Disputa eleitoreira esconde a desnacionalização dos recursos naturaisA discussão sobre o novo marco regulatório da exploração do petróleo pegou fogo com a chamada “emenda Ibsen”, proposta dos deputados Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), acompanhado por Humberto Souto (PPS-MG), que altera a distribuição dos royalties (espécie de compensação financeira ao impacto ambiental causado pela indústria petrolífera). A emenda feita ao projeto do governo foi aprovada no dia 10 de março e desatou uma enorme polêmica com os governos dos chamados estados produtores.
Hoje, metade dos royalties é destinada à União e a outra metade aos estados e municípios produtores de petróleo. No caso da extração do petróleo no mar, essa parte vai para os estados que ficam na costa, no caso, Rio de Janeiro e Espírito Santo. A emenda Ibsen espalha esses recursos entre todos os estados e municípios, segundo o critério do Fundo de Participação dos Estados e dos municípios.
Revolta
A medida desatou uma onda de revolta das autoridades do Rio de Janeiro, com o governador Sérgio Cabral (PMDB) à frente. O governador foi à TV, chegou a chorar, afirmou que a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas estavam ameaçadas e denunciou um suposto complô dos estados contra o Rio.
Cabral e o prefeito da capital fluminense, Eduardo Paes (PSDB), afirmam que a emenda Ibsen retiraria algo como R$ 7 bilhões por ano do estado. Juntos, lideraram uma onda de protestos contra a medida, arregimentando os prefeitos das cidades produtoras, como Campos e Macaé. Na tarde do dia 17, giraram todo o aparato do Estado e prefeituras para colocar milhares de pessoas nas ruas no movimento “contra a covardia com o Rio”.
O governo estadual e as prefeituras envolvidas deram ponto facultativo e disponibilizaram ônibus para os “protestos”. Até mesmo a PM, que reprimiu violentamente um protesto de servidores em setembro último, deu suporte à manifestação. Já a imprensa carioca faz campanha aberta contra a emenda, que colocaria em risco o “pacto federativo”. Um artigo publicado jornal O Globo chega a comparar a emenda ao nazismo.
No Congresso, a redistribuição dos recursos dos royalties tem o apoio da esmagadora maioria dos parlamentares, sendo aprovada na Câmara por 369 votos contra apenas 76. O que estaria por trás desse imbróglio? Estariam os políticos e a imprensa fluminense realmente preocupados com o bem-estar da população do estado?
Show de hipocrisia
A disputa travada entre os políticos é para ver quem vai botar a mão no botim do petróleo, com vistas no pré-sal. De um lado, Ibsen Pinheiro e a e a grande maioria dos deputados querem holofotes num ano eleitoral, pouco importando se a medida prejudicaria ou não a população dos estados produtores. De outro, Sérgio Cabral e Eduardo Paes põem em marcha uma campanha demagógica e hipócrita, tentando criar uma espécie de “nacionalismo fluminense”.
O presidente Lula, comprometido com a aliança com o PMDB para eleger Dilma Roussef, já avisou que vai vetar a emenda, caso ela seja reafirmada pelo Senado. Mas se mantém distante para não se indispor com os demais parlamentares.
A população, por sua vez, tanto de estados como Rio e Espírito Santo, quanto dos demais estados, serve apenas como massa de manobra nessa briga particular, que tenta esconder o ponto crucial dessa questão.
O verdadeiro problema
A exploração do petróleo está nas mãos das grandes petroleiras multinacionais, enquanto o capital privado e internacional avançam na controle da Petrobrás. Tanto no regime de concessão de exploração do petróleo, quanto no de partilha elaborada no governo Lula, são as multinacionais que ficarão com a maioria dos lucros.
Já o governo Federal desvia os recursos dos royalties para o pagamento da dívida pública. Só em 2009, algo como R$ 20 bilhões foram destinados ao pagamento dos juros. Aos estados e municípios hoje restam as migalhas, que não chegam a 15% do total dos recursos do petróleo, e mesmo elas não se revertem em benefícios para a maioria da população. Ou, onde estariam hoje os R$ 7 bilhões que Cabral tanto reclama, já que o povo fluminense e carioca sofrem com serviços públicos precários, como saúde, educação e transportes.
Sobre tais questões nem Ibsen, nem Cabral, nem a imprensa ousam se pronunciar.