Jorge Garcia, o Pieri, da organização Frente de Trabalhadores Combativos da Argentina (FTC) e da Frente Operária Socialista (FOS-LITCI) concedeu esta entrevista a Gilberto e Indira Marques, em fevereiro deste ano.
Como e quem começou o movimento Piqueteiro na Argentina?
Pieri: O movimento Piqueteiro na Argentina surge fundamentalmente a partir das grandes lutas operárias que aconteceram no interior do país. Centralmente, foram as lutas metalúrgicas de Usuahia, no ano 1994-1995, com a morte de Víctor Choque, o cutralcazo, e toda a mobilização que aconteceu por trabalho genuíno em Neuquén, onde morre a companheira Teresa Rodríguez. Também o movimento que se realizou num povoado petroleiro do norte do país, que se chama General Mosconi, em Salta, onde também surge um movimento piqueteiro muito, muito forte lutando por trabalho e contra as multinacionais, onde em um povoado de 15 mil habitantes 200 pessoas à bala foram feridas e 6 foram mortas. Outro dos lugares é Comodoro Rivadavia, onde também é permanente a mobilização contra as multinacionais pedindo trabalho genuíno. Digamos que piqueteiros são, como seu nome já diz, um método de luta que foi tomado da classe operária.
Você é de Comodoro. Como tem sido sua experiência, como surgiu e como está a situação do movimento Piqueteiro aí?
Pieri: O movimento fundamentalmente surge dos 400 operários que ficaram desempregados no período das privatizações sob o governo Menem. Estes operários, os filhos dos operários, os vizinhos deles, depois de dois ou três anos em que acabaram as indenizações e começaram a precisar de trabalho, começaram a se organizar através dos distintos bairros. Foi gestada uma grande mobilização: é um povoado de 150 mil habitantes e se deu uma mobilização de uns 7.000. Nessa mobilização se pedia centralmente trabalho genuíno e o ingresso nas empresas petroleiras. Um grupo de petroleiros privados toma os tanques da planta de armazenagem e obriga o governo e as empresas petroleiras a uma negociação. Entre 650 e 700 operários começaram a ganhar um subsídio de 850 a 900 dólares a partir deste momento, pago pelas empresas petroleiras, apareceram 4.000 planos trabalhar, e as empresas alimentícias colocaram alimentos para toda a população.
Um movimento muito, muito potente, que envolveu bloqueios de estrada de 3 ou 4 dias, com distintos tipos de enfrentamento. Esse processo de luta durou quase um ano. Depois diminuiu, como conseqüência da traição dos dirigentes que terminaram se comprometendo com o governo. Mas da mesma forma foi um grande triunfo. Como resultado disso, começa a se organizar um setor, que começava a se opor a esse tipo de negociações e seguia lutando por trabalho genuíno no lugar de planos ou subsídios. Este setor começa a se organizar e a pressionar as petroleiras. O movimento vai adquirindo força, consegue trabalho nas petroleiras e nas pesqueiras. Hoje em dia está bastante organizado. Terminou em um momento muito importante, quando se ocupou a fábrica da Repsol durante 4 dias, que afetou toda a região. Por exemplo, as empresas petroleiras corriam o risco de não poder operar por falta de combustível, os barcos não podiam descarregar o combustível, os caminhões não podiam circular porque tudo estava absolutamente bloqueado. Quando se chega ao desabastecimento, se obriga a uma negociação. Houve repressão, mas houve resistência, ou seja, não fomos retirados. Houve três intenções de repressão. A primeira foi muito forte e obrigou uma negociação. Nela foram conquistados 90 postos diretamente através da Repsol e uns 140 através de um plano de obras públicas. De lá pra cá, tentamos uma conexão a nível nacional. Nós formamos parte, somos fundadores do Bloco Piqueteiro Nacional e somos parte da Federação de Trabalhadores Combativos, que é um dos cinco grupos que integra o Bloco Piqueteiro, a ala dura. Ela se define por um Governo dos Trabalhadores, contra as Eleições e coloca uma saída Operária e Popular para a crise.
E aproveitando essa discussão, como se apresenta a situação na Argentina hoje, depois de um ano que o movimento derrubou o presidente?
Pieri: Quanto a termos econômicos e macroeconômicos, a situação na Argentina, poderíamos dizer que está pior, porque os grandes problemas que estavam colocados na Argentina e que provocaram a queda de dois presidentes, seguem ainda de pé. E mais, vêm as eleições e esse problema segue de pé, porque não serão solucionados de fundo. O que é absolutamente uma novidade, é que se abriu um processo totalmente novo e revolucionário de organização e de mobilizações que começam a colocar a solução aos grandes problemas. Percorre um número grande, milhões de companheiros em todo país, o problema do trabalho genuíno, a ruptura com o FMI, contra o imperialismo, por um governo dos trabalhadores. Deixam de ser consignas da esquerda, ou da esquerda radicalizada, para serem consignas de grandes setores de massas. E isso é o novo e o positivo. Porque isso abre a possibilidade da construção de uma direção revolucionária e também de um organismo de massa que contenha o conjunto da população e da classe operária.
Hoje o imperialismo, frente a crise, propõe um novo processo eleitoral. Qual é a política em relação às eleições?
Pieri: Em primeiro lugar, as eleições são convocadas produto da matança que realiza o governo em Puente Pueyrredón, quando há mais de 200 feridos e 2 mortos, os companheiros Maximiliano Kosteky e Darío Santillán. Como resposta a isso, houve uma grande mobilização e o governo quase cai. O governo planejava ficar até 2003 e antecipou as eleições. Ou seja, a antecipação das eleições é fruto do movimento de massa, mas por sua vez, é uma manobra do imperialismo, é um acordo entre o imperialismo e a burguesia argentina, para desviar o que é a grande mobilização de massa para o terreno eleitoral. Mas isto não se dá assim. Mais de 50% das pessoas não pensa em ir votar. A grande maioria das organizações piqueteiras, as Assembléias Populares, os sindicatos combativos, por exemplo a oposição ao CTA, que no último congresso em Mar del Plata (que representa uns 4.000 trabalhadores) se manifestaram totalmente contrários às eleições e chamam, alguns setores a boicotá-las, outros chamam a rechaçar a farsa eleitoral, outros a não participar das eleições ou a votar branco ou nulo. Ou seja, há uma série de posições que se opõem claramente a esta farsa eleitoral. Além disso, são eleições totalmente anti-democráticas, porque se elege somente o presidente e o vice. Quer dizer que qualquer, não falemos dos revolucionários nem nada do estilo, que qualquer tipo meio progressivo vai ter todo o parlamento contra. Só há eleições para que tudo fique como está e a gente exige Que se vayan todos. Neste sentido não é uma armadilha eleitoral a mais, das comuns, é uma grande armadilha, uma enorme armadilha para legitimar tudo o que vem se fazendo até agora. Nós, nesse sentido, todas as organizações piqueteiras que integram o bloco, menos o Polo Obrero e outras organizações mais, estamos chamando a distintas organizações para nos juntarmos e fazer um Bloco para sair e enfrentar as eleições. Nós estamos chamando o boicote e nos unificamos com o resto dos companheiros que estão contra as eleições.
O Movimento Piqueteiro está apresentando algum plano de luta?
Pieri: O Movimento Piqueteiro está apresentando vários planos de luta. Como você bem disse, é um movimento, confluem várias organizações. Todas as organizações têm planos de luta distintos. O problema está nos objetivos dos planos de luta. Desde o ponto de vista burguês, os piqueteiros estão divididos entre o setor moderado e o setor duro. O setor moderado, que seria a CTA e a CCC, com seus líderes D´Elia e Alderete, estão propondo uma negociação com o governo pela discussão dos planos trabalhar e bolsões de comida. O setor mais duro, que vem a ser o Bloco Piqueteiro, impulsionado pelo FTC, está colocando a necessidade de trabalho genuíno e uma marcha bloqueando os acessos e a produção das grandes multinacionais, para que elas gerem empregos genuínos. Fundamentalmente nas petroleiras, as empresas pesqueiras e alimentícias. Estas duas visões têm a ver também com as visões políticas sobre a saída. Todos os dias há mobilizações de piqueteiros, por distintas razões, e é muito possível que na próxima Assembléia Piqueteira comece a se discutir a saída de fundo para este país. Se há acordo, é provável que saía um plano de luta muito, muito duro, unificando os operários que estão trabalhando com os que não estão. Um plano de luta que inclua aumento salarial, nenhuma demissão, que aglutine todo o povo trabalhador enfrentando as multinacionais. Mas isso está por se discutir. No momento há muitas organizações, muitos planos de luta, mas não há um plano de luta organizado a nível nacional.
Esta situação na Argentina abre a possibilidade de construção de uma organização superior dos trabalhadores em termos políticos e partidários?
Pieri: Essa é uma das grandes discussões. Eu sou membro da Frente Operária Socialista (FOS) e com as organizações piqueteiras que nós integramos, FTC e MTD Aníbal Verón, propomos a realização de um congresso unificado das agrupações piqueteiras para começar a construir os elementos fundamentais na Argentina: construir organismos de massas que comecem a colocar o problema do poder, que unifiquem os setores médios, os operários e os desempregados em uma luta comum. Isso por um lado, por outro estamos colocando para seus dirigentes e a outras organizações a possibilidade de construirmos juntos uma organização revolucionária, que seja superior as que existem atualmente. Na Argentina não há um partido que seja visto pelas massas ou pela vanguarda como o partido revolucionário. Então existe a possibilidade de construir isso. É a tarefa de todos os revolucionários, não de um só partido, nós seremos parte disso, mas parte somente. É nosso desejo.
Alguma coisa mais a acrescentar?
Pieri: Simplesmente que o processo revolucionário na Argentina está total e absolutamente ligado ao da América Latina e do Mundo. Que a crise do imperialismo e este levante que existe em toda a América Latina nos deixam tremendamente otimistas, pois ainda que sejam muito duras estas duas tarefas, é muito possível que se realize a muito curto prazo.
(Foto Eduardo Henrique. Tradução Yuri Fujita)