Israel bombardeia casas de civis e até regiões com hospitais


Se no dia 8 de julho o resultado do jogo do Brasil caiu feito uma bomba para o povo brasileiro, imagine para os palestinos de Gaza. A paixão dos palestinos pelo futebol brasileiro já é de longa data: apesar de o costume de torcer por um time brasileiro venha gradualmente sendo substituído pelos times europeus, a seleção brasileira continua sendo a favorita. Infelizmente, ao mesmo tempo em que o massacre no Mineirão era acompanhado por espectadores incrédulos ao redor do mundo, na Faixa de Gaza acontecia um outro massacre que passou despercebido.
 
Não é guerra, é genocídio
O desaparecimento de três jovens israelenses perto de Hebron desencadeou a atual série de agressões de Israel contra a Palestina. Embora o partido palestino mais influente na Cisjordânia seja o Fatah, o primeiro ministro israelense Benjamin, Netanyahu, responsabilizou o Hamas pelo sequestro dos jovens. Desde 12 de junho, sem qualquer prova contra o Hamas e sob a justificativa de descobrir o paradeiro dos rapazes, vários membros do partido islâmico foram presos, e algumas de suas instalações foram atacadas. No entanto, os ataques não se limitaram ao Hamas: logo no início das incursões, dois civis morreram e mais de 361 palestinos foram presos na Cisjordânia. A Anistia Internacional denunciou a operação das Forças de Defesa Israelenses (IDF) como forma de punição coletiva, o que é considerado um crime de guerra pelo Artigo 33 da Quarta Convenção de Genebra.
 
Os bombardeios sobre Gaza começaram em 8 de julho. Mais de 20 mil reservistas já foram convocados, e é possível que aconteça uma incursão terrestre. Até o dia 11 de julho, foram 114 mortos e mais de 700 feridos. O Ministério da Saúde declarou estado de emergência. Além de alvejar casas de civis, regiões com hospitais, principalmente nas fronteiras, são bombardeadas. O Egito, país fronteiriço, permite apenas a entrada de palestinos gravemente feridos e detentores de passaporte egípcio. Pelo menos oito pessoas morreram e dez ficaram feridas quando o café a beira-mar em que era acompanhada a partida de Argentina contra Holanda foi bombardeado.
 
Hamas e Fatah: uma indigesta reconciliação para Israel
Em 23 de abril, os dois principais partidos palestinos anunciam uma reconciliação, que continuaria para as eleições do ano que vem, prometendo um governo de unidade a ser formado em seis semanas. Desde a cisão entre Fatah e Hamas, em 2007, Cisjordânia e Gaza não são governadas de forma unificada: a Autoridade Palestina, impulsionada pelo Fatah, era responsável pela Cisjordânia, e o Hamas, por Gaza. Considerando a Palestina um território ocupado, qualquer governo autônomo palestino não passa de uma ilusão. Na Cisjordânia, Israel controla as fontes de riqueza e fronteiras, além de investir cada vez mais em colônias ilegais. Em Gaza, apesar de as tropas e colonos israelenses terem sido removidos em 2005, o espaço aéreo e as fronteiras permanecem controlados por Israel. Além do sítio, por suposta questão de segurança, Gaza vive um bloqueio que impede que cheguem suprimentos a seu território, sendo necessária a utilização de túneis.
 
Apesar de as reivindicações históricas do povo palestino culminarem na política de um Estado único, laico e democrático para todos, a linha do Fatah é completamente oposta. O Fatah aceita de bom grado ser o organizador da ocupação, em troca de um proto-Estado para administrar. O que parece ainda não ter percebido, mesmo após vinte anos de provas cabais, é que Israel não está interessado em abrir mão da ocupação na Cisjordânia para que o sonho rebaixado do presidente Mahmoud Abbas e companhia se realize. Apesar de repudiarmos a agressão israelense e acreditar no direito de autodefesa do povo de Gaza, não podemos nos enganar com o Hamas. Ainda que possua um discurso inflamado, posicionando-se contra as negociações de paz e o reconhecimento do Estado de Israel, o Hamas reprime duramente o povo de Gaza, tanto em questões da vida prática, em decorrência de ser um partido religioso, quanto por dissidência política.
 
Apesar do insucesso de outras tentativas de unidade, Israel recebe mal a notícia e recusa-se a retornar para as negociações, alegando que a Autoridade Palestina de Abbas estava fazendo frente com uma organização terrorista que não reconhece o Estado de Israel. Em resposta, Abbas afirma que a unidade com o Hamas não altera acordos anteriormente feitos, os quais a Autoridade Palestina tem respeitado desde os Acordos de Oslo, em 1993, como bons organizadores da ocupação.
 
Rodadas de negociação: nem paz, nem justiça
Em 29 de julho de 2013, iniciaram-se novas rodadas de negociação de paz. Abbas critica o avanço das colônias na Cisjordânia e fala em direito de retorno dos refugiados – embora sua perspectiva seja oposta à reivindicação histórica. Netanyahu não só se opõe ao direito inalienável de retorno palestino, como se posiciona contra qualquer possibilidade de um Estado palestino nos territórios de 67, que incluiria a divisão da capital Jerusalém e a demolição do Muro do Apartheid na Cisjordânia. Ao contrário, houve propostas israelenses de avançar o controle sobre o Jordão e de expansão das colônias ilegais na Cisjordânia. Além disso, durante os tais acordos de paz, mais de 500 estruturas, entre elas, uma vila inteira, foram destruídas, e 400 palestinos foram presos. Diante dessa situação, a Autoridade Palestina desiste das negociações e, em 23 de abril de 2014, anuncia a reconciliação com o Hamas.
 
Mohammed Abu Khdeir: presente!
Em 2 de julho, após o enterro dos três jovens desaparecidos, o adolescente palestino Mohammed Abu Khdeir foi sequestrado na rua de sua casa, no bairro de Shu’fat, em Jerusalém Oriental. No dia anterior, o garoto Moussa Zalum escapou de uma tentativa de sequestro no mesmo bairro. Mohammed esperava amigos para irem à mesquita, quando foi empurrado para dentro de um carro por três homens, o que foi registrado por câmeras de segurança de um estabelecimento local. Vizinhos se mobilizaram ao ouvirem os gritos de socorro, mas conseguiram apenas anotar a placa do carro. A família imediatamente entrou em contato com a polícia, que adotou duas linhas de investigação: uma de crime nacionalista e outra de crime (árabe) comum.

A polícia israelense interrogou os pais de Mohammed sobre a possibilidade de que o garoto tenha sido vítima de um crime de honra perpetrado pela própria família, especulando, sem qualquer fundamento a possível, homossexualidade do garoto – numa clara demonstração de pinkwashing (tática de apresentar um país como “gay-friendly” com o objetivo de justificar ou desviar a atenção de uma reputação considerada negativa. Por exemplo, Israel se divulga como um país progressivo em relação aos LGBTTs, o que por si só, não é verdade, para se diferenciar do que chamam de “países árabes intolerantes” e desviar as atenções de suas atrocidades). A família do jovem acusa a polícia de procrastinar a busca.

 
O corpo de Mohammed Abu Khdeir foi encontrado em outro ponto de Jerusalém. A autópsia revelou que ele havia sido carbonizado vivo, após ter sido forçado a engolir gasolina. Explodem diversas manifestações de palestinos nos territórios hoje considerados israelenses. O adolescente americano-palestino Tariq Khdeir, primo da vítima, foi espancado por soldados israelenses até perder a consciência e preso por três dias, sem nenhuma acusação.
 
Em 6 de julho, seis suspeitos do sequestro e assassinato de Mohammed foram presos: um deles assumiu e incriminou os demais. Os acusados foram identificados como membros de diversos grupos da extrema direita e alguns participaram das manifestações racistas que empunham cantos de morte aos árabes, cujos participantes agrediram palestinos e depredaram suas propriedades. Apesar de terem confessado o crime, três suspeitos foram soltos sob a justificativa de que não teriam participado do assassinato em si.
 
Libertação da Palestina: uma tarefa da classe trabalhadora mundial
Israel é um Estado altamente militarizado que se propõe a ser um aliado das potências ocidentais no Oriente Médio, em troca de ajuda financeira e da legitimação de sua existência. O que assistimos hoje não é mais um capítulo de uma guerra religiosa ou de dois povos irmãos historicamente conflitantes, mas o resultado de um projeto de colonização originado na era imperialista do capitalismo. Hoje, Israel é um dos grandes exportadores de tecnologia militar – que de tão inverossímeis, beiram a teoria da conspiração – e tenta entrar na América Latina através do Brasil, obtendo bastante sucesso.
 
Essa situação exige muito mais que reformas ou contenções de danos, mas a libertação da Palestina para que seja construída enquanto nação livre, laica e democrática para todos que ali viverem, independentemente de religião ou de origem étnica, como demanda a reivindicação histórica. É necessário cobrir de solidariedade a resistência palestina com as mais diversas manifestações de apoio e exigir de nossos governos que rompam relações comerciais e diplomáticas com Israel. Para isso, é imprescindível que sindicatos, movimentos sociais e juventude somem forças na campanha internacional de Boicote, Desinvestimentos e Sanções (BDS), pois vencer um projeto colonialista, que exporta tecnologia militar a fim de que governos oprimam seus trabalhadores é uma tarefa de todos nós.