No mesmo dia (29/3) em que o pato da Fiesp estampou as páginas do principais jornais do país, uma convocação para o ato do 1º de abril foi censurada pela Rede Globo em Natal (RN). Mesmo com o espaço publicitário já pago, a TV Cabugi (filial da Globo na cidade), vetou a transmissão do chamado após sua primeira exibição, alegando que não estava claro que eram os organizadores. Mas a Fiesp também não assina embaixo de seu ridículo mascote e nem por isso sua propaganda foi vetada.
Os organizadores do ato do 1º de abril, com razão, reclamam do veto político e do serviço pelo qual pagaram e não receberam. Já os governistas, vendo os patinhos e os pedidos de impeachment circulando por aí, fizeram alarde e denunciaram o fato da imprensa estar se posicionando a favor do suposto golpe. Imediatamente, surgem alguns questionamentos sobre a suposta imparcialidade do jornalismo, a neutralidade da mídia, etc. “O jornalismo imparcial morreu!”, disseram alguns se apoiando em manuais de redação da própria grande imprensa. Mas afinal, o que é o jornalismo no capitalismo?
Uma mercadoria chamada notícia
O jornalismo tal como conhecemos hoje não pode ser entendido fora do capitalismo. Ele nasceu com ele. Mais especificamente, junto com a volta da atividade mercantil e com a grande circulação de mercadorias na Europa, no final da Idade Média. Pelas mesmas rotas em que passavam produtos, passavam também notícias sobre a economia e política dos países, que ajudavam no cálculo comercial dos mercadores. Datas de chegadas de navios, cotações de produtos etc. Era uma necessidade econômica para evitar o prejuízo dos comerciantes. É aqui que surgem os primeiros profissionais que vão escrever essas notícias e que vão vendê-las como qualquer outra mercadoria.
Posteriormente, no século XVIII, quando a burguesia já havia se estabelecido como classe e começa a se chocar com os reis e senhores feudais, os jornais começam a assumir outro caráter. Surgem as primeiras redações e as notícias ganham um tom mais ideológico que pouco diferem da propaganda política. Aliás, políticos e jornalistas se confundem, muitas vezes são a mesma pessoa. Essa característica vai durar até mais ou menos o começo do século XX. É quando os jornais assumem nitidamente seu caráter de classe.
Depois que a burguesia chegou ao poder com a Revolução Francesa de 1789, começa a reprimir toda atividade política que quisesse dar continuidade ao processo revolucionário. Com a diminuição da atividade política e já com a industrialização, o jornalismo passa por uma segunda transformação. O antigo político que usava o jornal para fazer propaganda ideológica converte-se de redator para dono de jornal. A redação assume o caráter de empresa capitalista, como qualquer outra. E assim, passa a ter como objetivo o lucro, além de continuar servindo como instrumento ideológico de classe. É por isso que no final do século XIX se chegará à maior venda de jornais por habitante na história do jornalismo.
Como qualquer outra mercadoria, a notícia procura realizar o maior lucro possível com o menor investimento. O redator transforma-se em assalariado, cada vez mais mal pago. O editor nada mais é do que um gerente de negócios. Notícia é o espetáculo sensacionalismo que vende jornal, e não a informação e nem a verdade. E o leitor, só é importante porque garante a venda de espaço publicitário, verdadeira fonte de lucro dos jornais. E como em qualquer outro setor da economia no capitalismo, há uma tendência à concentração dos meios. Quando os donos de jornal esbravejam e defendem a liberdade de imprensa, estão defendendo a liberdade econômica de suas empresas e seus lucros. Não é nada diferente de quando os industriais brigam por menos intervenção estatal, menos impostos e menos leis trabalhistas.
Grande imprensa é um partido da burguesia
Essa transformação cada vez maior do jornalismo em mercadoria não o fez perder seu caráter ideológico. Pelo contrário. A suposta “imaterialidade” da notícia só reforça o seu fetichismo enquanto mercadoria.
Assim como os partidos tem seus manifestos, programas, sedes, filiados e um projeto de sociedade, os jornais tem suas linhas editoriais, seus manuais de redação, suas sucursais, seus repórteres e uma concepção de mundo que transmitem aos seus leitores. Essa comparação não é à toa.A grande imprensa atua como um grande partido burguês, que tem várias correntes internas mas, em última instância, ainda defendem os interesses de classe da burguesia. Isso, em partes, explica o discurso dos governistas sobre a mídia golpista. Mas não o justifica.
O pato da Fiesp matou a imparcialidade?
O jornalismo imparcial não morreu. Ele nasceu morto. Na verdade, a ideia de imparcialidade não passa de mais um artifício ideológico burguês, para legitimar seus veículos e, claro, vender notícia. A imparcialidade é a aparência do valor de uso se uma mercadoria: a notícia. E assim como lâmpadas, que tem a obsolescência programada (duram apenas um determinado tempo e depois “queimam”) para se vender mais lâmpadas, a notícia tem que ser objetiva e factual, para garantir que o leitor volte a comprar o jornal amanhã. Afinal, se os leitores fossem informados e entendessem o processo histórico e sua repercussão, ninguém compararia jornal. Nem se deixaria impressionar pelo sensacionalismo. Bastaria apenas ler o Diário Oficial, não? Mas como dizia Marx, o capitalismo não cria apenas as mercadorias, mas também seus consumidores.
Pensar outro jornalismo
Portanto, não há com o que se assustar. O jornalismo que temos hoje nasceu com o capitalismo. E se a imprensa sai do armário, é de um armário de vidro. No fundo todo mundo já sabia. A chamada grande imprensa é um conglomerado de empresas capitalistas e como tal vão sempre defender seus interesses de classe, os da burguesia. É por isso que se permite o pato da Fiesp e não o chamado para o 1º de abril.
E para quem quer pensar o futuro, libertar-se da forma capitalista de fazer jornalismo não é negar suas técnicas industriais, nem tampouco fazer jornalismo objetivo e imparcial. Ele não existe. Libertar-se da forma capitalista é, em primeiro lugar, questionar a propriedade privada dos meios de produção, como as gráficas, as transmissoras e as concessões. Segundo, e não menos importante, é pensar em outras formas de se tratar a notícia, é buscar outros critérios que não o da venda e o lucro. Mas isso é assunto para outro texto.