Secretaria Nacional de Mulheres do PSTU
28 de setembro é o Dia Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto. A data, que se tornou um marco mundial na luta pelo direito ao aborto seguro e gratuito, serve para lembrar a tragédia que representa para milhares de mulheres trabalhadoras, uma legislação machista e conservadora, que criminaliza o aborto e condena as mulheres pobres a arriscar suas vidas e sua saúde em procedimentos inseguros.
Estima-se que 73 milhões de abortos induzidos são realizados todos os anos no mundo, quase metade de forma insegura. 4 em cada 10 mulheres em idade reprodutiva vivem em países onde o aborto é proibido total ou parcialmente e mesmo onde é descriminalizado ou legalizados, muitas mulheres e pessoas com capacidade de gestar (mulheres, homens trans, pessoas não binárias) são obrigadas a recorrer a abortos inseguros, pois os serviços nem sempre estão disponíveis ou são acessíveis. 7 milhões de mulheres são hospitalizadas e 39 mil morrem por ano, por complicações relacionadas ao aborto inseguro. Essas mortes e sequelas poderiam ser evitadas com acesso à educação sexual, métodos contraceptivos eficazes e a garantia do aborto em condições adequadas.
Legalizar o aborto para salvar a vida das mulheres trabalhadoras
No Brasil, onde o aborto é considerado crime exceto em três situações – caso de estupro, risco de morte à mãe ou anencefalia (quando o feto não tem cérebro) – o aborto inseguro é a terceira principal causa de mortes maternas, cujo país é um dos campeões. As adolescentes negras, pobres, de baixa escolaridade que vivem longe dos grandes centros urbanos e as mulheres indígenas são as maiores vítimas. Ou seja, as que mais morrem são as mulheres e meninas mais vulneráveis, inclusive à violência sexual.
Mas não é o aborto que mata e sim a clandestinidade. As mulheres burguesas, que podem pagar pelo atendimento médico em clínicas que oferecem condições apropriadas e longe da mira da polícia ou viajar para países onde o aborto é legalizado – opções seguras, porém inacessíveis à maioria das mulheres –, apesar do constrangimento por ter de recorrer a uma prática ilegal, têm sua saúde e vida preservadas, pois a interrupção da gravidez, quando feita com a assistência adequada, em raríssimos casos leva à morte. Isso comprova que criminalizar não evita o aborto, o que faz é ampliar as desigualdades e discriminação às mulheres da nossa classe.
Por isso defendemos a legalização e sua realização de forma segura e gratuita pelo SUS como o melhor meio de salvar a vidas das mulheres trabalhadoras. Para nós a legalização do aborto é uma questão de saúde pública e também de classe e raça, já que as mulheres que recorrem ao aborto inseguro o fazem por falta de opção.
Pelo direito à autodeterminação das mulheres
Da mesma forma, entendemos que obrigar uma mulher a levar até o fim uma gestação não desejada é violar direitos sexuais e reprodutivos e impedindo que as mulheres possam decidir sobre seus corpos e seu futuro ou seja, exercer sua autodeterminação. A maternidade deve ser uma escolha e não uma imposição. Não cabe ao Estado determinar a maternidade e sim promover condições para que as mulheres decidam soberanamente sobre serem ou não mães e o momento para isso.
Àquelas que desejam ser mães, devem ser asseguradas condições socioeconômicas e políticas públicas universais que garantam assistência à gestação, parto e pós-parto e os cuidados necessários ao desenvolvimento pleno de uma criança: creche, escola, saúde, lazer. Para as que desejam evitar a gravidez deve ser garantido planejamento reprodutivo e às que necessitam interromper uma gravidez indesejada, o acesso ao aborto legal e seguro por meio de um sistema público e gratuito de saúde.
Atualmente, nem mesmo as mulheres cujo aborto é garantido por lei, como no caso vítimas de violência sexual, esse direito vem sendo respeitado, vide o caso da menina que teve o aborto negado por uma juíza em Santa Catarina ou a cartilha do Ministério da Saúde (MS) que impõe restrições aos profissionais que realizam o aborto legal e desinforma as mulheres sobre seus direitos. A política do MS é o de restringir ao máximo o acesso aborto legal, ao estabelecer, por exemplo, um “rol de doenças que representam risco de vida para a mãe”, além de praticamente querer comprovar, com uma investigação policial, que a mulher foi estuprada antes de conceder seu direito a interromper à gestão.
O corte de raça e classe mais uma vez fica nítido quando o assunto é o desrespeito aos direitos das mulheres. Segundo a Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos do Paraná, as meninas negras são as que mais chegam para realização de notificação de violência sexual, mas são as que menos acessam os serviços relacionados, tanto os ofertados nas primeiras horas de atendimento pós-violência (pílula de emergência, profilaxia para DST e profilaxia para HIV), como o aborto legal em caso de gestação comprovada. Padrão que se repete com as meninas indígenas, ainda que em menor proporção.
São as mulheres trabalhadoras, negras e pobres, também as mais frequentemente perseguidas, humilhadas e processadas pelo crime de aborto. Relatório da USP, em parceria com Universidade de Columbia e com a Clooney Foundation for Justice, que analisou 167 casos envolvendo a acusação de aborto no Brasil, destaca que os principais alvos de investigações e processos judiciais por aborto ilegal, são mulheres negras de baixa renda.
Direito ao aborto e luta de classes
O direito ao aborto tem sido pauta de várias mobilizações pelo mundo, como parte da disputa na polarização da luta de classes. A legalização do aborto em países como Argentina e Colômbia significou uma importante conquista, ajudando a fortalecer a luta das mulheres trabalhadoras por igualdade e direitos, por outro lado a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, derrubando o direito constitucional ao aborto, representou um duro golpe às mulheres e pessoas com capacidade de gestar, encorajando ainda mais os setores burgueses reacionários a buscar impor novas derrotas às mulheres e aos setores oprimidos.
Como no Brasil, onde o governo Bolsonaro, usa a pauta contra o aborto para fortalecer sua base conservadora de ultradireita, defendendo abertamente a criminalização total e fazendo lobby no Congresso para aprovar leis ainda mais restritivas ao aborto e impondo medidas para cercear o direito das mulheres de recorrer ao aborto nos casos previstos por lei. Isso mostra que a luta pelo direito ao aborto não está desconectada da luta por derrotar esse governo, já que é uma ameaça direta de retrocesso aos nossos direitos.
Por outro lado, setores da burguesia liberal, de olho no mercado progressista, tem utilizado as pautas das mulheres e dos setores oprimidos a serviço da superexploração e da desmobilização, apontando saídas individuais e cooptando lideranças pelo discurso da “inclusão”, que não passa de falácia e não resiste à simples reivindicação de salário igual para trabalho igual. Simone Tebet, é um exemplo, de olho no voto feminino para as eleições, chegou a se render ao “feminismo”, alegando que entende mais os problemas das mulheres por ser também uma vítima do machismo e por isso teria melhores condições de atender nossas necessidades. Mas apesar disso se posiciona contra a legalização do aborto, alegando que o país não está preparado para discutir esse tema, ou seja, fecha os olhos para as centenas vítimas de complicações por aborto inseguro. Um exemplo típico da hipocrisia do feminismo burguês de conveniência que não está nem aí para os problemas que as mulheres da classe trabalhadora enfrentam.
Mas o fato de que em nenhum governo “progressista”, incluindo o PT de Lula e Dilma, que foi a primeira mulher a governar o país, a pauta do aborto tenha avançado, evidencia que não podemos depositar nossas esperanças no resultado de uma ou de outra eleição para obtermos essa conquista democrática. Setores como a Marcha Mundial de Mulheres (hegemonizada pelo PT) ou PCdoB e PSOL, que ao invés organizar as mulheres nas ruas, para lutar pela legalização, apostam todas as fichas nas eleição de Lula e de parlamentares “feministas” para o congresso, como se isso bastasse, na verdade jogam contra a possibilidade das mulheres de conquistarem efetivamente a legalização do aborto, pois no sistema capitalista burguês as leis, os direitos democráticos e todas as garantias sociais são resultado da luta de classes.
A luta pelo aborto seguro e gratuito não é uma questão só das mulheres, mas de todos os trabalhadores e deve ser assumida por toda a classe e suas organizações como parte da luta por direitos, conquistas sociais e melhores condições de vida, e também como parte da luta estratégica para derrotar esse sistema de opressão e exploração, pois no capitalismo, a opressão das mulheres desempenha quádruplo papel: ampliar os lucros com a super exploração das mulheres; manter um exército de reserva permanente que exerce pressão sobre os salários, pressionando e rebaixando o padrão de vida de toda a classe; garantir a reprodução do trabalho assalariado com o trabalho não pago realizado pelas mulheres na esfera familiar, e garantir a dominação burguesa, incentivando ideologias e comportamentos machistas que dividem a classe. É o caso dos trabalhadores que reproduzem machismo ou se recusam a levantar bandeiras femininas contra a desigualdade e por direitos.
Nesse 28 de setembro queremos reafirmar o compromisso do PSTU com a luta pela legalização do aborto, realizado de forma segura e gratuita pelo SUS e sem restrições, para todas as mulheres e pessoas com capacidade de gestar que assim o desejarem. Não podemos tolerar nenhuma morte ou sequela mais por aborto inseguro. Defendemos o direito das mulheres de decidir sobre seus corpos e sua sexualidade e que ninguém mais seja preso, maltratado ou humilhado por fazer um aborto. Dignidade e autonomia para as mulheres! Pelo fim da hipocrisia do Estado burguês capitalista que nega às mulheres o direito ao aborto, mas é incapaz de proporcionar às trabalhadoras o exercício da maternidade de forma digna! Educação sexual para prevenir, contraceptivo para não engravidar, aborto seguro para não morrer!