Elenita Sales e Wagner Damasceno, de Florianópolis (SC)
Recentemente, casos de racismo em escolas da região Sul do país ganharam grande visibilidade em todo o país. O primeiro caso foi em uma escola de Novo Hamburgo (RS), e o segundo caso em uma escola em Itajaí (SC), ambas escolas privadas, e que promoveram atividades carregadas de racismo e preconceito social. As escolas consideram-se neutras, mas como veremos, acabam reforçando com muita naturalidade o racismo no ambiente escolar.
No dia 17 de maio deste ano, estudantes do terceiro ano do ensino médio da Instituição Evangélica do Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, realizaram uma festa “temática” intitulada “Se nada der certo” onde se “fantasiavam” com uniformes e trajes que representariam profissões daqueles que “não deram certo”…
As “fantasias” eram de atendentes de McDonalds, garis, ambulantes, carteiros, operários, empregadas domésticas, faxineiras, caixas de supermercado, motoboys e até moradores de rua. Isto é, profissões que, em geral, são mal remuneradas e desprestigiadas nessa sociedade capitalista.
Diante da imensa repercussão negativa nas redes sociais e em parte da grande mídia, a Instituição Evangélica de Novo Hamburgo (IENH) fez o que os racistas costumeiramente fazem: emitiu uma nota de esclarecimento minimizando o acontecido dizendo se tratar de apenas um “mal entendido”:
“A IENH, bem como os seus estudantes, através da referida atividade, em momento algum teve a intenção de discriminar determinadas profissões, até porque muitas delas fazem parte do próprio quadro administrativo e são essenciais para o bom funcionamento da Instituição. […]
Dessa forma, a IENH pede desculpas pelo mal-entendido com a concepção e realização da atividade que não teve o objetivo de discriminação enfatizado nas redes sociais”
Entretanto, a maior parte da repercussão dada a este episódio viu nisto apenas mais um caso de preconceito social ou, quando muito, mais um exemplar da farsa do discurso da meritocracia. Mas não foi apenas isso, tratou-se de um caso de racismo também. Afinal, no Brasil, desigualdade social e desigualdade racial caminham juntas.
Embora a maior parte da classe trabalhadora brasileira seja negra, as ocupações mais precarizadas, com menor prestígio social e com os menores rendimentos são desempenhadas por negras e negros, assim como todas as profissões representadas nessa terrível atividade escolar. Apesar de serem profissões essenciais para o funcionamento da sociedade, essas profissões são desvalorizadas e mal remuneradas e a “explicação” dada pelos ideólogos da burguesia ao fato de serem desempenhadas majoritariamente por negros é de que estes não estudaram e não se dedicaram o suficiente. Isto é, “não deram certo”.
Mas na verdade, o que vimos na atividade desta escola privada, onde a esmagadora maioria dos estudantes é branca, é que o pesadelo das camadas altas e brancas é ter que trabalhar nas atividades que a burguesia racista destina às negras e negros.
Em Itajaí, Santa Catarina, ocorreu um caso semelhante, onde os professores do 4ºano do Colégio Fayal pediam que seus alunos fossem caracterizados de “favelados do Rio de Janeiro”. O caso só ganhou repercussão devido ao fato da família de um dos alunos terem tornado público.
Como explicou um dos pais em sua rede social, as crianças foram divididas para a atividade: “De um lado os favelados do Rio de Janeiro, que iriam de bermuda, chinelo, óculos escuros e boné, e a outra metade, vestida como médicos, advogados e empresários, para representar a outra parte da cidade”[1].
O racismo fica nítido quando paramos para pensar quem são as pessoas que, em sua maioria, estão presentes na “favela do Rio de Janeiro”: negros e negras. Além disso, quando falam “da outra metade” possuir empregos considerados “dignos” pela sociedade, reforçam a ideia de que as pessoas que moram nas comunidades não conseguem atingir o mesmo grau de ascensão social.
Para tentar amenizar a situação, a escola informou que a atividade foi “baseada na canção Alagados, do conjunto Paralamas do Sucesso, onde é citada a Favela da Maré, uma das maiores do Rio de Janeiro, […]. Não viemos criar muros e sim trabalhar e expor estes movimentos de cidadania e inclusão”.
Todavia, mesmo a escola vendo o grave erro que cometeu, segundo o pai de um dos alunos, “[…] alguns pais acharam isso uma coisa mais normal do mundo, […] que é questão de interpretação.”. Deixando mais uma vez evidente como a sociedade burguesa tenta camuflar seus preconceitos, tratando como natural menosprezar o povo negro.
A revolução será negra, ou não será!
O capitalismo se utiliza do racismo para aumentar a exploração sobre os trabalhadores, rebaixar os salários do conjunto da classe e nos dividir. Não é à toa que, neste período de crise, são os negros e as negras os mais penalizados com o aumento do desemprego e da precarização. Segundo dados do IBGE, as negras e negros recebem, em média, 55% a menos do que os trabalhadores brancos!
As negras e negros são, também, alvos de um verdadeiro genocídio, conduzido nos 14 anos de governos do PT e agora pelo governo do PMDB. Enquanto o número de homicídios de brancos causados por arma de fogo, entre os anos de 2003-2014, diminuiu em 26,1%, o número de negros mortos aumentou em 46,9%![2]
Além disso, a situação da mulher negra no mercado de trabalho é marcada por uma dupla discriminação: “a desigualdade no acesso ao mercado de trabalho e nas condições de trabalho que afeta os negros é ainda mais intensa quando se trata das mulheres negras, elas enfrentam uma dupla discriminação no mercado de trabalho, de raça e de gênero” (DIEESE, 2016, p. 02).
Para nós do PSTU, o capitalismo é um sistema apodrecido que nunca pôde oferecer nada ao nosso povo negro. É preciso resgatar a herança de luta dos nossos antepassados quilombolas e aquilombar nossas lutas, formando conselhos populares de raça e classe para a derrubada dessa burguesia racista, machista e lgbtfóbica! Para nós, a revolução no Brasil será negra, ou não será!
– Fazer valer os direitos já conquistados pela população negra, como a aplicação da Lei nº10.639 e 11.645/08, que obriga o estudo do racismo, das relações raciais e da História e Cultura africanas nas escolas públicas e privadas. Destinação de verbas públicas para a formação de professores e publicação de materiais didáticos.
– Revisão dos livros didáticos (financiados pelo governo), com acompanhamento do movimento negro organizado para combater a invisibilização, omissão e distorção reproduzidas nos materiais escolares.
– As negras e os negros trabalhadores não vão pagar pela crise econômica! Basta de superexploração baseada na opressão racial e machista. Salário Igual para trabalho Igual (para homens e mulheres, negros, indígenas e brancos).
– Cotas para os concursos e serviços públicos, proporcionais à presença da população negra, na esfera municipal, estadual e federal.
– Fim de todas as formas de terceirização e precarização, que atingem particularmente os setores oprimidos, a começar por mulheres negras.
– Não à violência racista que segrega e mata a juventude negra! Chega de genocídio da juventude negra! Pelo fim da faxina étnica social.
Referências
DIEESE. Inserção da População Negra nos Mercados de Trabalho Metropolitanos. Disponível em: <<http://www.dieese.org.br/analiseped/negros.html>>. Acesso em 04 jun 2017.
DIEESE. A Inserção produtiva dos negros nos mercados de trabalho metropolitanos.
Disponível em: <<http://www.dieese.org.br/analiseped/negros.html>>. Acesso em 04 jun 2017.
IBGE. Indicaores IBGE. Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua. Disponível em:
<<ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Trimestral/Caracteristicas_da_forca_de_trabalho_por_cor_ou_raca/Algumas_caracteristicas_da_forca_de_trabalho_por_cor_ou_raca_2016_04_trimestre.pdf>>. Acesso em 28 mai 2017.
[1]Ver: http://www.gp1.com.br/noticias/colegio-pede-para-alunos-se-vestirem-de-favelados-do-rj-416820.html.
[2]Dados do Mapa da Violência 2015.