Piquete dos trabalhadores da Broadway no primeiro dia de greve
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No início de novembro, a montadora de automóveis Chrysler anunciou o corte de 11.000 empregos de horistas e mensalistas nos Estados Unidos e no Canadá, além do fechamento de turnos em cinco fábricas. Com os cortes efetuados em fevereiro, a empresa reduziu em 30% o número de trabalhadores existentes em 2006, de aproximadamente 80.000.

Nos últimos dois anos, a indústria automobilística norte-americana eliminou 80.000 empregos e fechou mais de doze fábricas para competir com as empresas japonesas. Só a General Motors demitiu 30.000 trabalhadores e tem planos para mais 3.000 cortes. O motivo alegado pela GM é que o custo de sua mão de obra é de US$ 80, enquanto o das empresas japonesas nos EUA é de menos de US$ 50.

Isso acontece poucos dias após a aprovação dos acordos coletivos entre o sindicato UAW (Trabalhadores de Montadoras Unidos, em português) e as duas fábricas, mostrando que, longe de impedir as demissões, os acordos foram uma sinalização para os cortes.

Metalúrgicos fazem greve, seus dirigentes traem
Após várias rodadas de negociação, os 73.000 trabalhadores da GM pararam em todo o país, em 25 de setembro. O sindicato, com um fundo de greve de US$ 900 milhões, poderia manter a greve por vários meses, mas após três dias fez um acordo, aprovado por apenas 60% dos sindicalizados.

A última greve nacional na GM foi em 1970, quando, após 10 semanas parados, 400.000 trabalhadores conquistaram o direito a férias pagas na semana entre o natal e o ano novo. Mas os tempos mudaram, e o recente acordo assinado às pressas pôs fim à possibilidade de uma grande vitória da classe operária norte-americana. Na verdade, quem comemorou foi a diretoria da GM, dizendo que uma “nova Detroit” estava surgindo.

Nos últimos anos, sempre alegando a necessidade de aumentar a competitividade das empresas norte-americanas para garantir empregos, os dirigentes sindicais do UAW colaboraram com as montadoras aprovando planos de demissão e aposentadoria voluntária. Desta, vez não foi diferente. O acordo livrou a GM do plano de saúde de seus empregados e aposentados, com a criação de uma cooperativa que assumirá estas despesas, nenhum aumento salarial nos próximos quatro anos e uma vaga garantia de manutenção do mesmo número de trabalhadores neste período (mas não de estabilidade).

Da mesma forma, os metalúrgicos da Chrysler pararam numa greve surpresa que durou apenas seis horas, mas foi suficiente para fazer os pelegos do UAW suarem a camisa em busca de mais um acordo, ainda pior que o da GM.

A aprovação do acordo da Chrysler veio depois de uma das mais tumultuadas votações da memória recente. Alguns diretores dos sindicatos locais opuseram-se ao acordo, alcançado em 10 de outubro. Ele parecia estar em perigo quando trabalhadores rejeitaram a proposta em quatro assembléias de fábricas. Apenas 56 % dos horistas e 51 % dos trabalhadores especializados haviam aprovado o acordo quando a última assembléia, da fábrica de Belvidere, Illinois, o rejeitou com 55 % dos votos, porém insuficientes para reverter o resultado favorável ao acordo. Desde 1982, uma proposta de acordo não era derrotada na indústria automobilística norte-americana, o que dá a dimensão da traição dos dirigentes do UAW.

A declaração do co-presidente da Chrysler, Thomas W. LaSorda, de que a empresa estava “agradecida que nossos empregados do UAW. tenham reconhecido que o novo acordo encontra as necessidades da empresa e de seus empregados, fornecendo uma base para melhorar nossa competitividade de longo prazo” mostra com ainda mais clareza esta traição.

Não é por acaso que Richard Block, diretor da School of Labor and Industrial Relations da Universidade Estadual de Michigan, tenha afirmado que “dado o que aconteceu na Chrysler, os líderes irão mover-se rapidamente para persuadir os trabalhadores da Ford para apoiar uma proposta. Eles não irão cometer o mesmo erro duas vezes”. A Ford é a próxima gigante que negociará um acordo com o sindicato e, das três, a que está em pior situação econômica.

“Lápis abaixo significam lápis abaixo”
Com este título (Pencils down means pencils down, em inglês) os principais escritores e roteiristas de Hollywood escreveram um manifesto de apoio à greve de sua categoria, organizada pelo sindicato Writers Guild of America, West (Sindicato dos Escritores da América, Oeste). O final do manifesto diz: “Portanto, apenas para ser absolutamente claro: no caso de uma greve, nós, os roteiristas abaixo, não escreveremos e não adaptaremos nenhuma história até conseguirmos um acordo”. Entre os programas produzidos por eles estão seriados de sucesso na TV brasileira como Heroes, House, Smallville e Lost.

Os roteiristas iniciaram a greve no dia 5 de novembro, após quase 20 anos de “paz”. A última greve da categoria ocorreu em 1988 e durou cinco meses. Atualmente, o sindicato representa 12.000 trabalhadores que reivindicam uma fatia maior dos direitos autorais referentes ao reuso de filmes e shows escritos por eles em DVDs, internet e telefones celulares. Seus trabalhadores são o elo mais frágil no circuito cultural norte-americano, produtores em série e sob encomenda dos grandes estúdios de cinema e televisão, nas mãos de seis grandes conglomerados: General Electric, News Corp., Sony, Time Warner, Viacom, e Walt Disney Company.

Esta concentração reduziu, segundo o sindicato, de 95% para 55% a participação de seus sindicalizados na elaboração dos roteiros de Hollywood, com a compra de programas prontos e a produção dos reality shows, que não necessitam de roteiros.

Como em 1988, os roteiristas do show de entrega do Oscar, a ser realizado em fevereiro, podem deixar os apresentadores na mão. Como disse Bruce Vilanch, um dos roteiristas do Oscar e grevista, “as pessoas que reclamam das piadas nos shows do Oscar devem esperar para ver como elas serão sem os roteiristas”.

Em Nova Iorque, a Broadway também pára
Os trabalhadores de palco dos teatros da Broadway, em Nova Iorque, o mais famoso centro de casas de espetáculo do mundo, pararam seus trabalhos no dia 10 de novembro, impedindo a apresentação de 27 musicais em pleno sábado. Apenas oito teatros ficaram abertos, porque seus trabalhadores têm um contrato separado com o sindicato.

A greve paralisa um negócio de US$ 939 milhões, com mais de 12 milhões de bilhetes vendidos em 2006, além de reduzir o movimento de bares, restaurantes e lojas das redondezas.

Desde 2003, não ocorria uma greve na Broadway, quando os músicos pararam por quatro dias, depois de quase 30 anos de calmaria. Mas é a primeira vez que o Local One, o sindicato dos trabalhadores, entra em greve nos 121 anos de sua existência. Algo está mudando no mundo cultural dos Estados Unidos.

A greve pegou os empresários desprevenidos, pois não foram avisados com antecedência, provavelmente porque os próprios dirigentes sindicais não tinham certeza da greve. A pressão da base deve ter falado mais alto. Às 10h de sábado, os grevistas começaram a distribuir panfletos que diziam: “cortes nos nossos empregos e salários nunca resultarão num corte do preço dos bilhetes para beneficiar o público, mas somente num aumento do lucro dos produtores”.

Como sempre, os produtores querem flexibilizar as regras de contratação de trabalhadores que fazem a montagem dos palcos, a instalação da iluminação e som e a manutenção em geral. A Liga dos Produtores diz que as regras atuais resultam em grupos de trabalhadores sendo pagos sem terem nada para fazer.

Por outro lado, os representantes sindicais alegam que a flexibilização trará cortes de emprego difíceis de serem contabilizados. Porém, como convém ao espírito pragmático dos sindicalistas norte-americanos, dizem estar prontos para uma negociação em que “ambas as partes ganhem”.

Os trabalhadores de palco são classificados em quarto níveis salariais. Os melhor pagos, como mestres carpinteiros e eletricistas, recebem US$ 1.600 por semana (aproximadamente R$ 11.500 mensais), enquanto o nível salarial mais baixo é de US$ 1.225. Embora estes salários assustem os trabalhadores brasileiros, são considerados baixos nos Estados Unidos. Além disso, só são recebidos quando há trabalho nos shows.

Desvalorização do dólar e crise econômica, os motivos das greves
As greves dos trabalhadores norte-americanos sindicalizados seguem o exemplo de um milhão de imigrantes que pararam os Estados Unidos no 1º de Maio deste ano, um dia normal de trabalho naquele país. Estas greves, que ocorrem depois de vinte ou trinta anos em algumas categorias, é uma reação aos ataques que a classe trabalhadora vem recebendo há muito tempo, com os cortes de empregos, as flexibilizações do trabalho, as perdas na assistência social estatal e nos fundos de pensões privados.

A desvalorização do dólar, uma política do banco central norte-americano – o Fed – para reduzir o déficit de sua balança de pagamentos, de mais de US$ 800 bilhões em 2006, e a crise econômica que se avizinha, estão significando um aumento do custo de vida e ataques a conquistas históricas dos trabalhadores por parte dos patrões nos acordos coletivos de trabalho. Além disso, os recentes aumentos dos combustíveis, com o barril do petróleo chegando a US$ 96, levam os trabalhadores norte-americanos a perceber que não conseguirão manter seu padrão de vida.

Por outro lado, o aumento da produtividade do trabalho é de quase 40% desde 1992, elevando os lucros dos patrões. Mas a crise do financiamento da casa própria, que gerou um prejuízo estimado em US$ 200 bilhões, leva-os a atacar ainda mais a classe trabalhadora, na tentativa de manter seus lucros do único jeito que conhecem: transformando o suor da classe operária em dinheiro.

É cedo para definir de que lado a corda arrebentará, pois as lutas estão apenas no início, e muitas variáveis estão em jogo: o papel traidor dos pelegos, as eleições presidenciais no próximo ano, o resultado final da guerra do Iraque e a profundidade da crise econômica que se aproxima. Um avanço da mobilização dos trabalhadores norte-americanos pode ser decisivo na mudança da correlação de forças entre as classes.