Erika Andreassy, da Secretaria de Mulheres do PSTU

Érika Andreassy, da Secretaria de Mulheres do PSTU

A morte de Maradona, nessa quarta-feira (25) abalou não apenas os fãs de futebol, mas repercutiu no mundo inteiro, causando comoção dentro e fora do mundo esportivo. Genial em campo, considerado um dos melhores jogadores de todos os tempos e extremamente carismático, Maradona foi muito mais que um ídolo do esporte.

Polêmico e irreverente, nunca teve medo de se posicionar politicamente. Tampouco se esqueceu da origem humilde. Ao longo de sua trajetória, defendeu causas sociais e posições anti-imperialistas, e usou seu prestígio internacional para apoiar mobilizações e lutas como a causa do povo palestino, a luta contra a ALCA e a legalização do aborto.

Em que pese suas confusões políticas, declarou que era completamente esquerdista: “de pé, de fé e de cérebro”, disse. Mas, embora muito diferente do Che Guevara combatente do socialismo que ele tinha tatuado no corpo, é o significado do Castro-Chavismo que ele apoiava, isto é, defensores de ditaduras capitalistas disfarçadas com o uso do termo socialista.

Mas nem só de glória e carisma viveu o ídolo. Fora dos campos, sua vida foi marcada também por excessos e situações lamentáveis. O ex-jogador argentino tinha um histórico de machismo e violência contra mulheres que não pode ser minimizado. Entre idas e vindas de clínicas por conta de seu conhecido vício em álcool e cocaína, Maradona ocupou espaço na mídia por romances conturbados, disputas legais com suas ex-companheiras, acusações de agressão e filhos os quais se negou a reconhecer.

Machismo e violência

Em 2014, circulou na Internet um vídeo de Maradona agredindo sua então namorada Rocío Oliva. Na gravação, o ex-craque, visivelmente bêbado, se levanta do sofá e se irrita ao ver a companheira mexendo em seu telefone. “Continua olhando meu celular?”, repetiu Maradona, antes de desferir dois golpes em Rocío. Apesar da cena, o ex-jogador insistiu em dizer que não a agrediu. “Sim, joguei o telefone, mas juro que nunca levantei a mão para uma mulher”, disse à época. Em 2017, outra briga do casal voltou a se tornar pública, quando funcionários de um hotel madrilenho, onde ambos estavam hospedados a passeio, chamaram a polícia por denúncias de agressão.

Sua ex-mulher e mãe de duas de suas filhas, Claudia Villafañe, também mencionou a violência psicológica de Maradona durante o casamento, quando ainda justificava todas as atitudes e atos de infidelidade do craque, e alegou que as acusações recentes de desvio de dinheiro e roubo de objetos, da qual foi inocentada na justiça, teriam sido motivadas por ciúmes e perseguição por parte de Maradona, que começou depois de ver fotos do então companheiro de Claudia com o neto deles nas redes sociais.

Maradona e Claudia viveram juntos por 13 anos, até 1998 quando ela pediu o divórcio e a guarda das filhas. Anos mais tarde, em 2015, ele a acusou de roubo, fraude e malversação de fundos, isso porque em 2003, Claudia ganhou o direito de administrar o espólio do jogador, como forma de garantir a herança das filhas. O craque também questionou na justiça divisão de bens após a separação.

Em um processo civil por danos morais, em 2018, Claudia disse que há tempos sua família assiste “com uma dor tremenda a um espetáculo de mídia que eles não podem acreditar: o de sua mãe exposta à zombaria, desqualificação, difamação, humilhação, insulto e nada menos que pelo próprio pai”.

Maradona não poupou nem as filhas por terem se posicionado em defesa da mãe. Em 2017 ele as incluiu no processo por roubo movido contra Claudia acusando essa de influenciar aquelas. Mais tarde ele também ameaçou deserdá-las por terem criticado seu estado de saúde.

Envolvimento com menores

Em março do ano passado, fotos onde aparece abraçado à duas moças nuas, aparentemente menores de idade, vazaram para internet. Seu advogado Matías Morla, o defendeu argumentando que se tratava de fotos antigas de uma de suas viagens à Cuba.

Seu envolvimento com Natália Garat, cujo relacionamento teria resultado no nascimento, em 2003, de Santigo Lara (o caso ainda segue na justiça, mas antes de morrer Maradona já havia concordado com o teste de DNA), também não passou despercebido. Natália morreu em 2006 de câncer, aos 23 anos, quando Santiago tinha apenas 3 anos, mas segundo o advogado do rapaz, quando ela e Maradona começaram a se relacionar Natália tinha menos de 18 anos.

O envolvimento do ex-campeão com mulheres bem mais jovens que ele não é novidade. Veronica Ojeda, mãe de seu filho, Diego Fernando, é 20 anos mais nova que o ex-jogador, sua namorada Rocío Oliva, 30 anos mais nova.

Paternidade irresponsável

A irresponsabilidade reprodutiva é outra parte do vergonhoso histórico de machismo de Maradona. O craque deixa cinco filhos legalmente reconhecidos. Dalma, Giannina, Diego Junior, Jana e Diego Fernando. Dois dos quais tiveram que enfrentar processos judiciais para que ele os assumisse como pai biológico. Além disso tramitam na Justiça outros seis pedidos de reconhecimento de paternidade envolvendo Maradona: os cubanos Javielito, Lu, Johanna e Harold, e os argentinos Santiago Lara e Magalí Gil, todos com idade entre 19 e 24 anos.

O filho mais velho, Diego Junior, tinha 29 anos quando foi reconhecido. Maradona chegou a declarar que embora a justiça tivesse imposto a ele cumprir com suas obrigações de pai, não podia obrigá-lo a gostar do filho italiano, fruto de uma relação extraconjugal com Cristina Sinagra. E reiterou que “aceitar não é reconhecer”, e que “as únicas” filhas que tinha eram Dalma e Gianinna, de seu casamento com Claudia Villafañe.

O mesmo aconteceu com Jana, cuja mãe é a argentina Valeria Sabalain. Nascida em 1996, foi reconhecida apenas em 2013, novamente após uma longa disputa nos tribunais. Quanto a “Dieguito” Fernando, o caçula que ele reconheceu nos Emirados Árabes Unidos na época de seu nascimento, apesar de ter ganho desde o primeiro minuto o sobrenome do pai, devido à relação conturbada entre Maradona e sua ex-companheira, Monica Ojeda, o menino passou vários anos sem ter um relacionamento próximo com o ex-campeão de 1986.

Digno de homenagem?

Alguns setores se questionam se diante de sua vida pregressa, marcada também pelo machismo e episódios de violência, bem como da irresponsabilidade frente aos filhos “ilegítimos”, Maradona mereceria nosso reconhecimento e homenagem como gênio e ídolo do futebol, com o qual se emocionam milhões em todo o mundo, especialmente pobres e trabalhadores.

Nossa opinião é que, assim como não julgamos a obra pelo autor, a parte pelo todo e nem o todo pela parte, no caso de Maradona, se bem ele é digno de admiração e respeito seja por sua genialidade como atleta, que tanta alegria e encanto nos trouxe, seja por seu posicionamento político de defesa inconteste das lutas sociais, suas atitudes machistas e sua conduta frente às mulheres e aos filhos não podem simplesmente ser esquecidos mas sim veementemente condenados.

Inclusive, para combater veementemente seu lado odioso e reprovável, não necessitamos e não devemos desconhecer e deixar de reconhecer o lado que realmente comociona multidões, especialmente de jovens pobres, em todo planeta.

Ídolos como Maradona e tantos outros, tem responsabilidade muito maior por sua conduta, pois elas reverberam em toda a sociedade, para o bem e para o mal. Quando um artista famoso ou um astro do esporte se posiciona publicamente sobre determinada questão, sua voz serve de amplificador, o mesmo ocorre com o silêncio cúmplice que muitas vezes fala por si só. Mas seus atos não são menos importantes, assim como um punho cerrado num podium olímpico tem um simbolismo e significado que palavra nenhuma pode descrever, uma atitude machista ou um comportamento racista e/ou homofóbico também tem a mesma relevância.

O machismo contra suas companheiras ou irresponsabilidade frente aos filhos por parte de um homem público como Diego Maradona não são apenas erros e práticas de um ser humano, elas têm consequências que extrapolam sua vontade. Minimizar esses comportamentos ou justificá-los sob a alegação de que não são tão importantes diante de tudo o que ele representou para o povo, é naturalizar a opressão e a violência contra as mulheres contra o qual tanto lutamos.

Fazer filhos por aí e só reconhecê-las após anos de batalhas judiciais e escândalos midiáticas não podem ser considerado um simples detalhe. Quando recentemente, a boa relação do ex-jogador de com seus filhos Diego Junior e Jana se estabeleceu e passou a ser celebrada, as pessoas se esqueceram dos anos em que ele os manteve à sombra enquanto passeavam por toda parte com Dalma e Giannina, suas filhas “legítimas”, numa reprodução do machismo naturalizado que classifica os filhos de acordo com a posição da mulher na relação com o homem, de “esposa” ou “amante”. Tampouco se lembram da luta de suas mães que tiveram que cuidar completamente de seus filhos enquanto ele desfrutava sua vida.

Questionar Maradona por suas atitudes machistas, portanto, não é negar seus outros méritos, mas apontar suas contradições e alertar aos que o tem como ídolo, que sua conduta frente às mulheres e aos filhos não foi e não deve servir exemplo pra ninguém, sobretudo para os homens da classe trabalhadora.

Mas isso não significa não reconhecer o que ele foi ou o que representou para o povo argentino e do mundo inteiro que hoje chora sua morte, especialmente para os mais pobres. Maradona é digno de nossa homenagem por seu talento como atleta e a figura política, sem minimizar seus problemas e faltas morais com o qual não temos o menor acordo, mas apesar deles.