No início de janeiro, o Opinião Socialista entrevistou Adhiraj Bose, militante do “New Wave”, grupo indiano que mantém relações fraternais com a Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI). A entrevista foi realizada após o estupro coletivo de uma jovem dentro de um ônibus em Nova Déli, na Índia, por passageiros. O estupro gerou uma onda de protestos no país e uma comoção em todo o mundo. Durante a entrevista, Adhiraj destaca a situação dos setores oprimidos, especialmente as mulheres, na Índia e comenta sobre a onda de protestos que sacudiu o país.
Opinião Socialista – Qual é a situação da violência sexual na Índia?
Adhiraj Bose – Gostaria de começar salientando que as mulheres indianas talvez estejam entre as mais oprimidas do mundo. A violência sexual é uma parte importante das formas predominantes de opressão das mulheres que incluem foetecide feminino (matar a mulher antes do nascimento), mortes em função do dote, violência doméstica e assédio constante.
O Centro Nacional de Registros de Crimes (NCRB) compila estatísticas sobre a criminalidade no país e, considerando seus registros, há mais de 24 mil estupros por ano e cerca de 36 mil casos de assédio foram notificados apenas no ano passado. O número de mortes em função do dote está entre entre 7 e 8 mil por ano. Em 2010, este tipo de opressão machista causou 8.319 mortes. O princípio do dote baseia-se no fato de que a família da noiva deve pagar uma espécie de “seguro”para cobrir os “serviços prestados” pela família do noivo em “cuidar da noiva”.
Embora o dote tenha sido legalmente abolido em 1961, a simples aprovação da legislação não conseguiu libertar as mulheres desta maldição, já que estrutura familiar permanece intacta. E a família assassina geralmente encontra maneiras de sumir com as provas que podem incriminá-los. A extensão da violência pode ser medida pela estatística que mostra que existem 100 milhões de mulheres desaparecidas na Índia.
Em dezembro, os protestos aconteceram quase que diariamente e em todo o país, o que tem sido apontado como um “virada” na luta contra a violência sexual na Índia. Por que isso está acontecendo agora?
Adhiraj Bose – Os protestos em Nova Déli culminaram em uma revolta agressiva, uma rebelião, não apenas algo espontâneo. Antes desta onda, houve mobilizações de massa em torno de incidentes isolados de estupro ou exemplos mais notáveis, como durante os assassinatos Khairlanji (massacre, em 2006, de uma família de “dalit”, ou “intocáveis”, por membros de castas “superiores”, no qual as mulheres da família foram arrastadas nuas pelas ruas, antes de serem violentamente mortas) e o caso de Jessica Lall (uma modelo, assassinada, em 1999, durante uma festa pelo filho de um deputado do partido governante).
Também, há tempos, está em curso um processo de mobilização contra a “Lei dos Poderes Especiais das Forças Armada” que tem sido utilizada para proteger os militares das acusações de estupro e crimes sexuais, principalmente no Nordeste da Índia.
O incidente em Nova Déli, porém, é especial por mais de uma razão. Os protestos, inicialmente pacíficos, foram recebidos com violência policial, o que desencadeou novas e mais intensas mobilizações que, mais tarde, assumiram a forma de revolta aberta. Quando a situação ficou tensa em Nova Déli, o resto da nação acordou e vimos os protestos surgirem em todas as grandes cidades.
A imprensa brasileira está destacando que a população clama pela a pena de morte para os estupradores. Qual é a posição do “New Wave”sobre isso?
Adhiraj Bose – A lamentável ausência de aprisionamento e condenação de estupradores levou a demonstrações de intensas frustração e raiva, o que, atualmente, assumiu a forma de exigência da pena de morte. Enquanto nós simpatizamos completamente com a raiva das massas, não apoiamos qualquer reivindicação para a imposição de pena de morte. Nós não defendemos o direito de dar aos burgueses uma arma de assassinato legalizada. A Índia já prevê casos de pena de morte que, de acordo com relatórios, têm sido usada e abusada.
Assim como no resto do mundo, além da violência, a opressão da mulher assume diversas outras formas que geralmente se combinam com a exploração capitalista. Como é isto na Índia?
Adhiraj Bose – Os assassinatos, assédio e torturas representam apenas a manifestação visível e mais violenta da discriminação de gênero na Índia. A violência velada e cotidiana que as mulheres têm de suportar inclui a discriminação no local de trabalho, com salários mais baixos e o sub-emprego.
A condição das mulheres na zona rural é geralmente pior do que nas áreas urbanas. No campo, os costumes arcaicos continuam a dominar, apesar da invasão do capitalismo moderno. Longe de resolver as tensões sociais em suas raízes, o capitalismo indiano só conseguiu exacerbá-las. Senhores semi-feudais usaram suas conexões políticas para se tornarem agricultores capitalistas. Isto é mais visível na situação em Haryana e outras partes do noroeste da Índia, onde os Khap panchayats (conselhos Khap, formados pelas castas de elite das aldeias) aplicam a “justiça” com base em idéias arcaicas e preconceitos de gênero.
Em seus panfletos, vocês dizem que a violência sexual atinge principalmente as mulheres, mas também é forte contra gays, lésbicas, bisexuais, transsexuais e travestis (LGBT). O Brasil tem uma média de 300 mortos de LGBT’s por ano em ataques homofóbicos. Qual é a situação na Índia? Como é o movimento LGBT em seu país e como atuam em relação à situação atual?
Adhiraj Bose – Na Índia, o movimento é bastante incipiente em comparação ao Brasil. Ele está atualmente dominado por lideranças da elite burguesa, sem a participação dos pobres. No entanto, isso está mudando e o movimento está se tornando cada vez mais amplo e mais aceito pelos demais movimentos sociais. Atualmente, o movimento pelos direitos LGBT trabalha em torno da luta pela abolição da seção 377 que proíbe que homossexuais tenham práticas sexuais, sob o pretexto de que isto é “sexo não natural”. Uma decisão importante foi aprovada na Alta Corte de Deli, reconhecendo esta seção como ultrapassada e que precisa ser derrubada. No entanto, a lei ainda tem de ser alterada e o caso está pendente no Supremo Tribunal Federal.
Em relação à situação atual, a comunidade LGBT se solidariza amplamente com a luta contra os estupros e se engaja nos protestos em geral.
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