Há pouco se cumpriu 30 anos desde o golpe de Estado mais sangrento na história da Argentina. Este golpe levou à desaparição e morte de milhares de trabalhadores, estudantes e setores populares. Por que uma ditadura tão sangrenta? A luta contra o genocídioNo final dos anos 60 e início da década de 1970, surge uma amplíssima vanguarda política em torno às lutas operárias e estudantis que feriram de morte à ditadura de Onganía e Lanusse. Este ascenso que tem como um de seus pontos mais altos o chamado Cordobaço obriga a ditadura a chamar as eleições. A burguesia tenta frear este ascenso jogando a carta do dirigente político-burguês com maior prestígio entre as massas: Perón.
Em março de 1973 o peronismo, com seu candidato Cámpora, ganha as eleições com milhões de votos. Milhares de manifestantes circundam as prisões e libertam os presos.
Longe de se frear o ascenso, as lutas multiplicam-se, à razão mesma em que crescem as ocupações de fábricas e as mobilizações estudantis. A burguesia, estupefata, enxerga que a única forma de freá-lo (o ascenso) é com Perón governando diretamente.
Cámpora é obrigado a renunciar e se convocam novas eleições, as quais Perón-Isabel ganham com larga vantagem. Começa um marcado deslocamento à direita desde o governo. Nova lei de associações profissionais para fortalecer a burocracia. Após duas ações da guerrilha do ERP nas divisões de Azul em Buenos Aires, o governo restabelece a lei repressiva que outorgou Cámpora. Em Córdoba se produz um golpe de Estado conduzido pelo coronel Navarro, que destitui o governador ligado a Cámpora.
Do interior do governo Perón, López Rega (Ministro de Bem-Estar Social) prepara um golpe de Estado anti-operário e antidemocrático, organiza a Aliança Anticomunista Argentina (Triplo A) [equivalente ao Comando de Caça aos Comunistas CCC], apoiando-se em setores do exército e da burocracia sindical.
Em 1º de julho de 1974 morre Perón, mas já antes (1º de Maio) havia expulsado os Montoneros, que reclamavam que se afastasse de López Rega e da burocracia sindical. Assume a vice-presidenta, Isabel Perón. López Rega segue avançando. Até finais de 74 o governo decreta Estado de Sítio, ativistas e delegados operários e ativistas políticos são aprisionados. O Triplo A segue seqüestrando e assassinando ativistas operários e estudantis com total impunidade. O governo convoca o exército à Operação Independência chamando a exterminar a guerrilha. O Triplo A e o exército dividem o trabalho sujo.
Em junho assume como ministro de economia Celestino Rodrigo, das entranhas de López Rega e anuncia um plano econômico de ataque brutal contra os trabalhadores: aumento de tarifas e preços, além de congelamento salarial. Com a pressão de importantes lutas, conseguem-se impor, nas paritárias, importantes aumentos salariais. O governo se nega a aprovar esses aumentos. A CGT chama a uma paralisação e mobilização na praça. Milhares de trabalhadores se mobilizam. Depois de vários dias, cai Rodrigo e escapa López Rega.
A burguesia e o imperialismo tentam voltar ao plano econômico de Rodrigo, sem Rodrigo. A burocracia freia com tudo as lutas e apoia a Cafiero como ministro da Economia.
Começa a se desenvolver um embrião de nova direção: aparecem as coordenadorias zonais. Milhares de ativistas e novos dirigentes que haviam derrotado à burocracia sindical em seus lugares de trabalho, tentam coordenar e apoiar as lutas e enfrentar o governo. Isabel é incapaz de dar resposta às necessidades operárias e não consegue frear o ascenso.
Este governo já não serve mais nem ao imperialismo nem à burguesia, Isabel Perón, como um limão espremido, ia ser deixada de lado. A preparação do golpe põe-se em marcha.
Aproximadamente 2 mil mortos e dezenas de presos e exilados são o resultado do governo do peronista de Isabel Perón, Cafiero, Rukauf…
O golpe de Videla e seus objetivos
O imperialismo tinha que avançar em sua ofensiva colonizadora. Para isso precisava derrotar a nova direção que surgia nas fábricas, barros, escolas e universidades. Novos dirigentes que não só se enfrentavam à burocracia sindical peronista senão também ao partido peronista.
Os militares produzem um banho de sangue. Um plano sistemático. Perseguir e matar para que não fique nem a memória das lutas dos dirigentes e sua ideologia. Os milicos se enfureceram com as organizações sindicais e políticas.
Liquidaram ou suspenderam conquistas democráticas como o direito de greve, de reunião, se persegue a intelectuais etc. etc. O plano econômico de Martínez de Hoz dava os primeiros passos para a total entrega ao imperialismo.
Mas esta ditadura que pensava por alçar-se ao poder por décadas, com a cumplicidade de dirigentes políticos radicais, como Balbín e de burocratas sindicais peronistas, finalmente foi derrotada. Em fins dos 70 e princípios da década de 1980, grande quantidade de lutas vão somando a resistência. O 30 de março de 1982 uma marcha à Praça de Maio se enfrenta à repressão. Logo, a derrota das Malvinas abrirá as comportas de uma mobilização de massas antiimperialista que terminou por derrotar a ditadura e as próprias forças armadas.
Com Kirchner acabou a luta pelos direitos humanos?
Nestes 22 anos depois da queda da ditadura, viemos desenvolvendo uma grande luta por impor o julgamento e castigo a todos os responsáveis do genocídio. Alfonsín primeiro com as leis de obediência devida e ponto final tentou por fim a esta luta e não conseguiu. Depois Menem, com o indulto aos condenados tentou também terminar com a mobilização popular, mas tampouco o conseguiu.
Dia-a-dia, mês a mês, ano a ano, as marchas e ações sucederam-se para aprisionar e impedir a impunidade. Houve triunfos como o julgamento às Juntas Militares, a prisão a Astiz, anulação das leis de impunidade etc.
Os discursos e alguns atos midiáticos recentes conseguiram confundir a vários organismos de direitos humanos, dirigentes e ativistas. Hebe de Bonafini, um dos principais referenciais das Mães da Praça de Maio acaba de declarar que seu setor não realizará mais as marchas da resistência porque na Casa Rosada já não há inimigos.
Hebe está muito equivocada. A política de Kirchner não é acabar com os genocidas, senão promover a reconciliação com as forças armadas. Seu interesse fundamental é preservá-las como instituição. E tem essa política porque as necessita como instrumento de repressão. Os fatos atuais demonstram isso. Ou não é ele (Kirchner) quem está ordenando a ocupação de Las Heras pelos aparelhos repressores (que depende do governo nacional)? De onde se ordena a repressão às lutas populares, como a dos produtores em San Vicente, Misiones?
Houve repressão aos caminhoneiros, aos petroleiros e aos desempregados de Pico Truncado e Caleta Olivia. Presos por lutar por trabalho como em Caleta ou no parlamento. Estão aí os presos de Haedo, os que foram presos por se mobilizar contra Bush, como Berozpe. Estão aí os milhares de processados por terem saído a defender a saúde, a educação, o trabalho. E está aí a brutal repressão em Las Heras, onde até o padre da cidade compara com a que se dava durante a ditadura.
Por outro lado, como se pode pensar que o governo que paga 10 bilhões de dólares aos especuladores sugando o orçamento para saúde, educação e salários defende os direitos humanos?
Ao contrário do que diz Hebe de Bonafini, a luta contra os genocidas de ontem se deve unificar com a luta contra a repressão e pela liberdade dos presos de hoje.
Se bem as situações são muito diferentes, têm um ponto em comum: a necessidade dos governantes de ontem e de hoje de utilizar a repressão para garantir os lucros das empresas imperialistas. Temos que redobrar a batalha pelos direitos humanos, pelos arquivamentos, pela liberdade. Essa deve ser uma parte central da batalha pelo salário, o trabalho, a educação, a saúde e contra a rapina imperialista.
Os mártires do PST Argentino
O Partido Socialista dos Trabalhadores, fundado por Nahuel Moreno, foi o precursor da atual FOS e o principal impulsionador da atual LIT-QI, jogando um papel muito destacado nas lutas e sendo parte da nova direção que estava surgindo. Por isso tivemos que pagar com a prisão (do governo peronista e dos militares) e com nossos mais de cem companheiros mortos pelas balas assassinas do Triplo A e da ditadura.
Neste 24 de março, ao render nossa homenagem a todos os lutadores assassinados, queremos recordar especialmente a estes diletos companheiros/as do PST. Alguns foram importantes dirigentes sindicais, outros dirigentes partidários de primeira linha, outros companheiros de base. Mas todos eles foram grandes, por sua entrega à luta e à construção do partido revolucionário. E de todos eles nos sentimos profundamente orgulhosos pela valentia e dignidade com que enfrentaram a prisão, a tortura e a morte.
Nossa homenagem a eles é continuar, não só com a luta contra o capitalismo imperialista, senão com a difícil tarefa de construir o partido revolucionário nacional e internacional, que possa levar essas lutas até a derrota do imperialismo e ao triunfo da revolução socialista mundial.
Artigo publicado originalmente no jornal Lucha Socialista, órgão central da Frente Operária e Socialista (FOS), seção argentina da LIT-QI