As belas jogadas da Copa passaram. A conta dos estádios superfaturados e a criminalização dos protestos e do direito de greve, porém, vão ficar
O gol do alemão Mario Götze na prorrogação do jogo contra a Argentina selou a final da Copa do Mundo no Maracanã, nesse dia 13 de julho. Durante um mês os jogos da Copa monopolizaram a atenção da mídia e de grande parte da população e, verdade seja dita, foram disputas emocionantes como há muito não ocorriam. Apesar do vexame histórico da seleção brasileira, o que se viu foi um verdadeiro show de futebol. Passado o mundial, no entanto, a pergunta que fica é: qual o legado deixado pela Copa?
Pra quem foi essa Copa?
Oficialmente, a Copa do Mundo no Brasil custou R$ 25,6 bilhões, sendo que só R$ 17,3 bilhões já foram pagos. Isso significa que resta ainda uma dívida de R$ 8,3 bilhões. Quase o valor total só dos estádios construídos e reformados para os jogos, praticamente todos marcados pelo superfaturamento. O caso mais absurdo foi o do estádio Mané Garrincha em Brasília. De um custo inicial estimado em R$ 631 milhões, acabou ficando em R$ 1,4 bilhão, mais que o dobro.
E como se isso não bastasse, o governo do petista Agnelo Queiroz acabou de anunciar seu desejo de privatizar o estádio. Ou seja, depois de todos os recursos públicos gastos na reforma do estádio, ele vai de bandeja para a iniciativa privada. Ocorreu o mesmo com o Maracanã, cuja reforma ficou em mais ou menos R$ 1 bilhão e que depois foi privatizado.
O superfaturamento das obras públicas não se limitou aos estádios, mas também às chamadas obras de mobilidade urbana. O exemplo mais trágico foi o viaduto que desabou no dia 3 de julho em Belo Horizonte matando duas pessoas. O Tribunal de Contas do Estado avalia que o custo do viaduto foi superfaturado em 350%, o que significa R$ 6 milhões a mais que o valor inicial.
A verdade é que, mesmo antes da final no Maracanã, essa Copa já tinha um ganhador: o conjunto das grandes empreiteiras que se beneficiou dessas obras superfaturadas e que retribuem o favor despejando milhões em doações às principais candidaturas na campanha eleitoral. Diante disso, os noves operários mortos durante as obras da Copa tornam-se ‘normais’, nas infelizes palavras do próprio Pelé. Esse número é quatro vezes mais que os dois operários que morreram durante toda a preparação da Copa na África do Sul. Além das 250 mil pessoas removidas de suas casas, nos dados levantados pelo Comitê Popular da Copa.
A Copa da Repressão
De todo esses legados deixados pelo governo e pela Fifa ao país, destaca-se o avanço da repressão e da criminalização das lutas sociais. A escalada repressiva desatada pelos governos e pelos aparatos policiais após junho de 2013 ganhou novo impulso com a Copa. Greves como a dos metroviários de São Paulo e dos operários da construção civil de Fortaleza foram tratadas como casos de polícia, literalmente. Pela primeira vez após o fim da ditadura militar vimos manifestações sendo sistematicamente impedidas de serem realizadas, e presos políticos em série.
Na véspera da final da Copa, a Polícia Civil do Rio de Janeiro expediu 28 mandados de prisão e deteve 20 ativistas. Como no filme Minority Report, em que a polícia prendia suspeitos com base em previsões sobrenaturais do futuro, a polícia carioca prendeu os ativistas com base em crimes que eles supostamente poderiam cometer no dia seguinte. Na verdade, trata-se de uma fraude descarada e um verdadeiro atentado aos direitos fundamentais garantidos pela Constituição. Algo parecido que ocorreu com os ativistas Rafael Lusvarghi e Fábio Hideki em São Paulo. Ambos foram detidos num protesto no dia 23 de junho e permanecem em prisão preventiva por conta de flagrantes forjados pela polícia.
Se a repressão e a criminalização dos movimentos sociais sofreram uma escalada após junho de 2013, com a Copa elas se aprofundaram ainda mais, com o país sendo transformado numa área privada da Fifa, e as cidades-sedes militarizadas vivendo um verdadeiro estado de sítio através da Lei Geral da Copa. A isso se agrega o processo de higienização social levada a cabo nas cidades turísticas, como no Rio, onde o próprio Ministério Público estadual denunciou o recolhimento compulsório de centenas de moradores de ruas.
A Copa das Copas?
Já dentro dos estádios, nem tudo foi festa e gols. O escândalo da máfia dos ingressos na Match, empresa oficial responsável pela venda dos tickets, mostrou ao mundo mais uma vez a corrupção intrínseca à Fifa. A federação internacional de Joseph Blatter e Jérôme Valcke, não só não foi responsabilizada como foi agraciada com um lucro recorde de R$ 9 bilhões durante os jogos, completamente isento de qualquer imposto.
Junto a isso, a farra dos ingressos pagos com dinheiro público e das estatais rolou solta entre as autoridades. Só o Banco do Brasil e a Caixa gastaram R$ 9 milhões na compra de ingressos, supostamente para suas ações de marketing junto aos clientes “Vips”. Pelo menos dois dirigentes do Banco do Brasil, porém, incluindo o presidente do banco, Aldemir Bendine, usou esses ingressos para levar a família ao estádio.
As belas jogadas da Copa passaram, mas o verdadeiro legado deixado ao povo brasileiro vai permanecer. Além da conta a ser paga, uma série de elefantes brancos, famílias removidas, operários mortos e criminalização dos protestos e do direito de greve. Uma cicatriz bem pior que os 7 a 1 tomados pela seleção brasileira no jogo contra a Alemanha.
A disjuntiva “Vai ter Copa” e “Não vai ter Copa”, porém, não deixa de ser falsa. Era possível não ter sido desse jeito? Era sim, se a prioridade dos governos não fosse os lucros das grandes empresas, empreiteiras e multinacionais, mas os interesses da maioria da população que tem o futebol tão arraigado em sua cultura e identidade.