitos opinavam que a existência persistente dos exércitos guerrilheiros no país se convertia num fator de distorção da luta de classes, pois dificultava a construção de um verdadeiro partido revolucionário leninista que se postulara como direção da classe operária contra a exploração capitalista.

Tal formulação explicava que a atração exercida pelas organizações insurgentes sobre a vanguarda despojava permanentemente à classe operária de suas melhores dirigentes. Dessa forma, a deixava órfã em sua luta contra a voracidade capitalista e a repressão de um regime profundamente antidemocrático construído pelos partidos burgueses tradicionais, o Liberal e o Conservador. Até uns quantos anos atrás, da cada dez dirigentes que produzia a luta operária e popular, ao menos nove passavam a engrossar as filas dos diferentes agrupamentos guerrilheiras, obrigados pelas duras condições de repressão patronal e oficial. Repressão que fazia mais difícil ainda a construção de um sindicato que a militância numa organização armada insurgente.

Essas circunstâncias, combinadas com a existência perniciosa de formas de economia subterrânea (ilegais) deformavam, e ainda hoje deformam, todos os processos econômicos, políticos e sociais que normalmente regem o desenvolvimento das sociedades capitalistas. A economia do contrabando e o narcotráfico sustentavam de maneira totalmente artificial e parasitaria as taxas de lucro da burguesia nacional. Evitando, assim, sua queda estrepitosa nas crises cíclicas que sacudiram o conjunto da América Latina na segunda metade do século passado. Desse modo, foi proporcionando enormes recursos adicionais que permitiram a burguesia conter as explosões sociais que, em outras condições, seriam inevitáveis.

E para a burguesia conter as explosões sociais não só distribuiu algumas migalhas entre os setores mais pobres da população, como destinou parte dos enormes lucros provenientes da economia ilegal para financiar aparelhos armados. É o caso dos paramilitares, especializados em liquidar fisicamente a vanguarda de lutadores operários e populares que ficaram à frente das organizações sindicais.

A força de gravidade da guerrilha, ao atrair para suas fileiras setores da classe operária, completou o panorama de distorção da luta de classes que manteve a Colômbia na contramão dos processos da luta do continente – marcada por greves gerais, revoluções e mudanças de governos e regimes.

Em países como o Equador, por exemplo, com desenvolvimentos capitalistas mais incipientes, as massas operárias e populares protagonizaram revoluções que derrubaram um governo depois de outro. Já na Colômbia a luta apareceu na superfície, como uma guerra de aparelhos armados que afogou em sangue até a mais leve tentativa de levante contra as odiosas condições sociais e políticas.

A persistência da guerrilha como a estrutura privilegiada para a organização política dos melhores ativistas e militantes, serviu, na pratica, a burguesia. O combate a guerrilha é o argumento para a manutenção de seu regime e sua política repressivos e para a criação e a impunidade dos crimes paramilitares.

A classificação de “guerrilheiro” de todo ativista operário e popular e a qualificação de subversiva de toda greve ou luta social, deram a burguesia, latifundiários e ao imperialismo um arsenal de argumentos para manter o apoio da racionaria classe média das cidades – base social do regime bonapartista.

Essa particular combinação fez que a guerrilha jogasse um duplo papel, independentemente de suas próprias intenções políticas, sociais e militares. De um lado refletia a legítima luta de resistência dos camponeses contra a violência latifundiária e pela recuperação das terras que lhe foram sistematicamente roubadas. Por outro, a guerrilha se convertia no mais importante obstáculo para a organização política e a luta independente da classe operária e dos trabalhadores contra o regime capitalista e seus governos.

A encruzilhada da guerrilha
A própria política e estratégia militar da guerrilha colombiana levaram-na à uma encruzilhada. Uma organização guerrilheira que chega a níveis de desenvolvimento militar como as FARC estará, inevitavelmente, em retrocesso se não tomar o poder ou se inserir profundamente nas massas.

A guerrilha vietnamita sobreviveu durante décadas e conseguiu derrotar os imperialismos francês e norte-americano. Mas isso foi graças a sua profunda inserção no conjunto da população. Os movimentos revolucionários de Cuba e Nicarágua tomaram o poder relativamente rápido aos se juntar com a insurgência de massas.

Evidentemente é insustentável a conservação de um partido exército de dez ou doze mil militantes armados e cada vez mais isolado das massas urbanas, inclusive das camponesas. Nenhuma guerrilha por si só tem a mínima possibilidade de derrotar a um exército regular bem dotado, financiado pela burguesia e o imperialismo.

Essa possibilidade só existe, numa combinação com um levantamento operário e popular. De outro modo, não passará de uma ilusão romântica. A dimensão militar atingida pelas FARC, e o mesmo se poderia dizer do ELN, ao não contar com o apoio irrestrito e generalizado de uma faixa importante da população, obrigou sua direção a recorrer a métodos de financiamento e de ação política e militar totalmente alheio aos métodos da classe operária.

O seqüestro com fins extorsivos, a utilização a cada vez mais freqüente do atentado terrorista individual e o seu envolvimento crescente na economia subterrânea, somados ao crescente abandono do programa democrático revolucionário, em especial a luta pela terra, preparam terreno para que a burguesia implementasse um plano eficaz de erosão política da guerrilha.

Lentamente as organizações insurgentes perderam a simpatia e o apoio com que contavam entre as massas operárias e populares. Os reiterados erros de cálculo político, alguns deles quase infantis, significaram às FARC o isolamento nacional e internacional.

Nenhum dos ressonantes sucessos militares conquistados pelo governo de Uribe teria sido possível sem o processo de desgaste político prévio das FARC.

Décadas de utilização de métodos de financiamento e luta alheios às massas introduziram a corrosão na moral e a disciplina. Sobre isso se deram os golpes e o sucesso da perversa política do governo de recompensar a delação. Setores inteiros da guerrilha foram permeadas pela propaganda oficial do enriquecimento fácil se desertasse ou entregassem seus superiores. Assassinatos atrozes como o do comandante Iván Márquez, que teve cortadas as mãos como prova para cobrar a recompensa oferecida por sua vida, dão uma idéia do nível de desmoralização que estão chegando setores da militância guerrilheira.

Para se completar esse ambiente, o estado recorre às infiltrações de inteligência que se estendem por toda guerrilha. Golpes militares como os que terminaram com a morte de Raúl Reis e a libertação de Ingrid Betancurt ficariam sem explicações sem algum tipo de colaboração interna.

Ninguém põe em dúvida a eficácia dos sofisticados sistemas de espionagem do governo e do imperialismo yanqui. Mas não seriam mais do que entulho tecnológico se a moral revolucionária nas fileiras da guerrilha se mantivesse intacta e o apoio com que contavam dentro de setores das massas não se tivesse evaporado.

Aonde, sim, podem ir as FARC?
Nas atuais condições políticas do país é relativamente fácil e seguro prever que as FARC não vão chegar ao poder no futuro mediato. É bem mais difícil intuir a onde se podem ir – apesar de que as grandes opções se reduzam a duas ou três.

Uma derrota militar definitiva implicaria a morte de vários milhares de seus mais antigos e firmes combatentes, incluindo à maioria dos altos dirigentes. Na captura ou a entrega de outros milhares e na desagregação de outros tantos em dezenas bandos sem nenhuma centralização dedicados à delinqüência comum. Algo que já ocorreu no final da década do cinqüenta com os redutos da guerrilha liberal que se resistiram tanto à rendição.

A assinatura de uma rendição como uma solução política ao conflito armado, a mudança da possibilidade de participar no restringido jogo da democracia burguesa, com a obtenção de alguns ganhos pessoais para os altos chefes da guerrilha, poderá torná-los vítimas de grupos de assassinos, tal como dolorosamente ensinou a história recente do país.

Um retrocesso organizativo e militar significativo dos focos guerrilheiros, também poderão tornar a guerrilha novamente ágil e difícil de golpear. Os obrigando a mudarem sua relação com as massas, em especial com o movimento camponês e indígena.

Qualquer que seja o desenlace da crise histórica, programática, política, militar e moral que está vivendo a guerrilha colombiana, o que se pode afirmar com certeza, para bem ou para mau, que nada será igual como antes para a organização e a luta da classe operária. A derrota da guerrilha será, num sentido, um golpe ao conjunto das massas, na medida em que significará o fortalecimento momentâneo do regime bonapartista de Álvaro Uribe.

Mas sua destruição como fator de distorção da luta organizada de massas abrirá aos revolucionários novas possibilidades para a construção e o fortalecimento da organização política revolucionária leninista e internacionalista. Para lá deveriam dirigir-se os ativistas e dirigentes operários e de massas que acreditaram honestamente (mas equivocadamente) que a guerrilha era uma alternativa real de direção política para destruir o regime antidemocrático, acabar com a exploração capitalista e construir o socialismo.

Lutar ao lado da classe operária levantando seu programa é a única alternativa real entre o sacrifício inútil de quem desgraçadamente persistirão numa estratégia historicamente fracassada. Mas também poderá ser a capitulação à democracia burguesa, daquele que optarem pela negociação política com a corrupta burguesia bonapartista e pró-imperialista que saqueou a riqueza nacional e transformou em sangue as justas lutas dos explodidos.