Luciane Santos, de Teresina (PI)
Negra, neta de quebradeira de coco em um dos estados mais socialmente injustos do país, a linda piauiense Monalysa se tornou Miss Brasil.
Ela venceu verbalizando que o título servirá para combater preconceitos e combater o machismo. Nisso, agradou até feministas que, por motivos justíssimos, vêem com grande reserva concursos deste tipo. O movimento negro também comemorou.
Por outro lado, como previsível, atiçou o ódio de racistas e machistas. Mas aquela infeliz e desprezível pessoa que comentou “tem cara de empregadinha” está certa em um aspecto. Monalysa tem cara de trabalhadora porque é negra a maior parcela das mulheres que trabalham neste país. Aliás, são as negras que também estão no topo do ranking quando o assunto é conseguir emprego nos postos mais precarizados e piores remunerados. Também são negras as maiores vítimas de feminicídios e outras violências. Por isso mesmo, quando uma negra sai vitoriosa em uma disputa tão acirrada entre diferentes tipos de beleza, a questão da “representatividade” resulta em algo de fato importante para quem sofre na pele todo tipo de opressão.
Mas o que é um concurso de miss?
É uma competição que, de uma forma ou de outra, reforça um determinado padrão de beleza corporal. “Duas polegadas” a mais nos quadris podem desclassificar uma candidata. Pelo menos essa foi a desculpa utilizada pelos brasileiros quando Martha Rocha ficou em segundo lugar, no Miss Universo de 1954.
Geralmente, um concurso deste tipo é para coroar a beleza branca. Mas há exceções.
É um concurso nacional ou internacional que diz ter o objetivo de “valorizar a mulher”, mas que na prática reforça o machismo e impõe controle sobre o comportamento feminino. Mulheres com filhos e ou casadas são eliminadas ainda na fase de inscrição. Engravidar durante o mandato de miss? Nem pensar! É ainda uma competição que historicamente rende poucas vitórias para não-brancas.
Mas o que interessa para organizadores e patrocinadores é outra coisa. É atender interesses do mercado.
Nas palavras de uma amiga, a Carla Mata, “a MonaLinda venceu um concurso de beleza porque é linda, inteligente, sabe se expressar e foi muito bem no concurso, mas principalmente venceu porque tem o perfil que a indústria de cosméticos precisa no momento“.
O mesmo sistema capitalista que usa das opressões contra a mulher e contra o povo negro para dividir a classe trabalhadora e, assim, melhor explorá-la, também precisa de concursos de Miss. Vez ou outra tal competição é importante para vender o mito da democracia racial (“não existe racismo”) e o mito do “empoderamento” (que oculta que a questão definidora do empobrecimento, exploração e opressão das mulheres e homens trabalhadores/as é a dominação de classe feita pelos patrões). São dois mitos úteis para encobrir conflitos e injustiças, e sobretudo para garantir o lucro dos capitalistas.
Agora, seguindo os ritos e contratos, Monalysa será vestida por marcas de roupas, calçados, jóias e cosméticos que exploram o trabalho infantil ou utilizam mão-de-obra precária (às vezes, semiescrava) de mulheres, seja na Ásia ou no Piauí.
Mas a luta contra o racismo, o machismo e a exploração capitalista continua. E, contraditoriamente, a vitória de Monalysa anima essa luta.