Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

Como era de se esperar em um produto “global”, a novela de Braga passou a léguas de distância de qualquer espírito críticoNa sexta-feira, dia 25, quando Gilberto Gil subiu ao palco do fictício Sobradinho para cantar A Paz, Celebridade chegava ao fim com um recorde de audiência (63%) e com um dos desfechos mais patéticos da história das telenovelas. Assistir o ministro-celebridade exaltando “a paz”, enquanto os principais casais da trama trocavam beijos, depois do festival de cafajestadas e golpes baixos que pontuaram os 221 capítulos da novela, foi mais do que muitos poderiam esperar.

Dentro da lógica da trama, a tal paz foi conquistada pela punição exemplar dos principais vilões da história. Laura (genialmente interpretada por Claúdia Abreu) e Marcos (Márcio Garcia) morreram no melhor estilo Bonnie e Clyde – o casal de bandidos norte-americanos, da década de 20, imortalizados no excelente Uma Rajada de Balas (1967). Mortos, a “cachorra” e o “michê” (tratamentos que mereceriam um artigo à parte) abriram caminho para a felicidade geral.

O autor dos disparos foi Renato Mendes (Fábio Assunção), o asqueroso editor da revista Fama (irmã gêmea da não menos repulsiva Quem, editada pela própria Globo) que, preso, também deixou de ser obstáculo para que os insossos “mocinhos e mocinhas” finalmente ficassem em “paz”.

Que algo semelhante iria ocorrer, todo mundo sabia. Afinal, quem já viu um capítulo final de novela sem cenas de casamento, casais encontrando seus pares ideais, os bonzinhos sendo recompensados e os malvados punidos? São raros os exemplos, em contrário. E, diga-se de passagem, alguns deles foram criados pelo próprio Braga. No final de Vale Tudo (1988), o vilão da história (Reginaldo Farias) fugiu do país mandando uma “banana” para o espectador e em O Dono do Mundo (1991), o personagem de Antônio Fagundes, depois de bancar o bonzinho durante toda a trama, revelava-se um verdadeiro canalha.

Desta vez, no entanto, o próprio Braga já havia anunciado que a história seria diferente. E mais: que a razão era, fundamentalmente, as mudanças que ocorreram no país. Para Braga, o Brasil de hoje é mais ético e as safadezas tinham de ser punidas.

Falsos moralismos

Em primeiro lugar, dizer que o Brasil dos Waldomiros, Vampiros e tantas outras falcatruas – que incluem as de um ministro-cantor que usa o cargo para se autopromover – é mais ético do que o da década passada é um tanto absurdo. Já insinuar que, hoje, os criminosos são punidos é algo que fica entre a propaganda enganosa e o delírio.

Em segundo, a própria trama revelou um falso moralismo medonho. A peculiaridade de Celebridade foi colocar na telinha a essência da própria TV: o mundo da “fama” e tudo que alguém é capaz de fazer para chegar e se manter no centro dos holofotes. Algo que poderia servir para um interessante exercício de auto-ironia, a exemplo de filmes como O Crepúsculo dos Deuses (Billy Wilder, 1950) e A Malvada (Joseph Mankiewicz, 1950).

Porém, como era de se esperar em um produto “global”, a novela de Braga passou a léguas de distância de qualquer espírito crítico. O que se viu foi outra coisa. Uma frase dita por Lineu Vasconcelos (Hugo Carvana) num dos momentos mais aguardados do episódio final (o batidíssimo “Quem matou…?”), comparando a heroína Maria Clara (Malu Mader) com a assassina Laura, resumiu a “moral” da história: “Tem gente que nasce para ser vencedora e outros que nascem para morrer na praia”.

Dentro desta “lógica”, gente como Maria Clara pode perder uma fortuna e até usar métodos pra lá de questionáveis para se refazer – como subornar alguém para surrar violentamente sua inimiga, mentir para o amante, tentar seduzir o vilão Renato –, mas terá, sempre, o sucesso “escrito nas estrelas”. Já quem não nasceu para dar certo, como Laura, pode fazer de tudo, mas nunca irá chegar lá. E pior, se insistir, vai acabar ficando louca, recebendo uma “merecida” morte.

As duas, contudo, são apenas os extremos dessa moral. Exemplar nesse sentido são os personagens do “paradisíaco” Andaraí criado por Gilberto Braga.

Rainha da futilidade, Darlene (Deborah Secco) – depois de ter aprontado quase tantas quanto os principais vilões – chegou ao final conformada de que seu papel na vida era o de mãe e esposa, não de celebridade, e, por isso, foi redimida. Sua amiga Jaqueline Joy (Juliana Paes) descobriu que o caminho para a ascensão social era o “amor” – nos braços de Bruno (Sérgio Menezes) – e não as páginas de revistas.

O bombeiro-herói Vladimir, por sua vez, depois de correr durante 220 capítulos da superexposição, chegou à conclusão de que, afinal, já que era inevitável, um pouco de fama não faz mal a ninguém. Já o totalmente inescrupuloso jornalista Joel (André Barros), simplesmente desapareceu da história. Afinal, ele não foi mais do que uma marionete nas mãos dos grandes culpados.

Independentemente do desfecho da história dos demais personagens, foi mais ou menos esta idéia que prevaleceu: “não lute com o ‘destino’, adapte-se à realidade ao seu redor e seja paciente que, ao final, tudo vai dar certo”. Uma falsa moral que ao ser brindada, no final, com a patética performance de A Paz, acaba servindo de metáfora involuntária para a “era Lula” e suas promessas de que, seguindo pela estrada em que estamos, chegaremos a um lugar “onde o fim da tarde é lilás”. Uma ficção que supera qualquer novelão global.
Post author Wilson H. da Silva, da redação
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