No dia 9 de junho fez cem anos do nascimento de Pagu
Redação

Pagu tem os olhos moles
uns olhos de fazer doer.
Bate-côco quando passa.
Coração pega a bater.

É, Pagu, é! Dói porque é bom de fazer doer!

(poema de Raul Bopp)

Adentremos os olhos tristes da foto de Patrícia Galvão. Naqueles olhos se encontra a mulher de cores antropofágicas, que tão jovem se uniu aos artistas modernistas para redefinir os rumos da arte no Brasil e no mundo. Lá se encontra a militante revolucionária, tantas vezes perseguida por defender o ideal de sociedade justa e igualitária. Lá está “a musa trágica da revolução”, na definição de Carlos Drummond de Andrade.

No centenário de seu nascimento, lembrar ou conhecer Patrícia Rehder Galvão é tatear um espírito revolucionário, feminista, artista. Nascida em 9 de junho de 1910, Pagu desde muito jovem foi uma grande mulher.

Vida
Ainda adolescente, o ato de fumar na rua, as roupas mais ousadas, o corte de cabelo, a forma de falar, tudo em Patrícia denunciava que ela era incomum para seu tempo e sua origem familiar. Em 1925, com apenas 15 anos, Patrícia começa a escrever para o Brás Jornal, sob o pseudônimo Patsy.

Patrícia tinha 19 anos quando conheceu o casal de modernistas Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, se juntando ao grupo de artistas e praticamente se tornando musa do movimento. Em 1930 Oswald separa-se de Tarsila e se casa com Pagu que estava grávida de seu primeiro filho, Rudá de Andrade. Três meses após o parto, Pagu viaja para um festival de poesia na Argentina. Lá, ela conhece Luís Carlos Prestes. Após este primeiro contato com as idéias marxistas, Patrícia volta ao Brasil e se filia ao Partido Comunista.

Em 15 de abril de 1931, Pagu foi presa como militante comunista, durante uma greve dos estivadores em Santos. Quando foi solta, o PCB a fez assinar um documento em que se declarava uma “agitadora individual, sensacionalista e inexperiente”. Esta foi a primeira de 23 prisões que Patrícia sofreu ao longo de sua vida.

Em 1933, é publicado seu primeiro romance, “Parque industrial”, que ela assina como Mara Lobo por exigência do Partido Comunista.

Depois disso, como jornalista, Pagu viajou por países como EUA, Japão, China, União Soviética. Filiou-se ao PC na França, onde foi presa como militante comunista estrangeira, em 1935. Quando seria deportada para a Alemanha nazista, o embaixador brasileiro Souza Dantas a manda de volta ao Brasil.

Ao retornar, Pagu se separa de Oswald e retoma suas atividades jornalísticas. Porém, em 1935, ela é novamente presa e torturada. Ao sair da cadeia 5 anos depois, Patrícia rompe com o PCB, em 1940. Descontente com as posturas do stalinismo, Pagu adere então ao trotskismo, se incorpora à redação do jornal A Vanguarda Socialista, junto com seu segundo marido Geraldo Ferraz, o crítico de arte Mário Pedrosa, Hilcar Leite e Edmundo Moniz. Do casamento com Geraldo Ferraz, nasce seu segundo filho, Geraldo Galvão Ferraz, em 18 de junho de 1941.

Após a descoberta de que tinha câncer, Pagu volta a Paris em setembro de 1962, para ser operada. A cirurgia não teve sucesso e ela tenta suicídio, o que já havia feito após sair da cadeia em 1940. Morreu em dezembro de 1962.

Literatura de cores proletárias
Pagu publicou os romances Parque Industrial (1933), sob o pseudônimo Mara Lobo, e A Famosa Revista (1945), em colaboração com Geraldo Ferraz. Escreveu também contos policiais, sob o pseudônimo King Shelter, publicados na revista Detective, dirigida pelo dramaturgo Nelson Rodrigues. Além disso, revelou e traduziu grandes autores até então inéditos no Brasil como James Joyce, Eugène Ionesco, Arrabal e Octavio Paz.

“Parque Industrial”, que Pagu escreveu ainda muito jovem, foi um marco: é considerado o primeiro romance proletário brasileiro. O livro adentra, com todas as cores reais, o cotidiano das mulheres operárias da década de 30 na região do Brás em São Paulo.

No Parque Industrial de Pagu estão os dias cansados, as ruas, as casas, os quartos, os sonhos das operárias. Lá está a trabalhadora grávida, que perde o amante, o emprego, o filho, a liberdade.

“Na grande penitenciária social os teares se elevam e marcham esgoelando”. Depois, Pagu pinta o fim de turno: “Novamente as ruas se tingem de cores proletárias. É a saída da fábrica”. “O apito escapa da chaminé gigante, libertando uma humanidade inteira que se escoa para as ruas da miséria. Um pedaço da fábrica regressa ao cortiço”.

A escritora também escancara as janelas burguesas. “A burguesia combina romances medíocres. Piadas deslizam do fundo dos almofadões. Saem dos arrotos de champanhe caro. O caviar estala nos dentes obturados”. Caricaturiza a patroa, estabelecendo poética comparação: “Madame, enrijecida de elásticos e borrada de rímel, fuma, no âmbar da piteira, o cigarro displicente. Os olhos das trabalhadoras são como os seus. Tingidos de roxo, mas pelo trabalho noturno”.

Pagu mostra o despertar das operárias para a luta. “O Brás acorda. A revolta é alegre. A greve, uma festa!”. Depois, mostra a repressão.

No Parque Industrial, Pagu se veste de todas aquelas mulheres. Ela é Rosinha Lituana, dirigindo e encorajando as colegas. Ela é a esperança de Otávia, é a dor de Corina.

Pagus
Nos olhos tristes da fotografia de Pagu encontram-se a Mara Lobo, a Patsy, a Corina, a Patrícia, todos os nomes a que ela tem direito para se fazer lembrar. E o centenário de nascimento de Patrícia Galvão reimprime a necessidade de todas nós, mulheres revolucionárias, sermos a cada dia um pouco do que foi Pagu.