Plano Plurianual (PPA) foi instituído pela Constituição de 1988, para funcionar como o instrumento de planejamento do governo federal ao longo de cada mandato. Apresentado ao Congresso até 31 de agosto do primeiro ano de gestão, o PPA apresenta a orientação básica das ações do governo dos quatro anos subseqüentes, e define as principais metas orçamentárias, econômicas e sociais.

Analisar o orçamento público é uma excelente forma de verificarmos quais as prioridades políticas de um governo e, conseqüentemente, quais os grupos sociais com maior poder político na sociedade. Neste sentido, analisar o PPA é fundamental para identificarmos as linhas gerais de cada mandato. O de FHC (2000-2003) previu um crescimento de 4,5% ao ano e a geração de 8,5 milhões de empregos. Porém, a falta de investimentos públicos e o corte de gastos sociais, aliados às altas taxas de juros, determinaram o péssimo desempenho econômico do período e, conseqüentemente, a não obtenção das metas. O desemprego aumentou, enquanto o crescimento foi menos da metade do previsto.

O governo Lula foi eleito devido à insatisfação com a recessão, o desemprego e a falta de perspectivas dos anos FHC. Logo, esperaríamos que houvesse, no PPA de Lula, mudanças em relação ao de seu antecessor, o que, infelizmente, não ocorreu. Na verdade, o governo Lula aprofunda ainda mais o ajuste fiscal, como demonstrado na mensagem presidencial do PPA. O trecho abaixo mostra que o arrocho se prolongará até o fim do governo:

“Primeiro, o superávit primário do setor público será mantido em um nível compatível com a redução da dívida líquida do setor público abaixo de 50% do PIB ao final de 2007. Segundo, o orçamento primário será gradualmente ajustado, de modo a reduzir o peso das despesas de pessoal e de custeio no gasto total. (…) Dada a meta de superávit primário anual de 2,45% do PIB para o Governo Central em 2004-2007, o superávit primário do setor público deverá ser de 4,25% do PIB nos próximos quatro anos”

A estratégia é aumentar o arrocho dos gastos com pessoal (como na reforma da Previdência), e privilegiar cada vez mais o setor financeiro, com o superávit necessário ao cumprimento da meta acertada com o FMI. Interessante lembrarmos que, até agosto, o superávit foi maior que os 4,25% do PIB, e a dívida ainda cresceu, de 56,5% do PIB em dezembro de 2002 para 57,7% em agosto de 2003. Até onde chegaremos com essa política suicida?

Enganaram-se também os que esperavam uma mudança de postura do governo no orçamento. Afirmavam estes que “o orçamento do primeiro ano não era o do governo Lula, pois foi herdado do governo FHC”. Porém, o orçamento de 2004 reserva para os gastos sociais uma quantia ainda menor que FHC, quando consideramos apenas as despesas que não resultam de obrigação legal. O orçamento do governo para 2004 gastará nestas rubricas apenas 3,38% do PIB, contra 3,86% em 2002. E os investimentos em 2004 serão de apenas R$ 7,8 bilhões, quase a metade do previsto para 2003.

O novo Plano Plurianual ainda revela uma nova face do neoliberalismo: o Consenso de Washington II, que consiste na tentativa de se legitimar o neoliberalismo com políticas compensatórias ou paliativas, como o Fome Zero – cujo orçamento anual é equivalente a apenas quatro dias de juros da dívida. Isto demonstra que as políticas neoliberais fracassaram, e que agora é necessário uma roupagem social para a tradicional política do Estado-mínimo.

É evidente que não há saída para o país sem se enfrentar a questão do endividamento público. O economista-chefe do FMI, Kenneth Rogoff, no dia 18 de setembro, no lançamento do Relatório Anual do FMI, afirmou:

“A Dívida Interna é grande. A Dívida Externa é muito alta. Esses problemas não desaparecem da noite para o dia e continuarão absorvendo uma parcela do crescimento nos próximos anos, a menos que o país adote medidas mais radicais (…) A Espanha entrou em default [moratória] 13 vezes na história e hoje está indo muito bem”.
Recente estudo do próprio FMI demonstrou que países que decretaram moratória reduziram a carga da dívida pública de maneira consistente e experimentaram crescimento econômico nos anos seguintes. Também o economista Celso Furtado defendeu o “default”, afirmando que “é preciso preparar o país para a moratória (…) Temos de agir rapidamente para fazer face às questões sociais, principalmente o desemprego. O país está parado e não sustenta essa situação por mais de dois anos.”

Já pagamos muito além do que devíamos. Defendemos a Auditoria da Dívida, para trazer à tona a verdade sobre esse processo que amarra a economia e a vida dos brasileiros.

* Maria Lúcia Fatorelli é auditora fiscal da Receita Federal, presidente do Unafisco Nacional e coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida pela Campanha Jubileu Sul

Post author Maria Lúcia Fattoreli*,
especial para o Opinião Socialista
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