O procurador da República Luiz Francisco Fernandes de Souza concedeu uma entrevista ao Opinião Socialista durante o Encontro Nacional Sindical. Nela, Luiz Fernando denuncia as reformas neoliberais do governo Lula, os possíveis ataques ao Judiciário e a operação abafa nas CPIs
Opinião Socialista – Qual a sua opinião sobre as reformas Trabalhista e Sindical e o porquê de sua participação neste encontro?
Luiz Francisco – Eu vim pra cá pra aprender, colher material e conversar com algumas pessoas que eu respeito. Quanto à reforma Sindical eu sou contra, assim como fui contra a da Previdência, como sou radicalmente contra a do Judiciário, como acho a Tributária uma coisa ridícula. Em vez de uma reforma anti-capital, anti-latifúndio,
que amplie o poder fiscalizador e regulamentador do Estado, fazem uma mini-reforma
Tributária que só prepara caminho pra Alca.
A reforma Sindical só vai dar poder pra cúpula, o que prova que tem a mesma essência
da reforma do Judiciário e a mesma da reforma Política. Por isso eu sou contra.
A reforma do Judiciário está no centro de várias polêmicas importantes, que têm a ver até com o poder de Justiça sobre o governo. Como você vê esta questão do poder de Justiça sobre o governo Lula?
Sou radicalmente contra o modelo de reforma do Judiciário que está sendo defendido pelo governo Lula. O correto é o que o Fábio Konder Comparato (jurista e professor da USP) falou: organizar o contrapoder popular. E a única reforma correta é a democratização do Judiciário. É o povo brasileiro elegendo os ministros do Supremo. É eleição, por parte dos juízes e servidores, dos presidentes dos tribunais. É também os servidores elegendo uma série de cargos, secretário de administração etc. É uma auditoria interna aberta e independente, com mandado, e sob controle transparente e popular. Nada disso está previsto lá. A reforma do Judiciário, como está prevista, estabelece o controle do Palácio do Planalto e do governo sobre o Judiciário e o Ministério Público. Aí, por exemplo, se você é um procurador e vai investigar um ato do governo, ele poderia simplesmente te destituir, te tirar o caso, te transferir ou te demitir. Então, o Palácio teria vastos tentáculos contra juízes e procuradores rebeldes.
O ideal em uma reforma do Judiciário é o controle popular. Ter transparência e mecanismos de intervenção, de destituição, por parte do povo. E isso não está previsto.
O controle do Planalto sobre o Judiciário, através da reforma, é combinado com a Lei da Mordaça?
É sim. Na verdade, o projeto da Lei da Mordaça está lá, já passou na Câmara, está no Senado e a qualquer minuto pode ser aprovado. O governo mantém aquilo lá como uma espada, suspensa sobre as cabeças de todo mundo. Na verdade, o governo sabe que aquele projeto da Mordaça é fascista.
Todos os promotores, policiais, membros do Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas seriam atingidos. Se qualquer um desses souber de uma informação,
uma falcatrua, e passar pra imprensa, pro povo, será demitido, paga duzentos mil
reais de multa, pode pegar três anos de cadeia.
Caso tenha sursis, ficará três anos sem prestar concurso público. Então é um projeto
fascista, parecido com o antigo AI-5.
Essa questão da transparência esta ligada à CPI do Caso Waldomiro. Como você está vendo este processo?
Eu defendo a CPI dos Bingos, do Waldomiro, do financiamento, defendo a CPI do cartão de saúde, que o PT já tem assinaturas suficientes para instalar, mas fez um acordo com os tucanos no ano passado. Quer dizer, eles recolheram assinaturas pra CPI do cartão de saúde, que pode atingir o Serra, e o PSDB recolheu assinaturas pra de Santo André. E botaram na gaveta. Fizeram um acordo, que o Tião Vianna confessou. Defendo todas as CPIs, como a de Santo André e aquela velha da Corrupção. O que o governo está fazendo é loucura.
O que o governo está fazendo é loucura. Se a tese vingar, não vai ter mais CPI. Basta que o governo, quando não conseguir impedir que a oposição recolha assinaturas, não indique e a CPI não se instale. Então, acabou a CPI. É uma tese obscena. Eu acho que esse governo é bem melhor do que os tucanos, mas nem os tucanos nesse ponto chegaram ao grau de cinismo de querer impedir uma CPI, quando tinha assinaturas pra isso. O que o governo anterior fazia era negociar a retirada de assinaturas, dando recursos, cargos, fisiologismo puro, mas não chegava a não indicar nomes em uma CPI.
Você acha que mudou a relação do governo com o Congresso, do ponto de vista do fisiologismo?
Não. Ainda tem fisiologismo. É um pouco melhor, pois o governo anterior privatizou a Vale do Rio Doce, entregou todos os campos de petróleo de graça, privatizou o sistema Telebrás e entregou estatais. Então, não deixou muito pra este governo. Agora este está privatizando os bancos estaduais.
Você teve um papel bastante importante ao denunciar o senador Antonio Carlos Magalhães. Você esperava que ele virasse bombeiro de Lula em crises?
Naquele momento, minha preocupação era, primeiro, enterrar o ACM. Depois, jogá-lo na oposição. O ACM chegou e falou que sabia como pegar o Eduardo Jorge, que ele não valia nada. Divulgar aquilo jogaria o ACM na oposição, o que ocorreu. O que não esperava era que a ala carlista, a da Roseana, do Tasso, acabassem na base do governo. PL, PTB, até o partido do Maluf. Isso eu não acreditava. Vale o ditado, dizem-me com quem andas e te direi quem és.
Está no editorial de nosso último jornal…
É? Enfim, pessoas que se servem de Sarney, de ACM, não estão em boa companhia no que toca aos interesses do proletariado, do campesinato, dos miseráveis do país.
Como você está vendo a remessa de capitais? Segundo a Maria Lúcia Fattorelli, há uma facilitação de envio de capitais ao exterior, com a circular 3.187 do Banco Central.
A Fatorelli está coberta de razão. A CPI do Banestado, que lutei feito doido para abrir, foi justamente para acabar com a conta CC5, a barriga de aluguel. Meu objetivo era pegar toda a classe dominante que tem conta lá fora, mais de cem mil pessoas e uma porção de políticos. A CPI virou mortaviva, por conta do José Mentor, que é homem do seu José Dirceu. Ela vai até junho, mas ninguém ouve falar, porque praticamente acabou. Eu estou com três queixas-crime do Bornhausen, mas estou injuriado porque ninguém o chamou para depor.
Agora, isso é necessário por conta da política econômica e é um absurdo e um crime, porque é totalmente atrelada ao capital internacional volátil. Eles precisariam do capital, acontece que o capital internacional não aporta aqui, e você, por exemplo, sendo um capitalista internacional ou ligado ao tráfico dos cartéis, não colocaria dinheiro aqui se não pudesse tirar. Esse mecanismo que o governo faz é decorrente de sua política econômica genocida. O correto era atacar os grandes paraísos fiscais. Para isso teria que fazer a auditoria da dívida, para deixar claro que que essa dívida é espúria. Eu defendo a auditoria e o conseqüente não pagamento. Romper com o FMI, com a Alca. Esse era o caminho que o Lula deveria desenvolver. Ao invés disso, o que vem fazendo? Acabou com a CPI e abriu com a circular uma outra conta que tem remessa praticamente livre para fora. O que faz com que todo político e todo grande empresário possam ter seu caixa dois num paraíso fiscal, tranqüilos, controlando a conta num cibercafé.
A gente vai chegar ao fim do governo Lula com um Judiciário submisso, com a Lei da Mordaça e as reformas Sindical e Trabalhista. Neste ritmo, qual será o sentimento da população no final deste governo?
Eu acho que as pessoas vão ficar frustradas, o PT vai acabar rachando e as pessoas boas de lá vão acabar formando talvez um outro partido maior, mais ampliado, que pode estar ligado ao PSTU talvez, ou o PSTU se funda para poder reagrupar organizações ligadas aos oprimidos.
Você acha que esse é o caminho?
Tem de ser esse o caminho. O governo mantém políticas neoliberais que deixam milhões morrendo de fome, milhões de crianças morrendo a cada dia, porque o governo dá dinheiro para os capitalistas. A gente tem aqui no Brasil um sistema público que dá dinheiro para os ricos, que é a aplicação, a ciranda.
Quer dizer, você ganha um milhão na loteria, aí não precisa mais trabalhar. Vai no banco e diz: Eu quero aplicar na dívida pública do governo. Aí vive sem trabalhar porque ganha de 15 a 17% mais inflação por ano. Aí, pra que vais trabalhar?
E os recursos do Estado vão para a dívida, mais de 150 bilhões, mais a rolagem da
dívida. Então, todo ano, além dos 150 bilhões, endivida-se mais 60 a 80 bilhões.
Quais as suas expectativas com o cenário político atual?
O FHC se dizia social-democrata. Mas na prática era neoliberal. Esse governo atual se diz socialista, mas na prática é neoliberal.
A luta está mais complicada do que no governo anterior. Porque toda a mídia (e o poder da imprensa é gigantesco), fechou para defender o governo. A esperança que tenho é de um sindicalismo desatrelado do governo, que faça grandes greves e o obrigue a romper com a política neoliberal. A gente não pode perder a esperança disso. Acho que temos de criticar o governo e exigir que ele rompa. Até porque se não romper a gente tem mais um motivo para criticar.
Post author Por Gustavo Sixel e Wilson H. Silva
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