Erika Andreassy, da Secretaria de Mulheres do PSTU

Érika Andreassy, de São Paulo

Junto com o aumento dos casos de Covid-19, São Paulo enfrenta também um crescimento da violência doméstica. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, 55 mulheres já perderam a vida esse ano no estado, vítimas de feminicídio, 15% a mais que no mesmo período do ano passado. A situação piorou com a quarentena, somente entre 24 de março e 13 de abril, 16 mulheres foram assassinadas, um aumento de 72% na taxa de mortalidade.

Segundo o Ministério Público Estadual, os pedidos de medidas protetivas de urgência cresceram 29% de fevereiro para março e as prisões em flagrante, 51%. Mas isso é apenas a ponta do iceberg, o número de mortes no período, embora altos, referem-se apenas àqueles que ocorreram dentro de casa, demonstrando que, assim como ocorre com o coronavírus, a subnotificação nos casos de violência contra a mulher também é grande.

A violência contra as mulheres não é uma novidade e tampouco seu aumento é um fenômeno exclusivo da pandemia, é expressão da barbárie capitalista e da incapacidade desse sistema em pôr fim ao machismo e garantir igualdade para as mulheres. É também consequência do descaso dos governos com a vida das mulheres, sendo que a pandemia evidencia esse descaso e ainda agrava situação na medida em que deixa as mulheres mais vulneráveis.

Bolsonaro e Dória são inimigos das mulheres

Bolsonaro, além de todo o discurso que reforça o machismo e potencializa a violência, vem pondo em prática um verdadeiro desmonte das políticas públicas de enfrentamento à violência. Ao longo do ano de 2019, nem um centavo foi investido na rede de assistência às mulheres vítimas de violência, mas o presidente foi capaz de utilizar o aumento dos casos para justificar o fim da quarentena no país.

Dória, por sua vez, hoje tenta aparecer como oposição ao presidente no que se refere à pandemia, mas não teve o menor pudor em se aliar com Bolsonaro durante a campanha eleitoral, apesar do histórico de ataques às mulheres e da retórica machista do então candidato. Já no governo, Dória vetou o projeto de lei para que as delegacias da mulher funcionassem 24 horas por dia, além de outros projetos que tinham como foco o enfrentamento à violência contra as mulheres.

São Paulo atualmente tem apenas 10 delegacias especializadas funcionando em horário ininterrupto, sendo 7 na capital e 3 no interior. Ao todo o estado, que possui 645 municípios, conta com apenas 133 delegacias da mulher. A cidade de São Paulo, maior e mais rica do país tem somente 9 delegacias para uma população feminina que ultrapassa os 6,7 milhões de mulheres.

A consequência disso é o aumento, ano após ano, da violência doméstica. Em 2019 o estado de São Paulo bateu recorde de feminicídios, lesões corporais e estupros. Foram 182 casos de feminicídios, o maior número desde o início da série histórica, em 2015. Os registros de lesão corporal por violência doméstica cresceram pelo 4º ano seguido, sendo que entre janeiro e outubro foram registrados 26.105 boletins de ocorrência por esse motivo, 12% a mais em relação ao mesmo período de 2018. Quantos ao número de estupros, foram 12.374 casos em 2019, o maior dos últimos 7 anos.

Violência e pandemia

Mas se a violência contra as mulheres já vinha crescendo antes, o que muda com a pandemia? A novidade agora é que, com as medidas de isolamento social, esse quadro de horror para muitas mulheres e crianças tende a se agravar, já que para muitas delas o lar, longe de ser um ambiente seguro, é justamente o local onde a violência se materializa.

No Brasil, quase 40% de todas as mortes de mulheres ocorre dentro de casa. Enquanto a taxa de assassinatos de mulheres fora de casa subiu 28% em 10 anos, as ocorrências em casa aumentaram 38%, ou seja, para muitas mulheres o perigo mora literalmente dentro de casa. Com mais tempo junto de seus agressores no ambiente familiar, mulheres e crianças vítimas de violência ficam mais expostas.

Muitas vítimas relatam que aumentou também a dificuldade em registrar a violência e receber ajuda. A incompetência e o descaso do governo é tão grande, que apesar do exemplo de outros países onde os índices de violência doméstica aumentaram com a pandemia, somente 10 dias depois de decretar quarentena no estado, a Secretaria de Segurança de São Paulo abriu a possibilidade de registrar boletim de ocorrência por meio eletrônico, mas mesmo assim é preciso reiterar que nem todas as mulheres tem acesso fácil à Internet e mesmo quando tem, muitas vezes a própria presença do agressor se torna um limitador para que a mulher acesse o serviço.

Além disso, com a própria pandemia, o sistema de saúde, que muitas vezes é a porta de entrada para mulheres e crianças vítimas de violência doméstica, está saturado, sem que outros serviços tenham sido reforçados para atender essas vítimas. Mais uma vez o governo evidencia seu desprezo para com a vida das mulheres e o despreparo em nos garantir o mínimo de segurança.

Ampliar a quarentena e assegurar a vida das mulheres

Isso não quer dizer que estamos contra a quarentena, pelo contrário! O que queremos é poder manter-nos em segurança enquanto durar a pandemia. Exigimos o direito à quarentena para nos protegermos do vírus sem o risco de sermos agredidas e mortas pela violência machista.

O governo do estado precisa ampliar a quarentena como forma de deter a pandemia, ao mesmo tempo garantir condições para que as mulheres vítimas de violência e seus filhos se afastem dos agressores sem o risco de se contaminar pelo coronavírus. Também proporcionar habitação ou abrigos temporários seguros em que possam se instalar mantendo o distanciamento social até que um lar definitivo seja providenciado, bem como um subsídio financeiro que permita condições dignas de vida e saúde.

É precioso ainda lançar campanhas educativas de emergência sobre a violência doméstica, disponibilizando e intensificando os canais de denúncia e ampliando os serviços que atuem na prevenção e no atendimento às vítimas, fortalecendo os equipamentos públicos de assistência as mulheres, como delegacias 24h, centros de saúde e assistência psicossocial. Os profissionais de saúde, em especial as equipes da estratégia da família devem ser capacitados para identificar mulheres e crianças em situação de violência doméstica para orientar e encaminhar à rede especializada, quando necessário.

Essas medidas não são impossíveis de se colocar em prática, ao contrário são o mínimo que o governo pode fazer para assegurar a vida das mulheres em meio à pandemia. Mas ao mesmo tempo que exigimos do Estado essas medidas, é fundamental que a classe trabalhadora assuma pra si a luta contra a violência e o machismo. Os sindicatos e movimentos sociais precisam levantar também essa bandeira, organizar campanhas e disponibilizar informações. Esses não é um problema só das mulheres, é de toda nossa classe.

Já as mulheres trabalhadoras precisam romper o silêncio, denunciar o machismo e se organizar para conter o avanço da violência, sabemos que não é fácil, mas por meio de campanhas como por exemplo a que o MML (Movimento Mulheres em Luta) está fazendo, que orienta que a qualquer sinal de agressão e violência sexual contra mulheres e crianças na vizinhança chame a polícia e inicie um apitaço, as vítimas saberão que não estão sozinhas. É preciso ainda organizar grupos de auto-defesa e redes de apoio, sendo que as equipes de prevenção e saúde que estão sendo organizadas na periferia para orientar a população sobre a pandemia e organizar ajuda coletiva podem cumprir um importante papel.