Marina Cintra, de São Paulo (SP)

No dia 28 de junho fizeram 50 anos da Revolta de Stonewall, movimento muito importante para a luta das LGBT’s ao redor do mundo. Ao longo deste ano, o PSTU vai publicar diversos artigos relacionados à luta das LGBTs trabalhadoras no Brasil e no mundo. Venha com a gente descobrir essa história de resistência e lutar conosco! Além disso, o mês de agosto é considerado o mês da visibilidade lésbica e da mulher bissexual no Brasil. Para nós, essa é uma luta muito importante contra a violência, contra o machismo, em defesa da saúde das mulheres, e contra todas as reformas que só prejudicam a vida dos trabalhadores e que atinge em cheio as mulheres lésbicas e bis.

Ao longo do mês de junho vimos que a situação das LGBT’s trabalhadoras no Brasil e no mundo não é nada fácil. Em alguns lugares do mundo existem avanços nas nossas conquistas, como aqui no Brasil em que a LGBTfobia acabou de ser criminalizada. Em outros lugares, vemos retrocesso. Porém, ainda somos um dos países que mais mata LGBT’s do mundo. Isso ainda sem falar nos ataques de Bolsonaro como a reforma da Previdência e os cortes, que também são outra forma de violência e vão afetar muito a vida das LGBT’s trabalhadoras. Vemos então que, ao redor do mundo, nossos direitos nunca estarão plenamente garantidos e que precisamos ainda lutar muito.  É por isso que nesses 50 anos da Revolta de Stonewall, queremos falar sobre qual é, na nossa opinião, a saída para a opressão e exploração que sofrem as LGBT’s trabalhadoras no mundo todos os dias.

Especialmente no mês de junho, mês do orgulho LGBT, fomos bombardeados com diversas propagandas falando que esse era nosso mês e que temos mais espaço na sociedade. Isso tudo, evidentemente, tem relação com a luta histórica desenvolvida pelas LGBT’s ao longo da história. Já lutamos incansavelmente para não sermos considerados doentes, já lutamos pela visibilidade, contra a repressão do Estado, contra a repressão policial, entre diversas outras coisas. Todas as vitórias e a visibilidade que conseguimos até agora foi resultado da nossa luta.

Entretanto, essa visibilidade que vemos hoje não significa que tenhamos uma liberdade real dentro do capitalismo. Ainda somos extremamente explorados e não temos o direito de ser quem a gente quiser, e nos relacionar com quem quisermos.

A burguesia e diversos movimentos tem política para as LGBT’s trabalhadoras, falaremos delas aqui para mostrar que essa não é a saída que devemos buscar.

Qual a proposta da burguesia para as LGBTs?
No mês de junho aconteceu algumas Paradas LGBT’s no mundo. Em São Paulo, a maior parada LGBT do mundo, se reuniram na Avenida Paulista cerca de 3 milhões de pessoas. A parada LGBT em São Paulo movimenta mais de R$ 2,4 milhões por dia devido ao turismo. Nesse ano, a Parada foi patrocinada por diversas empresas tais como Burguer King, Doritos, Uber, Amstel, entre outras. Essas empresas se interessam e aparecem como “amigas da causa LGBT”, pois é um mercado que pode dar muito lucro. De acordo com pesquisas da LGBT Capital, consultoria britânica especializada em pesquisas sobre diversidade, esse mercado movimentou 3,6 trilhões de dólares no ano de 2018. Essas empresas estão se pintando de amigas pois querem que as LGBT’s sejam consumidoras de seus produtos, ou seja, para elas é altamente lucrativo a questão das LGBT’s. Dessa forma, através especialmente das paradas, nos dizem que a saída para nossa liberdade é através do consumo e da liberdade individual.

Para além do consumo, a questão é contraditória, pois são essas mesmas empresas que não hesitam na hora de aplicar a reforma trabalhista e apoiar a reforma da Previdência, que vai afetar diretamente a vida das LGBT’s trabalhadoras.  O Burguer King, cujo dono também é sócio da AMBEV, foi um dos maiores patrocinadores do evento, essa mesma instituição já foi condenada a pagar mais de R$ 1 milhão por jornadas excessivas de trabalho. Sabemos muito bem qual é a realidade de trabalho na indústria do fast-food: excesso de trabalho, salários baixos, assédio e precarização. E isso afeta diretamente as LGBT’s mais pobres e jovens, que estão nesses serviços.

De acordo com relatório da Popular Information, em parceria com a Progressive Shopper, nos Estados Unidos, nove empresas que adotam a marca LGBT destinaram mais de 1 milhão de dólares para políticos que defendiam projetos anti-LGBT’s nas últimas eleições estadunidenses. Além disso, outras questões absurdas é que são justamente essas empresas que também não contratam LGBT’s, especialmente transexuais, para trabalhar. É por isso que mais de 90% da população trans se encontra na prostituição atualmente.  Dessa forma, as empresas, nesses grandes eventos, aparecem como “LGBTsfriendly”, mas na hora de explorar as LGBT’s trabalhadoras estão à frente! Por isso, não podemos cair no discurso da burguesia de que teremos uma vida melhor através do consumo e da individualidade.  Essas empresas lucram muito com a LGBTfobia, pois, enquanto existir diferenças e essas opressões entre os setores da sociedade, essas empresas se vendem como “as amigas”, se aproveitando da LGBTfobia para criar todo um mercado específico LGBT.

Ao dizer que nossa libertação será individual, através de consumo de mercados LGBT’s, a burguesia ao mesmo tempo consegue cooptar a luta, transformando a pauta das LGBT’s trabalhadoras em lucro para eles.  É por isso que não devemos acreditar nesse papo.

Coluna do PSTU no ato de 8 de março em SP. Foto Romerito Pontes

 

Mas…e as eleições?
Muitas LGBT’s acreditam que a saída para nossos problemas seria eleger algum candidato LGBT ou algum candidato que leve à frente nossas pautas, isso é muito compreensível, tendo em vista que, por exemplo, a própria eleição de Bolsonaro pode trazer retrocessos. Entretanto, é preciso fazer um debate em relação a isso também.

Em primeiro lugar, precisamos pontuar que a democracia que vivemos é uma democracia dos ricos. Todos os dias, um jovem é morto nas mãos da policia, uma LGBT é assassinada e as mulheres são vitimas da violência doméstica ou dos estupros. A jornada de trabalho é exaustiva, com cada vez mais ataques e reformas que vão piorar nossa vida e muitas vezes chega o final do mês e não sobra nada do salário. Toda essa realidade de opressão e exploração demonstra que efetivamente nunca tivemos espaço nessa democracia.

E muitas vezes acreditamos que elegendo melhor os políticos que irá nos representar, essa realidade pode mudar.  Mas, é importante vermos que a eleição é um jogo de cartas marcadas, os candidatos ou partidos que tem mais visibilidade são aqueles que têm mais dinheiro de empresas e em geral são aqueles que são eleitos. É impossível governar para os interesses das empresas, que só querem lucrar às nossas custas, e para os trabalhadores ao mesmo tempo.

Mesmo quando elegemos um candidato negro, LGBT ou mulher, a realidade é que quem manda na democracia é a burguesia. É o mesmo caso de Obama nos Estados Unidos ou Dilma no Brasil. Durante o governo do PT, que muita gente acreditou que avançaria nas conquistas das LGBT’s, muito dos nossos direitos foram usados como moeda de troca, quando, por exemplo, Dilma divulgou a “Carta ao povo de Deus”, para conseguir apoio da bancada evangélica, que foi base aliada ao governo. Tivemos o caso do pastor Marco Feliciano, eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos e que quis implementar o projeto de “Cura Gay”, barrado por nós nas lutas na rua. Também durante esse período não avançou na criminalização da LGBTfobia, pauta importante para o combate à violência. Muita gente se sentiu traída pelo PT e por isso votaram no Bolsonaro, inclusive muitas LGBT’s.

Nos Estados Unidos também tivemos o primeiro presidente negro com a eleição de Obama. Muitos negros e negras acreditaram honestamente que haveria avanços na luta contra o racismo. Entretanto, durante seu governo, Obama mandou o Exército reprimir manifestantes que lutavam contra o genocídio da população negra promovida pela polícia e pelo exército nos EUA, uma luta importantíssima que se alastrou pelo mundo.

Observamos então os limites da democracia burguesa em que vivemos, e a própria eleição de Bolsonaro é um reflexo disso. Bolsonaro é um grande inimigo declarado das LGBT’s, com diversas declarações racistas, machistas e LGBTfóbicas nas suas costas.  Além disso, só nesse ano de 2019 tivemos vários ataques aos nossos direitos, como a reforma da Previdência, que vai afetar diretamente a vida das LGBT’s trabalhadoras, ou os ataques à Educação e os cortes nas demais áreas sociais. Tudo isso que precariza ainda mais a vida das LGBT’s trabalhadoras, pois não basta apenas conquistarmos as pautas ligadas apenas a demanda especifica das LGBT’s, precisamos de acesso à saúde, emprego, educação e aposentadoria.

Vemos então que as eleições servem para gerir os interesses da burguesia e, mesmo quando conquistamos um direito ou outro, muitas vezes esses direitos podem ser retirados com a entrada de um governo mais conservador, por exemplo. Ou quando nossos direitos são usados como moeda de troca, em prol da governabilidade.

É por isso que devemos tirar uma lição, de que devemos lutar sempre, por uma necessidade nossa, mas, para além disso, precisamos pensar qual é a saída para os problemas das LGBT’s trabalhadoras e do restante da classe trabalhadora.

O capitalismo é uma sociedade decadente
Na nossa opinião, as LGBT’s trabalhadoras devem estar lado a lado do restante da classe trabalhadora na luta por uma revolução socialista. Vimos, ao longo do texto e de todos os debates que realizamos, que o capitalismo é uma sociedade em decadência. Vivemos numa sociedade onde produzimos alimentos que poderiam alimentar todo o planeta tranquilamente, mas ainda existem milhares de pessoas que passam fome. Vivemos numa sociedade onde há centenas de prédios abandonados nas grandes cidades, mas existem centenas de pessoas morando nas ruas. Vivemos numa sociedade em que as pessoas são mortas por serem mulheres, negras ou LGBT’s.  Vivemos numa sociedade em que os trabalhadores ao redor do mundo produzem todas as coisas e riquezas que existem, mas que não podem desfrutar de nada disso que produziram.

É por isso que não devemos acreditar por nenhum momento que a resposta para nossos problemas será por dentro da sociedade capitalista. Precisamos destruir a sociedade capitalista, para construir uma nova sociedade, uma sociedade socialista, e isso só se dará através de uma revolução. É nesse lugar que as LGBT’s trabalhadoras devem estar.  Entretanto, é preciso dizer também que o restante da classe trabalhadora também deve combater todos preconceitos em relação aos setores oprimidos da nossa classe, que é formada por homens, mulheres, negros, LGBT’s, imigrantes. A luta pelas pautas democráticas como a luta contra LGBTfobia por exemplo também é uma luta de todos os trabalhadores. Precisamos estar unificados contra o governo e o capitalismo, e a luta contra as opressões é parte importante disso.  Como já dizia Marx: “ Não pode ser livre quem oprime o outro”.

Por que o socialismo?
O socialismo é uma sociedade contrária do que é o capitalismo. No socialismo, toda a riqueza produzida pelos trabalhadores é apropriada coletivamente pelos próprios trabalhadores. Desta forma, diferentemente do capitalismo, as riquezas produzidas serão voltadas para as necessidades da sociedade, para a educação, saúde, cultura, lazer, moradia, entre diversas outras coisas que hoje no capitalismo não temos acesso decente. Isso seria uma grande mudança econômica na sociedade.

Na questão política, no socialismo o poder é controlado também pelos trabalhadores, a maioria da população, também bem diferente do que é hoje em que a política é controlada por um bando de corruptos que só atacam nossos direitos. Tudo isso só pode acontecer através de uma revolução, onde os trabalhadores tomarão o Estado. E tudo isso vai ser gerido através de conselhos populares, que se organizam pelos locais de trabalho, moradia, estudo, etc. fazendo com que realmente a população tome as decisões e os rumos da vida do país e consiga gerir a sociedade. Isso realmente seria uma democracia de verdade.

É assim que vamos conseguir libertar as mulheres trabalhadoras, os negros e as LGBT’s. Em primeiro lugar porque numa sociedade socialista não existe exploração, e dessa forma nossa opressão deixará de ser lucrativa. Além disso, porque o socialismo é o programa de libertação de todos os explorados e oprimidos pela burguesia, fazendo com que todas a sociedade passe por um processo de reeducação, de destruição das antigas amarras do capitalismo. A Rússia, logo após a revolução socialista de 1917, foi o primeiro país do mundo a descriminalizar a homossexualidade, a reconhecer o casamento homossexual, e também a desenvolver cirurgias corretiva de gênero. Além disso, também houve várias políticas que ajudavam a libertar as mulheres do serviço doméstico e da opressão machista.

Tudo isso foi muito importante pois, na ideia dos Bolcheviques (partido que dirigiu os trabalhadores a tomarem o poder na Rússia), estava sendo construída ali não apenas uma sociedade sem exploração, mas também uma sociedade nova, que construiria pessoas livres das antigas correntes. Por isso, lembramos daquela frase famosa da Rosa Luxemburgo: “Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”.

Essas conquistas foram importantíssimas e precisamos sempre estudar a história da revolução russa. Entretanto, precisamos falar também que no final da década de 1920, com a consolidação de Stálin no poder e com a burocratização do estado soviético, começa a haver um recuo em todos esses direitos e começa um avanço do conservadorismo, com perseguição às LGBT’s, onde muitas foram enviadas para o campo de concentração. Aos poucos, a URSS foi se tornando uma ditadura, assim como Cuba e China.

Dessa forma, consideramos o papel cumprido pelo stalinismo como contrarrevolucionário, que levou inclusive à restauração capitalista nos países onde havia tido revolução. É por isso que é uma grande contradição que até hoje existam partidos que lutam contra as opressões, mas que ao mesmo tempo reivindicam Stálin. Diferentemente daquilo defendido por Lênin, o stalinismo enxerga que a luta contra as opressões divide a classe trabalhadora, considerando essa luta como algo apenas para o futuro ou, pior ainda, olhando como algo reacionário. Essas políticas do stalinismo em relação às opressões fazem com que muitas pessoas olhem os socialistas como pessoas que não acham a luta contra opressão importante, fazendo com que surja posteriormente diversos movimentos que não veem a revolução ou a luta de classes como saída para os setores oprimidos. Vemos, então, que o papel do stalinismo foi definitivamente nocivo a nossa luta. Para nós do PSTU, a luta contra opressão deve ocorrer antes, durante e depois de toda luta por uma revolução.

Chamamos então a todas as LGBT’s trabalhadoras a lutar com a gente pela revolução, mas sem repetir os erros do stalinismo. Para sermos livres de toda opressão e exploração, precisamos lutar por uma revolução socialista, não apenas no Brasil, mas no mundo todo. Não vamos cair nessa mentira quando dizem que a opressão acaba se comprarmos produtos LGBT’s ou que individualmente podemos alcançar a liberdade, nossa luta é coletiva e junto com o restante da classe trabalhadora!