Reproduzimos abaixo homenagem póstuma de Samir Amin marxista egípcio autor de A Acumulação em Escala Mundial em razão do recente falecimento de André Gunder Frank (1929-2005), um dos economistas mais citados e discutidos em todo o mundo. Gunder Frank lecionou na Universidade de Brasília (UnB) a pedido de Darcy Ribeiro, pouco antes do Golpe de 1964, e foi um dos precursores da corrente mais radical da chamada teoria da dependência, junto a intelectuais como Theotônio dos Santos e Rui Mauro Marini. A formulação teórica próxima à Teoria do Desenvolvimento Desigual e Combinado, de Leon Trotsky auxiliou o combate à hegemonia frentepopulista dos partidos comunistas e afirmar o caráter operário e socialista da revolução brasileira.
Conheci André Gunder Frank e sua companheira Marta Fuentes em 1967. Nossa longa conversa nos convenceu de que pensávamos com a mesma amplitude de ondas [longueurs donde]. A teoria da modernização, dominante à época, atribuía o subdesenvolvimento ao caráter tardio e incompleto do desenvolvimento capitalista [nos países periféricos]. A ortodoxia dos Partidos Comunistas retomava a sua maneira esta visão e caracterizava a América Latina como semifeudal. Frank formulou uma tese inteiramente diferente e nova: a de que a América Latina fora produzida desde a origem nos marcos do desenvolvimento capitalista enquanto periferia dos centros atlânticos nascentes. Eu propusera, de minha parte, analisar a integração da Ásia e da África no sistema capitalista em termos de exigências da acumulação em nível mundial, produtora por sua própria lógica interna da polarização da riqueza e do poder.
Alguns anos mais tarde no México, em 1972 nos encontramos no Congresso do CLACSO [Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais] que inaugurava a Teoria da Dependência, da qual Frank era um dos maiores expoentes, junto com Fernando Henrique Cardoso, Aníbal Quijano, Rui Mario Marini e outros. Eles me pediram para lhes expôr as conclusões paralelas às quais eu chegara a partir da história profundamente diferente da integração da Ásia e da África no sistema mundial.
Era normal, nestas circunstâncias, que nós nos encontrássemos igualmente com a Escola da Economia-Mundo, inaugurada por I. Wallerstein nos anos 1970. Foi assim que se constituiu nosso grupo dos quatro (Amin, Arrighi, Frank e Wallerstein). Os quatro publicaram então através da Editora Maspéro-La Découvert duas obras : Crise, que crise? (1982) e Grande tumulto? Os movimentos sociais na Economia-Mundo (1991). Quando a instalação da nova economia neoliberal mundializada estava ainda recém-iniciada, e a nova geo-estratégia somente começava a se delinear, nós [já] dávamos uma importância estratégica aos novos movimentos sociais que iriam dez anos mais tarde, em Porto Alegre, 2001 constituir-se em Fórum Social Mundial.
Essa proximidade de visões fundamentais, a despeito de diferenças marcantes (que foram estimulantes para todos), nos faria amigos íntimos. Isabelle (minha esposa) e eu amamos a Frank como um irmão e sofremos bastante a degradação de sua saúde ao longo dos doze últimos anos de sua vida, uma luta constante e corajosa contra o câncer. O que amei acima de tudo em Frank foi sua sinceridade e sua devoção sem limites. Frank movia-se exclusivamente por um só desejo: o de ser útil às classes populares e aos povos dominados, vítimas da exploração e da opressão. Ele esteve sempre espontânea e incondicionalmente a seu lado. Uma qualidade que não se encontra, necessariamente, entre a maioria das inteligências privilegiadas.
Tradução de Fernando Ferrone