Soraya Misleh, de São Paulo

Depois de a oposição obstruir por quatro horas a votação do acordo de cooperação militar Brasil-Israel e conseguir retirá-lo da pauta em sessões anteriores, parlamentares deram mais um vergonhoso passo na cumplicidade do País com o apartheid sionista. Nesta quarta-feira (2/6), a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara aprovou parecer favorável à Mensagem 371/2019, relativa ao acordo. Este foi um dos assinados por Bolsonaro quando de sua viagem para apertar as mãos sujas de sangue palestino do primeiro-ministro Netanyahu, em março de 2019.

Ao darem esse passo agora, os deputados ignoraram alerta feito em carta por dezenas de organizações da sociedade civil brasileira de violação de obrigações internacionais às quais o País é signatário, “pois facilitarão os vínculos de nosso país com tecnologias desenvolvidas em um contexto de profunda violação do direito internacional e dos direitos humanos. São laços de cumplicidade como esses que permitem que Israel continue seu regime de ocupação, colonização e apartheid contra o povo palestino”.

A mesma carta observa ainda que a aprovação de tais acordos aumenta “os riscos e ameaças aos movimentos sociais e organizações da sociedade civil em nosso próprio país. Os textos incentivam o intercâmbio de armas, dados e tecnologias de monitoramento, repressão e militarização com um regime que dispõe de recursos nessas áreas justamente por utilizar o povo palestino como laboratório”. E destaca: “O Brasil tem uma das forças policiais que mais mata no mundo e no ano de 2019 registrou os maiores índices de letalidade policial em décadas. Não há dúvidas que a cooperação militar com Israel vai gerar maior militarização e violência policial, agravando uma realidade já desesperadora, principalmente para pessoas negras, jovens e moradoras das periferias.”

Comemorada, como não surpreende, pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro – tal pai, tal filho –, a aprovação teve os votos contrários dos parlamentares Paulão (PT-AL), Glauber Braga (PSOL-RJ), e Henrique Fontana (PT-RS), David Miranda (PSOL-RJ) e Perpétua Almeida (PCdoB-AC). Os dois últimos apresentaram votos em separado.

Em seu twitter, Bolsonaro filho agradeceu os colegas que votaram a favor do apartheid israelense, com uma mensagem que soa como escárnio: “Obrigado a todos os deputados que votaram a favor de um acordo que mais beneficiará o Brasil. Venceram as liberdades e a democracia.”

Seguramente o País que se beneficiará é o de pouquíssimos que podem lucrar às custas de vidas brasileiras e palestinas. Para a maioria dos oprimidos e explorados, o resultado esperado é bem outro: mais criminalização, repressão e genocídio pobre e negro. Esses certamente não contam para Eduardo e seu pai. Suas vidas não importam.

Coerente com quem levanta a bandeira de um estado racista e saúda um projeto colonial que há mais de 73 anos não para de fazer novas vítimas, que cada vez mais mostra sua cara feia, sem máscaras. Que se sustenta com a venda de tecnologias militares que matam mundo afora – 70% destinam-se à exportação. Armas testadas sobre os palestinos, como se viu mais uma vez em maio, no massacre a Gaza que durou 11 dias e ceifou a vida de 270 pessoas, incluindo 67 crianças.

Nas lutas justas, a bandeira palestina

Israel, como de praxe, se associa e apoia o que há de pior no mundo. Foi assim com o regime de apartheid na África do Sul nos anos 1990 e com as ditaduras na América Latina. Ser aliado de primeira hora de Bolsonaro é parte desse histórico em que a contínua Nakba (catástrofe palestina) é o resultado. Verdade que o Brasil reúne cumplicidade que vai além desse governo genocida. A diferença é que agora tem-se o sionismo explícito na cadeira do Planalto, que se orgulha de se pronunciar ao lado dos crimes contra a humanidade.

Erguer a bandeira pelo “Fora Bolsonaro” é, portanto, parte da luta pela Palestina livre, do rio ao mar. Causa que simboliza as lutas justas contra a opressão e exploração no mundo.

Essa compreensão foi expressa nos atos pelo “Fora Bolsonaro” em várias cidades brasileiras, no último dia 29 de maio, em que a bandeira palestina se fez presente, assim como tem acontecido em diversas mobilizações justas. Sob limpeza étnica e apartheid, os palestinos reforçam essa conexão e dão exemplo de resistência e da importância da solidariedade internacional.

Solidariedade que deve ser permanente e efetiva. Passo central é se somar à campanha de BDS (boicote, desinvestimento e sanções) a Israel, até que os direitos humanos fundamentais dos palestinos sejam cumpridos, inclusive de retorno dos milhões de refugiados às suas terras.

A aprovação agora da Mensagem 371/2019 na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara é a perda de uma batalha, não a derrota definitiva. O acordo precisa ser avalizado em outras comissões ainda. Há um longo caminho a percorrer. É preciso seguir e fortalecer a mobilização.

A luta continua e passa necessariamente por botar para fora o genocida Bolsonaro, que tem sobre suas costas a morte de mais de 460 mil brasileiros por Covid-19. Passa por conscientizar a população sobre os crimes contra a humanidade cometidos por Israel. Sobre as mortes na conta de Bolsonaro que poderiam ser evitadas. Por denunciar e defenestrar todos os cúmplices do apartheid israelense e do genocídio indígena, negro e pobre no Brasil. Por levantar cada vez mais alto a bandeira palestina.