O presidente eleito, Luis Inácio Lula da Silva, acompanhado de seu vice, Geraldo Alckmin. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

No último 30 de outubro, a derrota eleitoral de Bolsonaro foi comemorada por grande parte dos trabalhadores e trabalhadoras do país. Não foi diferente entre aqueles e aquelas que trabalham na área da educação, duramente atacada pelo atual governo.

Mas o que esperar do próximo governo tendo em vista a primeira reunião do grupo de trabalho de transição na área da educação? Quais são as próximas tarefas dos trabalhadores em educação e como se comportar diante do governo Lula? Esse texto é um primeiro esforço de pensar sobre esses temas e dialogar com os trabalhadores do setor.

Os ataques de Bolsonaro à educação

Bolsonaro possui um projeto de ditadura para o país e isso se expressou na política educacional de seu governo. O Ministério da Educação foi palco para impulsionar as pautas conservadoras e atacar a democracia no interior das escolas e instituições de educação. Mesmo antes de assumir a presidência em janeiro de 2019, Bolsonaro e seu clã já eram defensores e difusores do Projeto Escola Sem Partido, que tinha como objetivo cercear os debates no interior das escolas e abrir espaço para perseguição dos trabalhadores em educação e das organizações estudantis.

A política principal impulsionada pelo governo Bolsonaro foi a implementação das Escolas Cívico-militares. Com o argumento de levar disciplina às escolas, essa política teve algum apelo da população, mas logo começou a aparecer casos de abuso de autoridades por parte dos gestores militares país afora, com repressão aos jovens estudantes, em especial negros nas escolas de periferia. O Programa Nacional das Escolas Cívico-militares certamente é a expressão mais acabada na área da educação do que Bolsonaro defende para o país: fim da pouca democracia existente para implementar sua política sem contestação.

Outra política do governo Bolsonaro foi o Homescooling (educação domiciliar), que é mais uma tentativa de destruição da educação pública. Essa política foi defendida por setores conservadores religiosos e teve, na ministra Damares Alves, uma figura pública de defesa. O objetivo é retirar a obrigatoriedade da criança de frequentar a escola. Para termos ideia do que está por trás dessa política, o ministro da educação Milton Ribeiro afirmou que “as igrejas podem ser o espaço de socialização das crianças”.

O governo Bolsonaro e todos os ministros da educação que passaram pela pasta deram demonstrações categóricas de que odeiam a educação e aqueles e aquelas que trabalham aí. Poderíamos gastar muita tinta aqui com declarações estapafúrdias como a “balbúrdia nas universidades”, mas, para resumir, basta pensar nos cortes de verbas sistemáticos na área.

É bom lembrarmos que foram os setores ligados à educação que causaram o primeiro revés político a Bolsonaro ainda no primeiro semestre de seu governo, com o movimento que ficou conhecido como “Tsunami da Educação”. Centenas de milhares de pessoas foram às ruas lutar contra os cortes de verba e as tentativas de cerceamento à liberdade de organização no interior das instituições educacionais.

E é com esse exemplo da mobilização dos setores da educação que precisamos ficar atentos nesse momento com as tentativas golpistas do bolsonarismo. Como já dissemos, a ultradireita veio para ficar e não é apenas importante, mas necessário pensar com que política vamos enfrentar esse setor no próximo período. Por isso, nos próximos parágrafos, queremos debater sobre as perspectivas para a educação no governo Lula.

Governo Lula na educação, o que pensar dos primeiros passos?

O clima diante do novo governo será de esperança, sabemos e entendemos esse sentimento. Porém, queremos abrir o debate dizendo que não temos ilusão no próximo governo de Lula. Em nossa opinião, será um governo ainda mais assentado na conciliação de classes do que os governos anteriores do PT. Alertamos desde já, mas queremos e estaremos junto à nossa classe na hora em que ela fizer sua experiência com o novo governo.

Nesse momento de formação da equipe de transição, a política de conciliação de classes já fica evidente! Quem está coordenando os trabalhos da equipe é o vice Geraldo Alckmin. Foram os ataques de Alckmin à educação, quando governador de São Paulo, que fizeram eclodir o fortíssimo movimento das ocupações de escolas de 2015/2016, que derrotaram os planos de fechamento de escolas e revelaram o escândalo de roubo das verbas da merenda escolar.

Aqui no texto, nos limitaremos a tratar sobre o grupo de trabalho (GT) de transição da área da educação.

O que indica o GT de transição na educação?

A primeira reunião do GT da educação foi realizada no dia 8 de novembro e não contou com nenhum representante de organizações de trabalhadores ou estudantes, sequer a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), árdua defensora das gestões petistas, foi convidada. Essa reunião teve como mentor o ex-ministro e ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que convocou o GT apesar de não ter participado.

E quem foram os participantes? Em grande parte, representantes de Institutos e Fundações Empresariais como Fundação Lehman, Fundação Itaú, Instituto Singularidades, Todos Pela Educação etc. No último dia 16, foi publicado em diário oficial os nomes do GT de Transição na educação e nomes desses institutos e fundações foram reafirmados ao lado de parlamentares, pessoas que participam de alguma forma da gestão pública na área da educação, pessoas de diferentes instituições de educação e também do presidente da CNTE.

O primeiro tema que queremos abordar é sobre a composição do GT. Em nossa opinião, não é possível garantir um projeto de educação para os trabalhadores e seus filhos em conjunto com aqueles que entendem a educação como mercadoria e veem as políticas públicas como catapultas para seus lucros. Bilionários como Jorge Paulo Lemann (uma das pessoas mais ricas do país), Abílio Diniz e Neca Setúbal (herdeira e acionista do Itaú) não vão resolver os problemas da educação no país. Estão lá diretamente ou representados para garantir seus interesses, que são distintos dos interesses da classe trabalhadora.

A participação de representantes de entidades de trabalhadores, como Heleno Manoel, presidente da CNTE, ou parlamentares ligados ao PT e mesmo figuras ligadas ao PSOL, como Daniel Cara, não muda o compromisso que está sendo selado com o grande empresariado. Na verdade, acaba funcionando com uma proteção contra críticas e também de cooptação de parte dos movimentos sociais.

Não à toa, o discurso de “disputa para o governo ir à esquerda” tem um peso nas análises de boa parte das organizações nas últimas semanas. Em um país tão desigual como o nosso, em que a miséria de milhões alimenta a fortuna de poucas centenas de bilionários, não podemos acreditar que haja um projeto educacional que beneficie os filhos da classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, corresponda aos interesses de grandes empresas que lucram a partir da mercantilização da educação.

A classe trabalhadora, ao não ter suas reivindicações atendidas, acaba se desmoralizando. Na última campanha eleitoral, defendemos a necessidade de expropriar os bilionários do país para atender as demandas da classe trabalhadora. Olhemos para esses bilionários citados acima, a expropriação de suas fortunas possibilitaria um importante investimento na área da educação, com construção de escolas e melhoria das estruturas das já existentes.

Que políticas foram debatidas no GT?

Um segundo tema é sobre o conteúdo que foi debatido na primeira reunião do GT. Por um lado, informes revelam que a agenda bolsonarista para a educação (Escolas Cívico-militares, Homeschooling e Escola Sem Partido) será combatida. Por outro, houve a reafirmação do Plano Nacional de Educação (PNE) como norteador das políticas públicas para educação. Desmembremos esses dois aspectos.

O combate à agenda bolsonarista na educação é fundamental. As organizações de trabalhadores e juventude já vinham construindo uma série de lutas contra a implementação das escolas cívico-militares. Com todas as debilidades por conta da pandemia, o governo Bolsonaro não teve tanto peso, mesmo na base das igrejas, no debate sobre educação domiciliar.

Não nos parece que o governo Lula levará essas pautas adiante da forma que foram defendidas. Mas só isso também não pode nos contentar. Por exemplo, Lula e seu ministro da educação vão acabar com a gestão militar onde esse projeto já foi implementado? Devemos fazer essa exigência ao novo governo. As entidades sindicais devem cobrar medidas de reversão e garantia da gestão democrática nas escolas. Esse questionamento é importante ser feito porque Camilo Santana do PT, à época governador do Ceará, aderiu ao Programa Nacional de Escolas Cívico-militares.

No entanto, as informações vinculadas em redes sociais e matérias na mídia dizem que o eixo norteador da política educacional será o PNE. É a volta a velhos problemas. Devemos, em outro momento, nos dedicar a debater o PNE, suas metas e as consequências para educação de forma mais aprofundada. Para não tornar o texto ainda mais longo, nos deteremos na principal expressão política do Plano. O PNE, aprovado em 2014 e com vigência de dez anos, foi a sistematização, legalização e legitimação da transferência de verbas públicas para o setor privado. Não à toa, o Ministério da Educação era cheio de pessoas indicadas pelos institutos e fundações empresariais que mencionamos anteriormente. Por ser uma política do governo petista, teve apoio de entidades do movimento, como a CNTE e a União Nacional dos Estudantes (UNE). É muito importante lembrar que organizações políticas, entidades, trabalhadores e jovens que eram contra o PNE precisaram organizar espaços de debates e lutas por fora e contra essas entidades. Talvez a maior expressão tenha sido a realização dos Encontros Nacionais de Educação.

Ainda devem ser discutidos diversos temas que são muito caros aos trabalhadores e trabalhadoras em educação, como, por exemplo, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a Reforma do Ensino Médio. Essas duas políticas foram elaboradas por institutos e fundações empresariais e servem à lógica privatista que ganhou base no PNE. Um dos temas levantados por Lula, ainda em campanha eleitoral, foi a necessidade de se pensar a recomposição de aprendizagem. Não achamos que seja possível pensar uma proposta para esse tema que não tenha como base a revogação da Reforma do Ensino Médio, que enxuga os conteúdos dos currículos dos nossos jovens, aumentando a desigualdade entre aqueles que podem pagar por uma educação de qualidade e os estudantes de escola pública. A revogação da Reforma do Ensino Médio e da BNCC deve ser outra exigência ao novo governo.

Governo Lula e a ultradireita bolsonarista: como devemos nos portar?

Como já dissemos e defendemos neste e em inúmeros textos, achamos fundamental o enfrentamento ao bolsonarismo e à ultradireita de conjunto. Inclusive, alertamos para a necessidade de pensarmos e organizarmos a autodefesa do movimento. No entanto, há aqueles que, com o mote de lutar contra o bolsonarismo, defendem que não se deve cobrar de Lula assim que ele tomar posse ou mesmo organizar o movimento, pois isso seria fazer coro com o bolsonarismo. Não concordamos com isso.

Em primeiro lugar, porque entendemos que um setor usa esse argumento de forma pensada para blindar o futuro governo. Em segundo, e mais importante, não achamos que é abandonando nossas pautas históricas que iremos fortalecer a luta contra a ultradireita bolsonarista. Foi a política de conciliação de classes que abriu caminho para Bolsonaro.

Lembremos um trecho emblemático da carta escrita no III ENE quando diz: “Ao longo de três dias aprofundamos as discussões sobre as bases necessárias para construir um projeto democrático e classista de educação. A necessidade deste projeto parte do reconhecimento de que os avanços da extrema-direita foram pavimentados pelo fracasso da política de conciliação de classes. Esta, além de ter preparado as derrotas que abriram espaço para a extrema-direita, contribuiu para que os acúmulos históricos de organizações, movimentos e militantes da educação fossem pervertidos em um Plano Nacional de Educação (PNE) que fez inúmeras concessões ao setor privado e às bancadas conservadoras que hoje atuam em favor do movimento Escola sem Partido, da Educação Domiciliar e outros projetos do capital para a educação.”

A classe trabalhadora deve se organizar de forma independente, sem medo de levar adiante suas reivindicações. Entre os trabalhadores da educação, não deve ser diferente. Enfrentar Bolsonaro! Nenhuma esperança no próximo governo! Essa é a única forma de combater retrocessos e conquistar avanços em direitos.

Sabemos que viveremos momentos turbulentos. Nada no cenário político do país e do mundo dá indícios de que teremos um período de estabilidade política, ao contrário. De nossa parte, queremos debater os diversos temas com aqueles e aquelas que se dispõem ao debate com um objetivo bem nítido, expressar nossa compreensão de mundo e propagandear que os diversos problemas e mazelas pelos quais passa nossa classe só terão como ser revertidos e superados por meio de uma revolução social. É a serviço desse projeto que o PSTU existe. Convidamos os trabalhadores e trabalhadoras em educação e o conjunto de nossa classe a debater sobre essa compreensão de mundo com a gente.