Na última semana de agosto passado, realizou-se a reunião da União das Nações da América do Sul (Unasul) na cidade de Bariloche, Argentina, com a participação de todos os presidentes da região. A Unasul é composta por Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. México e Panamá também participam como observadores.

A organização começou a funcionar em 2008 com a suposta intenção de servir como um bloco das nações sul-americanas que, diferentemente da Organização dos Estados Americanos (OEA), funcionaria sem a presença de representantes do imperialismo norte-americano e com maior independência deste.

Por isso, alguns setores da esquerda depositaram grandes esperanças nas perspectivas independentes da Unasul. O escritor político germano-mexicano Hanz Dieterich chegou a propor, num artigo recente intitulado “Bariloche: a luta pela hegemonia militar na América do Sul”, que dentro da Unasul se travava uma batalha entre duas forças antagônicas, a bolivariana e a pró-imperialista, e que estava aberta a possibilidade de que os primeiros conseguissem que a organização atuasse com patriotismo e dignidade

No entanto, como nas reuniões anteriores, esta última voltou a revelar com clareza a verdadeira essência da Unasul além das suas pretensões de independência. O tema principal discutido foi o das sete bases militares que o governo colombiano de Álvaro Uribe acabava de colocar à disposição das forças armadas dos EUA, com o argumento de “combater o narcotráfico e o terrorismo das Farc”.

É verdade que houve fortes críticas prévias de alguns presidentes à decisão de Uribe. O venezuelano Hugo Chávez chegou a falar de “ventos de guerra”. No entanto, a reunião resolveu não condenar esta decisão do governo colombiano. Na declaração final, chamada Projeto de Decisão, mal se incluiu uma referência a “que a presença de forças estrangeiras não pode ameaçar a soberania e integridade de qualquer nação sul-americana, a paz e a segurança da região”. Algo como aceitar passivamente que vários homens armados (com fortes antecedentes de roubo) entrem na sua casa e só lhes exija uma promessa de que não vão usar as armas. Muito pouca ação para tanto ruído prévio.

Isso já parece comum no caso da Unasul. Em outras palavras, voltou a revelar-se com clareza que a Unasul, longe de ser um fator de independência da América do Sul (ou ao menos, uma possibilidade aberta nesse sentido) é, na realidade, uma ferramenta a serviço do imperialismo. Em particular, mostrou também que veste como uma luva a política que os Estados Unidos impulsionam atualmente para América do Sul.

Obama representou um ajuste necessário
O governo de Barack Obama representou uma mudança na tática política do imperialismo para enfrentar a situação mundial e a luta das massas, com respeito a seu antecessor George W. Bush. Para evitar falsas discussões: não temos nenhuma confusão sobre o fato de que, igual a Bush, Obama defende a fundo os interesses imperialistas e a necessidade de fazer avançar o controle político do mundo para garantir o saque das riquezas a serviço do imperialismo. Mas as condições em que deve fazê-lo são diferentes e precisa se adaptar a isso.

Para entender essa necessidade de adaptação, é preciso compreender o fracasso da política de Bush. Após o atentado às torres gêmeas, no dia 11 de setembro de 2001, Bush aproveitou seu efeito, para lançar a guerra contra o terror e contra os países integrantes do “eixo do mal”. O objetivo era garantir um século americano. Esta política representou um forte giro militar e autoritário da política exterior norte-americana e expressou-se, especialmente, nas invasões do Afeganistão (2002) e Iraque (2003), e o apoio ao golpe de estado contra Chávez, em 2002.

Mas o projeto de Bush chocou-se duramente com a resposta do movimento de massas e sua política fracassou: nunca terminou de dominar o Afeganistão, a guerra do Iraque se transformou num pântano, o povo venezuelano derrotou rapidamente o golpe contra Chávez, as massas palestinas lutaram (e lutam) contra Israel e seus agentes etc.

Por isso, era necessário fazer um ajuste na política imperialista para enfrentar a nova realidade e diminuir as perdas. Se o garrote tinha fracassado, era necessário oferecer algo mais simpático ou, para dizer de outra maneira, voltar a propor negociações para sair dos atoleiros.

O próprio Bush se viu obrigado a começar este ajuste. Por exemplo, em sua política para o Iraque ou na mudança de atitude real com Chávez (para além dos habituais ataques na mídia que ambos se dedicavam).

Mas Obama – com seu aspecto de jovem negro – é a representação mais cabal dessa mudança que propõe agora um novo equilíbrio entre as negociações e a política militar ou de ameaças, para atingir os objetivos imperialistas. O centro passou a ser o “doce” (as negociações). O “garrote” emprega-se como um fator auxiliar e coadjuvante.

Novamente, para evitar confusões, não achamos que Obama seja uma pomba da paz que abandona a ação militar. Basta ver sua política de intensificar a guerra no Afeganistão. Foi a luta das massas e as derrotas que esta luta infligiu à política do imperialismo as que impuseram esta mudança de tática, não a boa vontade de Obama.

América do Sul
A atual política do imperialismo se expressa com muita clareza na América do Sul, considerada uma região chave pela burguesia imperialista dos EUA, tanto pela proximidade geográfica como pelas riquezas que saqueia através de seu domínio colonizador.

É claro que Obama quer manter o controle de uma ameaça militar latente através das bases militares da Colômbia e da reativação da IV Frota, braço da Marinha americana na América Latina, patrulhando as águas latino-americanas. A IV Frota atuou na região a partir de 1943, durante a Segunda Guerra Mundial e foi extinta em 1950. Ela foi reativada pelos EUA de modo preventivo diante da situação revolucionária no continente. Mas o centro de sua política atual é a institucionalidade para negociar e resolver os conflitos.

Aqui é onde a Unasul se mostra como uma ferramenta perfeita para colocar panos quentes e evitar a agudização dos conflitos na América do Sul. Sempre, claro, resguardando os interesses mais estratégicos do imperialismo e aplicando sua tática atual.

Por exemplo, sua primeira reunião efetiva realizou-se em setembro de 2008, no Chile, no meio dos confrontos entre o governo de Evo Morales e a burguesia ultradireitista da Meia Lua. A resolução final condenou qualquer tentativa inesperadamente contra Evo, mas, ao mesmo tempo, chamou ao diálogo conciliador entre um governo legítimo e setores fascistas.

Agora, a história se repete: com a desculpa de defender a unidade da Unasul, vota-se uma declaração que, de fato, legaliza o uso das bases colombianas por parte das forças armadas dos Estados Unidos e evita qualquer condenação ao governo de Uribe por permitir esta violação da soberania militar do subcontinente.

A invasão do Haiti
Mas o maior exemplo de submissão ao imperialismo da maioria dos governos sul-americanos ao imperialismo é a ocupação do Haiti. Ali, a serviço de um projeto de saque e exploração, o imperialismo terceirizou a ação militar, camuflando-a como uma missão de paz da ONU (a Minustah) que encabeçam e comandam as tropas brasileiras, mas que também integram soldados da Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e até Bolívia.

São soldados enviados pelos governos sul-americanos os que reprimem, assassinam e violam o povo haitiano quando este protesta e luta contra a fome e contra o salário mais baixo do continente americano. E ninguém nas reuniões da Unasul (nem sequer Chávez que sim o critica por fora) levanta sua voz contra esta violação.

O papel do Brasil
Em outras palavras, não faz falta que o imperialismo não esteja presente fisicamente, seja através de Obama, seus representantes ou de seus soldados, para que seus interesses sejam defendidos. Neste sentido, a Unasul mostra-se como uma ferramenta a seu serviço e, em especial, ao de sua política atual.

Desta forma, a direção da Unasul está, de fato, nas mãos de Lula e do Brasil. O que expressa, por um lado o peso econômico deste país na América do Sul. Pelo outro, mostra a disposição de Lula e da burguesia brasileira de jogar esse papel de direção política regional e também militar, como se evidencia no Haiti. Não é casual que Obama se refira publicamente a Lula como “seu homem” na região.

A luta contra o imperialismo será obra dos trabalhadores e das massas
Há que destacar que essas resoluções da Unasul foram votadas unanimemente por todos os presidentes, desde Uribe até Chávez. Em outras palavras, todos os presidentes sul-americanos têm um lugar e um papel na mesa da atual política imperialista. Lula localiza-se no centro, mas à direita, há lugar para Uribe, e à esquerda, para Chávez, Evo e Correa.

Ao mesmo tempo, mostra que o suposto anti-imperialismo destes últimos se limita essencialmente à retórica diante dos meios de comunicação. Na hora da verdade, votam junto com Uribe. Porque todos eles (inclusive os de maior retórica anti-imperialista ou que fazem alguma ação progressiva) aceitam, em última instância, a recolonização imperialista. Por isso, a Unasul não pode atuar com patriotismo e dignidade.

A unidade das nações e dos povos sul-americanos é imprescindível para evitar conflitos fratricidas e enfrentar juntos o imperialismo. Mas essa unidade anti-imperialista não virá das mãos da Unasul senão da luta dos trabalhadores e das massas, com total independência política das burguesias nacionais.