Dirigente cubano Raul Castro

A Assembleia Nacional de Cuba aprovou, nesse dia 29 de março, uma legislação que libera a entrada de capital estrangeiro no país e concede aos investidores garantias legais e enormes facilidades fiscais.

A lei havia sido apresentada no ano passado pelo governo de Raúl Castro e, de fato, abre todos os setores da economia ao investimento estrangeiro, exceto saúde, educação e imprensa. Entre as vantagens oferecidas pela nova legislação, estão as seguintes:

a) Os lucros das empresas estrangeiras estarão isentos de impostos durante oito anos. Após esse período, passarão a pagar uma taxa de 15%, mas estarão isentas dessa cobrança se reinvestirem seus lucros na ilha;

b) A lei garante “plena proteção e segurança aos investidores, que não poderão ser expropriados, exceto por razões de utilidade pública ou interesse social”. Neste último caso, haverá indenização.

Uma dura polêmica
Há muito tempo já existe um debate dentro da esquerda mundial e latino-americana sobre o caráter de classe do Estado cubano. A grande maioria da esquerda, especialmente o que chamamos de “corrente castro-chavista”, afirma que Cuba é o “último bastião do socialismo”. Defendem, por isso, incondicionalmente, as medidas do governo Raul Castro e atacam duramente —chamando-os de “agentes do imperialismo”— todos os setores da esquerda que não compartilham dessa caracterização, especialmente se são opositores ou críticos do castrismo.

Infelizmente, muitas correntes trotskistas ou provenientes do trotskismo, embora se oponham ao regime dos irmãos Castro, ainda acreditam que há um “Estado operário burocratizado” em Cuba e que, “apesar de o castrismo ter um plano para restaurar o capitalismo”, ainda não se produziu a mudança de qualidade. Como se verá adiante, este debate é fundamental para os revolucionários no momento de elaborar um programa para Cuba.

A restauração já aconteceu
Para nós, da LIT-QI, e para algumas outras poucas correntes, a restauração capitalista já aconteceu e foi realizada pela própria direção dos irmãos Castro.

As principais etapas da restauração foram:

• A Lei de Investimentos Estrangeiros de 1995, que criou as “empresas mistas”, administradas pelo capital estrangeiro. Os investimentos foram dirigidos principalmente ao turismo e ramos relacionados, mas logo expandiram-se para outros setores, como produtos farmacêuticos e, posteriormente, ao petróleo;

• Foi extinto o monopólio estatal do comércio exterior, até então exercido pelo Ministério do Comércio Exterior: tanto as empresas estatais como mistas poderiam, a partir de então, negociar livremente as suas exportações e importações;

• O dólar se transformou, de fato, na moeda real de Cuba, coexistindo com duas moedas nacionais: uma delas “convertível” em dólares e outra “não-convertível”;

• A produção e comercialização de cana-de-açúcar foi privatizada de fato, através das “unidades básicas de produção cooperativa” (80% da área cultivada). Seus membros não têm a posse legal da terra, mas repartem os lucros obtidos. Em 1994, começaram a funcionar os “mercados agropecuários livres”, cujos preços são determinados no mercado.

A partir dessas medidas, a economia cubana parou de funcionar em função do planejamento econômico estatal e passou a funcionar, embora de maneira distorcida, em função das leis do lucro e do mercado.

Cuba deixou de ser um Estado operário para se tornar um país capitalista em rápido processo de semicolonização. Neste processo, a cúpula castrista foi se transformando em sócia dos capitais estrangeiros, garantindo seus negócios, e, ao mesmo tempo, enriquecendo com eles, por meio das empresas estatais e de sua participação nas empresas mistas.

Ao mesmo tempo, ocorria um processo de deterioração cada vez maior das conquistas da revolução em áreas fundamentais como a saúde, educação, garantia de emprego, abastecimento, etc.

As dificuldades do debate
O debate sobre a situação atual de Cuba é bastante difícil. Confronta-se com o respeito e o prestígio que os irmãos Castro, especialmente Fidel, adquiriram, ao dirigir a primeira revolução socialista na América Latina e construir o primeiro Estado operário sob as barbas do imperialismo.

No entanto, nós, marxistas, devemos discutir sobre fatos concretos, tratando de evitar que as emoções e os sentimentos nos confundam. E os fatos nos mostram que foi a própria direção castrista quem restaurou o capitalismo na ilha.

Para todos aqueles que ainda argumentam que existe “socialismo” em Cuba ou um “Estado operário”, perguntamos: o que tem de “socialista” ou de “economia planificada” nesta nova lei de investimentos estrangeiros? Como esta lei poderia ser compreendida a partir dessas definições?

Em contrapartida, para nós esta lei é inteiramente consistente com a caracterização de que o capitalismo já foi restaurado e que o país passa por um processo de semicolonização pelo capital estrangeiro, com a cúpula castrista associada a ele.

As conclusões para o programa
Mas este não é um debate sobre emoções ou sentimentos. Nem para ver quem estava com a razão em uma discussão acadêmica. É um debate que tem profunda importância no programa proposto para Cuba e seus eixos principais. A defesa incondicional do governo castrista e de suas medidas, conforme apregoa o castro-chavismo? A defesa das bases do Estado operário, conforme as correntes trotskistas que ainda defendem essa caracterização? Ou, ao contrário, de acordo com a LIT-QI, oposição às medidas do governo, tendo em vista a necessidade de uma revolução contra o regime dos irmãos Castro, para reconstruir o Estado operário e suas conquistas?