Juventude do PSTU

Artigo originalmente publicado na Revista R nº 4

Muitos foram os motivos que levaram milhões de jovens às ruas das principais cidades do país, em junho do ano passado. Entre eles, está, com certeza, a enorme indignação da juventude e dos trabalhadores com as instituições da democracia brasileira, forjadas com a Constituição de 1988. As Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e, principalmente,  o Congresso Nacional sofreram o rechaço dos manifestantes.

Passaram-se meses, e tais instituições continuam desgastadas, sob a vigilância atenta da maioria da população. Os partidos da ordem e os políticos corruptos ainda estão questionados. Todas essas insatisfações se voltam, de maneira incontornável, contra o regime político.

Democracia dos ricos: liberdade e igualdade para poucos

No Brasil, vivemos sob uma democracia, que, assim como todo regime político, tem características próprias. As liberdades democráticas, tanto individuais como coletivas, e a igualdade jurídica são as determinantes, os princípios fundamentais de nossa democracia.

As liberdades democráticas são os direitos dos indivíduos de se manifestar, se expressar, de se organizar coletivamente. Já a igualdade jurídica é o direito de todos serem considerados iguais pelas leis, pela Justiça. Todos têm as mesmas obrigações e direitos perante o Estado, sem distinções de raça, classe ou sexo.

No entanto, esses direitos são inatingíveis para a maioria da juventude e do povo. São falsos, pois, na prática, só existem para alguns.

Ricos e pobres, por exemplo, não são julgados em pé de igualdade pelos crimes que cometem, porque não dispõem dos mesmos recursos materiais para se defender. É a democracia dos ricos!

Ao mesmo tempo, os trabalhadores têm seus direitos assegurados pela legislação apenas quando suas ações não questionam a expansão dos lucros capitalistas. Enquanto algumas leis e instituições garantem liberdades e igualdade parciais, outras as limitam e as anulam.

Na democracia dos ricos, liberdade se resume à liberdade de possuir bens e consumir, e igualdade se resume à igualdade formal, que desconsidera todas as desigualdades sociais e econômicas entre os indivíduos.

A ilusão do voto

Agora, se a democracia na qual vivemos é essa grande farsa, por que ela tem tanta força? Porque a maioria da população, infelizmente, está convencida de que votar lhe dá poder de decisão. A expansão do direito ao voto a todos os indivíduos adultos da sociedade,o sufrágio universal, tem uma enorme capacidade de enganar, pois faz o povo pensar que decide os rumos do país, quando escolhe seus representantes através das urnas.

Quando votamos, temos a falsa impressão de que decidimos, é uma autodeterminação ilusória. Embora o voto de um trabalhador tenha o mesmo valor do voto de um banqueiro, as eleições são completamente controladas pelo poder econômico e pelos partidos da ordem, que possuem condições infinitamente melhores durante as campanhas eleitorais.

São bilhões de reais gastos com cabos eleitorais, publicitários, institutos de pesquisa, além de todas as vantagens adquiridas com o atual sistema eleitoral, como maior tempo de TV, presença nos debates televisivos, o coeficiente eleitoral, entre outros. Assim, sempre acabamos elegendo os mesmos e, entra e sai eleição, nada muda.

Depois dessa disputa extremamente desigual, a juventude e os trabalhadores ficam ainda quatro anos assistindo, sem poder fazer nada, os políticos governando a serviço de seu próprio enriquecimento e dos interesses das empresas que financiaram suas campanhas.

E, pior, se os candidatos eleitos traem seus eleitores e não cumprem suas promessas, ainda se diz que a culpa é de quem votou errado.

Lutar em defesa e pela expansão das liberdades democráticas

Mesmo com todos os seus limites, o regime democrático que existe hoje no Brasil concede algumas liberdades parciais ao povo e às organizações da classe trabalhadora e da juventude.

Essa situação é resultado de muitas décadas de luta para conquistar o direito ao voto, à igualdade jurídica, às liberdades de expressão, organização e manifestação.

Porém, muitas vezes, de acordo com as necessidades dos patrões e das elites, até mesmo essas pequenas conquistas são atacadas pelos governantes. O direito de greve, a legislação trabalhista e a legalidade dos partidos de esquerda estão sempre em risco. Esseprocesso  mostra como são descartáveis os direitos democráticos para os capitalistas e os governantes.

Por isso, é extremamente importante e necessário defender as liberdades democráticas de todas as restrições. Por outro lado, é fundamental também lutar por sua ampliação, apresentando propostas de expansão da democracia.

As bandeiras democráticas são parte do programa socialista de transformação revolucionária da sociedade. Defendemos, nesse sentido, propostas que diminuam o controle do dinheiro sobre o processo eleitoral, que acabem com os privilégios dos políticos, e aumentem a participação popular e das organizações de esquerda.

Entretanto, por mais radical que venha ser a democracia, a sociedade permanecerá injusta e desigual, pois os interesses das elites continuam sendo defendidos pelo Estado.

Isso acontece porque o regime político, democrático ou ditatorial, não tem um valor universal. Tem, na verdade, um conteúdo de classe.

Por exemplo, o direito à propriedade privada, o maior interesse da burguesia, é considerado um direito fundamental, cláusula imutável da Constituição Federal. Nem o Parlamento pode modificar isso. E se o fizesse, as outras instituições do Estado se encarregariam de reprimi-lo, através da Justiça, das Forças Armadas, da burocracia estatal ou da diplomacia internacional.

Nossa democracia é burguesa!

O regime político é, em primeiro lugar, uma determinada combinação das instituições do Estado, uma relação particular entre elas. Se as instituições preponderantes de um país são o Exército e a Polícia, podemos dizer, por exemplo, que o regime político é uma Ditadura. Se, por outro lado, predominar o Parlamento e os Ministérios, é uma Democracia.

Porém, segundo a teoria marxista, essa primeira definição não é suficiente, pois é parcial e superficial. Descobrir a instituição mais poderosa de um país é apenas um passo para definir com exatidão o regime político. Antes de tudo, é preciso saber o caráter de classe do Estado, ou seja, quais interesses econômicos e sociais o Estado defende.

Um Estado burguês ou capitalista é aquele que, através de suas instituições, garante e impulsiona o direito à propriedade privada das fábricas, terras, máquinas e matérias primas. Um Estado dominado pela classe trabalhadora é o inverso, pois suas instituições atacam o direito do capital a se acumular, e asseguram e promovem a propriedade estatal e coletiva desses meios de produção.

O Estado se define, portanto, pela classe politicamente dominante. O regime, por sua vez, é a maneira como essa classe exerce esse poder, a depender do grau de conflito político no interior da sociedade. Se a burguesia, por meio dos mecanismos da democracia burguesa, não for capaz de garantir a estabilidade de seu domínio sobre as classes oprimidas e exploradas, ela pode, sem o menor pudor, utilizar-se de outro regime de tipo ditatorial ou policialesco. O Golpe Militar de 1964 no Brasil, cinqüenta anos atrás, é um exemplo do caráter subordinado do regime político às necessidades da burguesia.

Só é possível definir com rigor o regime político de um país, se analisarmos esses dois aspectos juntos, o caráter de classe do Estado e a relação entre suas instituições, tomando em consideração seu conteúdo e não só sua forma aparente.

Karl Marx já tinha essa compreensão no século XIX. Ele dizia que o Estado só existe por conta da desigualdade social e da divisão da sociedade entre explorados e exploradores. Sua função é administrar esse conflito em favor das classes dominantes, independentemente do regime político utilizado para governar. Todo estado é, dessa forma, a Ditadura de uma classe social sobre a outra.

Por isso, a democracia brasileira é uma democracia burguesa. Isso quer dizer que os empresários, banqueiros, latifundiários e acionistas governam o país de acordo com os seus interesses de classe, por meio de um regime político democrático. A democracia burguesa, segundo o marxismo, é um das formas da Ditadura econômica e social dos capitalistas.

Democracia Real é a solução?

Diante do desgaste e dos limites do regime democrático burguês, uma série de correntes políticas, como o PSOL, e ativistas assumiram como estratégia o programa da “Democracia Real”, que se restringe às bandeiras de radicalização da democracia burguesa. No entanto, como vimos anteriormente, por mais ampla que seja a democracia burguesa, ela continuará sendo uma democracia dos ricos.

O programa da Democracia Real, nesse sentido, não leva à transformação social. O fato de que a maior parte da população está excluída das grandes decisões políticas do país não é um “defeito” da atual democracia, é, pelo contrário, reflexo da sua própria essência: a dominação burguesa.

A juventude que despertou politicamente em junho não pode desperdiçar sua disposição e ousadia com um projeto de reformas da democracia burguesa, restringindo, assim, seu horizonte estratégico aos limites do sistema.

Somente quando destruirmos a dominação política e econômica da burguesia, é que poremos um fim à democracia dos ricos. Não basta, por exemplo, diminuir os privilégios dos políticos e sua corrupção, se as grandes empresas e o mercado financeiro internacional continuarem controlando as principais decisões políticas do país.

As desigualdades sociais, opressões e demais injustiças não são produtos do regime político, mas sim da apropriação individual do trabalho coletivo de muitos, da propriedade privada, ou seja, do caráter de classe do Estado. Mais do que radicalizar a democracia burguesa, necessitamos destruí-la junto com suas bases: a propriedade privada e o trabalho assalariado, fontes de toda desigualdade social.

A luta pela expansão da democracia burguesa, em nossa opinião, tem de se combinar com as tarefas da revolução socialista. Só a divisão igualitária da riqueza da sociedade entre todos aqueles que a produziram será capaz de estabelecer uma democracia para os trabalhadores e a juventude jamais vista.

Queremos construir um regime político incomparavelmente mais democrático do que qualquer um existente hoje, onde não só o voto seja universal, mas também todos os direitos sociais. Lutar para revolucionar toda a sociedade, portanto, é a única forma de conquistar uma verdadeira democracia, tão ampla que não caiba nas fronteiras de qualquer Estado burguês