Carlos Branco
O liberalismo defende que as condições de partida sejam iguais para todos, mas adverte que daí em diante as diferenças e competências de cada um inevitavelmente gerarão resultados diversos de acordo com a dinâmica da sociedade democrática capitalista.
Isto é o que pensa José Luiz Fiori, autor de “Moedeiros falsos”. Pensamento que, em grande parte, explica o quão difícil é para um candidato pobre ganhar eleições, aqui e alhures. Que o diga, por exemplo, o candidato ao Governo do Estado pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), Herbert Amazonas, 42, embora ele mesmo acrescente que a questão financeira não é tão determinante para o PSTU.
“Participamos de processos eleitorais mesmo sabendo que são devidamente burgueses, capitalistas, porque ainda há muitos trabalhadores que acreditam no processo. Achamos que é nosso dever buscar o voto deles e adverti-los de que a verdadeira reforma será promovida pelas massas, visto que os burgueses têm outro projeto de vida”, explica Herbert, que é funcionários dos Correios e tem uma renda mensal de aproximadamente R$ 768, incluindo os tíquetes da cesta básica e os vale-alimentação.
Presidente de um partido considerado “nanico”, ele disputa pela quarta vez consecutiva uma eleição. Na primeira, em 1996, como candidato a vereador, obteve 400 votos. Na segunda, em 1998, concorrendo ao Governo do Estado, 6.300. Em 2000, pretendendo chegar à Prefeitura Municipal de Manaus (PMM) recebeu 1.100 votos. “Este ano, mesmo que consigamos obter apenas um voto, o meu, já consideramos a nossa candidatura vitoriosa”, adianta Amazonas.
É simples: o partido projetou gasto de R$ 10 mil para custear despesas de campanha contra R$ 6 milhões, por exemplo, projetados pelo candidato da Frente Trabalhista, Eduardo Braga (PPS); R$ 5 milhões do candidato do PMDB, Gilberto Mestrinho; R$ 2 milhões do candidato da coligação “Por amor ao Amazonas”, Serafim Corrêa (PSB) e R$ 1,7 milhão do candidato do PT, João Pedro.
Daí porque o eleitor não está vendo outdoor de Herbert espalhado na cidade, cartazes, muito menos banneres ou ploteres (painéis) como vem largamente sendo usado até por candidatos a cargos proporcionais, teoricamente com menos recursos que certos candidatos a cargos majoritários.
Viagem ao interior? Showmício? Carreata? Nada disso o PSTU tem possibilidade de realizar. O partido já acha um grande feito poderes participar de alguns debates que vêm sendo realizados nas escolas e universidade. Herbert reclama, no entanto, que da imprensa esteja recebendo pouca atenção. “Só funcionamos em Manaus e só iríamos ao interior a convite de alguém que se dispusesse arcar com os gastos”, disse.
Mas é um engano achar que, por conta disso, Herbert e os seus companheiros estejam esmorecidos para encarar as batalhas das eleições. Nada disso. Tanto ele como o candidato ao Senado, professor Tarciso Leão; à Câmara Federal, acadêmico de Letras Gilberto Vasconcelos; e à Assembléia Legislativa do Estado (ALE), Eudes Lopes, têm consciência de que as eleições são um campo de luta para avançar na grande revolução que o PSTU defende: a implantação do socialismo.
Nesse aspecto, pequenas batalhas precisam ser vencidas. Nestas eleições, por exemplo, o PSTU elegeu o plebiscito contra a formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e a intromissão do Fundo Monetário Internacional em assuntos da economia brasileira como os dois principais alvos a serem atingidos. Assuntos este que o partido também tem atacado no tempo de um 1 minuto e 20 segundos que tem reservador no horário eleitoral gratuito.
Quem tem visto o horário eleitoral gratuito sabe disso. O que talvez ninguém saiba é que a gravação, mesmo precária, só tem sido possível porque o amigo de Herbert, Júnior Rodrigues, emprestou a câmera. O programa ganha ares de autêntico exatamente pela carência de recursos técnicos, o que leva os candidatos a ser enquadrados em primeiro plano, com áudio e luz precários.
Mas como naquele ditado em que diz que “cavalo dado não se olha os dentes”, Herbert e seus companheiros vão reclamar de Júnior por quê? “Ele ofereceu o seu equipamento e seus serviços sem nos cobrar inicialmente nada. Ficamos de acertar depois se conseguirmos levantar algum dinheiro dos R$ 10 mil que estimamos para custear a campanha”, disse o candidato a governador.
Perguntado sobre quanto desta quantia já tinha sido arrecadada, Herbert disse que quase nada. Mas que nem por isso ele ou qualquer um dos outros candidatos iriam colocar dinheiro do próprio bolso na campanha. “Não fazemos política desse jeito. É por isso que não temos cabos eleitorais nem ficamos depois devendo ninguém, muito menos aquelas pessoas pobres e miseráveis que são exploradas nesta ocasião”.
O pouco de dinheiro que tem entrado no caixa do partido, segundo Herbert é oriundo de doações de amigos e feijoadas que o partido realiza. Tem ainda uma parte que é obtida com a venda de revistas e jornais que a Executiva Nacional do partido remete para o diretório amazonense.
Adiantou, no entanto, que excepcionalmente em períodos eleitorais, a receita mensal gira em torno de R$ 800 para uma despesa média de R$ 500, com aluguel (R$ 400), água, luz e telefone. O que inviabiliza a contratação de pessoal e a compra de um prédio para sede própria.
Carro o partido não possui, mas tem dois computadores, onde vêm sendo digitada basicamente a agenda de Amazonas. Os dois alto-falantes do partido estão à espera de alguém que se ofereça a emprestar um carro para propaganda volante.
Dentro da sede
Rua Emílio Moreira, 821, Centro. Prédio de dois andares em cuja entrada “repousa” uma kombi, branca, usada, pneu dianteiro esquerdo furado e parada há meses. Ali funciona a sede do PSTU. Mas não é dele a kombi, o partido não tem carro.
Passando por um portão de ferro, subindo dois lances de escada, lá nos fundos do prédio, funciona a sede-comitê do PSTU. A porta está sempre aberta. Quem entra se depara com uma cozinha. À direita, um banheiro. Ao lado, uma pia. Do outro lado, sobre engradados de cerveja vazia, um televisor Philco-Hitachi. Mais à frente, uma geladeira Frigidaire.
Ainda na cozinha, recortes de jornais antigos e recentes de matérias de jornais em que Herbert Amazonas tem aparecido. Outros recortes mostram o presidente nacional do partido e presidenciável, José Maria. E, como uma “jóia” rara, um pôster de Lênin, editado na Rússia.
Saindo da cozinha e dobrando o pequeno corredor à esquerda, chega-se a uma porta, também do lado esquerdo, que dá passagem para a sala onde Herbert despacha. O espaço que já era reduzido ficou mais ainda com a colocação ali de uma mesa, dois computadores e pastas onde são guardados documentos do partido.
De volta ao corredor e seguindo este em frente, chega-se a uma varanda de aproximadamente dez metros quadrados. É nela que estão várias mesas e cadeiras metálicas, e dois alto-falantes que o partido não está podendo usar para propaganda volante porque não tem carro.
Oito anos de vida
O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) nasceu em 1994, a partir de dissidentes do Partido dos Trabalhadores (PT) ligados à corrente Convergência Socialista (CS), que foi detonadora do “Fora Collor” em 1992. Os dissidentes entendiam que a política adotada pelo ex-presidente traria mais prejuízos do que benefícios para o País, diferente do que pensava a corrente Articulação, majoritária no PT.
Embora a expulsão dos membros ligados à corrente mais radical da Convergência Socialista tenha sido passado como um descumprimento de uma postura adotada pela maioria do PT, o pano de fundo do episódio foi a impossibilidade de co-existência entre os revolucionário (defendido pela Convergência Socialista) e o reformista (da ala ligada à Articulação). Esta corrente achava que o ex-presidente Fernando Collor iria conseguir muitos investimentos estrangeiros e promover um grande desenvolvimento ao País.
A professora Irinéia Vieira foi a primeira presidente do PSTU no Amazonas, cargo ocupado atualmente por Herbert Amazonas. O fato de adotar uma linha ideológica socialista revolucionário, que passa pelo entendimento de que o povo é o poder e é preciso fazer valer essa condição, não significa que o PSTU não dê valor às eleições. O que o partido não vê é o parlamento como um fim em si, e até admite que é preciso assegurar conquistas democrática, mas com um caráter permanente, não transitório, como um simples reajuste de salário que depois se mostrará defasado.
Publicado no jornal A Crítica, do Amazonaz, em 01/09/2002