Sessão do STF do dia 28 de fevereiro Foto Nelson Jr/STF
Frida Pascio Monteiro, de Fernandópolis (SP)

O ano de 2018 começou como um ano de grandes conquistas para a comunidade T: travestis, mulheres transexuais e homens transexuais.

No dia 17 de janeiro foi homologada, pelo ministro da Educação, Mendonça Filho, uma resolução autorizando o uso do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares da educação básica. Com a resolução, maiores de 18 anos poderão solicitar matrícula usando o nome social nas instituições de ensino. Para os menores de idade, são os representantes legais quem deve apresentar a solicitação.

Anteriormente, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) já permitia uso do nome social para os candidatos. Em 2017, 303 candidatos fizeram uso desse direito, conforme dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Em 5 de fevereiro, o decreto nº 9.278 instituiu em seu artigo 8º que o nome social possa fazer parte do novo RG, o RIC (Registro Individual Civil) que unificará RG, CPF, Título de Eleitor, Carteira Nacional de Habilitação. O documento também poderá conter Título de Reservista, número da carteira de trabalho, tipo sanguíneo e fator RH, e outros, todos esses pedidos por requerimento escrito. O nome social também poderá ser pedido desta maneira para ser anexado. Em julho, começam a fazer o novo RG, mas não é necessária correria, pois o atual vale por 10 anos a partir da expedição.

No dia 15 de fevereiro, a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) lançou edital com um certame acerca de cotas para candidatas travestis e transexuais. A instituição é a primeira do Brasil a fazer isso.

Em 19 de fevereiro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, determinou que duas travestis fossem transferidas para estabelecimento prisional compatível com o gênero delas, ou seja, feminino.

Dia 28 de fevereiro, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou projeto de lei que pune injúrias praticadas por questões de gênero e de orientação sexual. O Projeto de Lei 291/2015 alterou o dispositivo que já estabelecia como agravante elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou deficiente. Foram acrescentados os agravantes de gênero, orientação sexual e identidade de gênero. Se não houver nenhum recurso para que seja votado pelo plenário do Senado, o projeto irá para a Câmara dos Deputados.

Já o dia 1º de março foi dia de 2 conquistas: o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que as cotas de candidatos dos partidos políticos são de gênero, não de sexo biológico. Também foi decidido que travestis e transexuais podem se registrar na Justiça Eleitoral com o nome civil, mas poderão concorrer com o nome social.

O dia 1º de março também ficará marcado como o dia em que o STF julgou a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 4275 e do RE670422, nos dias 28 de fevereiro e 1 de março, discutindo a constitucionalidade do artigo 58 da Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015) e decidiu que transexuais não precisam ter realizado a cirurgia de redesignação sexual (CRS) para poderem alterar nome e gênero em seus documentos. O processo poderá ser feito sem os laudos psicológico e psiquiátrico que eram obtidos após o mínimo de 2 anos de terapia para se comprovar o diagnóstico de transexualismo (Código Internacional de Doenças: CID-10 = F64.0). Também não será necessária ação judicial. A mudança poderá ser feita por autodeclaração em cartório.

Não se sabe ainda quanto tempo irá demorar para que isso ocorra na prática. É necessário que a decisão (acórdão) saia primeiro, pois os cartórios podem não saber como agir ou não quererem realizar a decisão. É bom esperar que saia uma norma regulamentadora (não é obrigatória, mas será de grande ajuda) para que travestis e transexuais possam ir até os cartórios exigirem seus direitos com acórdão e norma regulamentadora em mãos. Sabemos que no Brasil, às vezes, as coisas só funcionam sob pressão e respaldo das leis na ponta da língua e em mãos. É o momento de, assim que saírem, acórdão e norma, que travestis e transexuais exijam seus direitos, enchendo os cartórios com seus pedidos.

A decisão é um avanço realmente gigantesco para que travestis e transexuais não tenham de passar por dois anos (no mínimo) de avaliação por psicólogo e psiquiatra para comprovarem que são quem realmente são, que pertencem a gênero com o qual se identificam. Infelizmente, no Brasil, a decisão teve de ser tomada pelo STF, pois o nosso Legislativo não se manifestou sobre. Na Argentina já é assim há alguns anos, com a diferença de que é uma lei vinda do Legislativo argentino. Talvez a briga seja, agora, com os cartórios que podem tentar não cumprir com a decisão do STF, mas, é importante, mais do que nunca, exigirmos nossos direitos. Podemos estar rumando para a despatologização mundial das identidades trans. Essa decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) endossa isso.

Mas nem tudo são flores em nossa sociedade capitalista que retroalimenta as opressões como machismo, misoginia, sexismo, racismo, LGBTfobia.

Ainda somos o país que mais mata LGBT’s no mundo, mais do que nos 13 países do Oriente Médio e África onde há pena de morte contra essa população. O Relatório de Assassinatos de LGBTs do Grupo Gay da Bahia (GGB) iniciou-se em 2012. Comparativamente, em 2012 foram assassinadas128 travestis e mulheres transexuais; em 2013, foram assassinadas 108; em 2014 foram 134; em 2015, 119, e, em 2016, foram assassinadas 144 travestis e mulheres transexuais.

Em 2017, a cada 20 horas um LGBT morreu de forma violenta por motivação homotransfóbica no Brasil. Trata-se, também, de uma resposta ao levante conservador que contamina a população com discursos impregnados de ódio, que a todo custo querem calar nossa voz (GRUPO GAY DA BAHIA, 2017).

As maiores vítimas acabam sendo as travestis, mulheres transexuais e homens trans. 45% dos assassinatos de LGBT’a são de pessoas trans; a expectativa de vida de uma mulher transexual ou de uma travesti é de apenas 35 anos, enquanto da população cisgênero em geral é de 80 anos ou mais; essa população têm 9 vezes mais chances de ser exterminada e executada do que cidadãos comuns; mais de 80% dos assassinos não têm ligação com a vítima; 90% têm que se prostituir para sobreviver pela falta de oportunidades de trabalho formal; 95% desses assassinatos apresentam requintes de crueldade, o que denota o ódio às mulheres transexuais e travestis, porque a grande maioria da população brasileira não as identifica como mulheres ou gênero feminino (ANTRA, 2017).

A cada 48 horas uma pessoa trans foi assassinada em 2017. Foram 179 assassinatos. Até o dia 23 de fevereiro deste ano, contabilizam-se 29 assassinatos. Podemos concluir que há um aumento desenfreado desses índices de Transfeminicidio (+ machismo + transfobia = + violência) contra a população trans.

Segundo novo relatório da Anistia Internacional, o Brasil lidera o ranking do número de assassinatos de diversos grupos de pessoas em 2017: jovens negros do sexo masculino, pessoas LGBTI, defensoras e defensores de direitos humanos, grupos ligados à defesa da terra, população tradicionais e policiais.

O número altíssimo e alarmante de assassinatos de travestis e transexuais no Brasil levou a Organização das Nações Unidas (ONU) a se mobilizar criando o projeto Trans-formação, que já está em sua segunda edição com o objeto de ampliar o diálogo com a sociedade. O projeto busca capacitar travestis e transexuais para atuar como lideranças pelos direitos da população T.

Somos um país que não oferece postos de trabalhos no mercado formal para a população T, 90% de nossa população está na prostituição, somos o país que mais mata LGBTT’s, com uma pessoa trans assassinada a cada 48 horas. Todas essas conquistas facilitarão e muito a vida de pessoas trans, mas não são suficientes.

Enquanto houver capitalismo, haverá um sistema opressivo fomentando as desigualdades e vários tipos de opressão. Somente com uma rebelião, uma revolução socialista e classista, lutando por todas e todos as trabalhadoras(es) oprimidas(os), poderemos acabar com as mazelas e injustiças sociais com a ditadura do proletariado que emancipará a sociedade humana.

Veja o Especial Desvelando a Transexualidade