Quando avaliamos os mais diversos aspectos da vida sócio-econômica brasileira, todo e qualquer dado que seja considerado aponta para existência de um enorme abismo entre negros e brancos. Em termos salariais, por exemplo, uma recente pesquisa do Ipea revelou que enquanto um homem branco recebe, média, R$ 934,00, uma mulher branca ganha R$ 633,30, um homem negro tem o salário de R$ 458,90 e uma mulher negra recebe apenas R$ 325.40.

Esta desproporção também é encontrada nos níveis de desemprego (45% maior entre negros), na diferença salarial, nos índices de alfabetização, nas vítimas da violência policial (espantosamente superior entre jovens negros). Por essas e muitas outras, existem o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de 2000, detectou que se considerarmos apenas o “Brasil Branco”, o país ocupava a 44ª posição entre as nações mais desenvolvidas; já o “Brasil Negro” estava na 105ª posição do ranking. De lá para cá, esse abismo continua exatamente o mesmo.

Ao assumir e criar a Secretaria Especial de Políticas de Promoção e Igualdade Racial (Seppir), Lula prometeu mudar este quadro. E também neste campo seu governo é muito mais do que uma decepção.

Em primeiro lugar, por mais que Lula possa falar, seu governo não pode fazer outra coisa a não ser aprofundar as conseqüências do racismo na medida em que a aplicação do receituário neoliberal do FMI apesar de afetar o conjunto dos trabalhadores e da juventude, significa um massacre particularmente para aqueles que foram historicamente marginalizados, como negros e negras. Como também é importante lembrar que, para aplicar seus planos, Lula se aliou com os setores reacionários, conservadores e elitistas do país. Setores historicamente identificados com a opressão racial e superexploração de negros e negras.

Particularmente no campo da educação, Lula afirma que está fazendo uma “revolução racial” através de programas como o de cotas nas federais e do ProUni. Isto é muito mais do que uma farsa. É o que podemos chamar de uma “cereja num bolo envenenado”. Medidas raquíticas, que em nada contribuirão para combater o racismo, adotadas com o propósito de ganhar o apoio da população negra e do movimento para sua nefasta proposta de reforma universitária.
Por isso, não só devemos repudiar a Reforma de conjunto, como também denunciar seu viés pretensamente racial. Algo que fica evidente numa simples análise das propostas. No que se refere às cotas, o governo está propondo a reserva de 50% das vagas nas universidades federais para alunos provenientes de escolas públicas. Dentro destes 50%, negros e índios (que tenham estudado ao menos três anos do ensino médio na rede pública) teriam uma “cota” proporcional à indicada pelo censo de 2000.

Na prática, em São Paulo, por exemplo, das 1.889 vagas existentes nas federais, 944 seriam destinadas aos estudantes das públicas. Destas, 258 (27,4%) seriam para negros e negras, e o ridículo número de uma vaga ficaria para os indígenas! Ou seja, no estado de S. Paulo, a proposta de cotas de Lula é, na verdade, de 13,7% das vagas para negros. Em nível nacional, a proporção seria de 22,5%.

Já no que se refere ao projeto “Universidade para todos”, que visa preencher as vagas ociosas das escolas privadas com estudantes carentes, negros, indígenas e professores da rede pública, o recado também é simples: colocar marginalizados, carentes e pobres em escolas de qualidade questionável, além de dar uma valoroso auxílio para os tubarões do ensino.

Contra a Reforma, a favor de cotas!
Setores do movimento negro, particularmente aqueles dirigidos pelo PT e o PCdoB, não demoraram para aplaudir a proposta. Mesmo entre aqueles que esboçaram alguma crítica, é comum ouvir argumentos como: Afinal, para quem não tinha nada, já é alguma coisa! Achamos isto um tremendo erro. Não há como aplicar políticas reparatórias seguindo a lógica do FMI e, muito menos, investindo na privatização do ensino, ao invés da aplicação de medidas como o fim do vestibular, a estatização das privadas, a ampliação das vagas e, inclusive a mudança radical na lógica imposta às universidades, hoje totalmente voltadas para os interesses privados e da elite.

Se aplicada, a política de Tarso Genro e companhia irá reduzir o número de vagas, e não aumentá-lo. Se vitoriosa, a proposta irá fazer com as cotas, já distorcidas, sejam aplicadas a um número cada vez menor de vagas, o que significa na manutenção de um sistema de ensino excludente, elitizado e, conseqüentemente, racista.
Para além da polêmica com o governo, há ainda muita gente que é contra qualquer política de cotas. Também achamos que isto é um grave erro. Há aqueles que são contra porque defendem a manutenção do sistema elitista de ensino. Para estes só temos uma resposta: a luta.

Contudo, também quem defenda que o caminho para a “inclusão” de negros e carentes na universidade é a mudança na estrutura do ensino, para beneficiar “a todos”, independentemente da raça. Algo que também consideramos um equívoco.
Temos certeza, que a universidade que queremos, só virá com profundas sociais e econômicas. Com uma revolução, para sermos exatos. Contudo, o que estes setores esquecem é o profundo abismo que o racismo criou entre negros e brancos na sociedade brasileira. Um abismo de classe, mas também de raça.

Aqueles que se opõem às cotas com um discurso, às vezes, “classista”, menosprezam o peso do racismo e a necessidade de traçarmos políticas específicas para os setores oprimidos (incluindo mulheres e homossexuais) para, juntamente com eles, lutarmos pelo fim da exploração e por uma sociedade que respeite as “diferenças”.
Por isso defendemos políticas reparatórias. Contudo, só acreditamos que elas possam ser efetivas se forem aplicadas contra a lógica do sistema. Algo que não tem nada a ver com a proposta de Lula, que precisa ser derrotada.

É com esta perspectiva que Negros e Negras do PSTU irão atuar no Fórum Social Mundial. Além de participar dos debates dos encontros da Coordenação Nacional de Luta (Conlutas), da Coordenação Nacional de Luta dos Estudantes (Conlute), da Coordenação de Lutas do Movimento Popular e dos demais debates e atividades programadas pelo PSTU — acompanhe os debates e resoluções também pelo site —, a Secretaria de Negros e Negras do PSTU irá promover, juntamente com o jornal Opinião Socialista, uma mesa debates no Fórum. Acompanhe nossas atividades e junta-se a esta luta de raça e classe.

• 28 de janeiro – Durante a tarde, estaremos no grupo sobre Opressões, organizado pelo encontro da Conlute, no Ginásio da Camisa 10 (Av. Padre Cacique, 842, em frente ao Gigantinho).

• 29 de janeiro – Às 9 horas, ocorrerá o debate “Negros e negras, as reformas neoliberais do governo Lula e a necessidade de um combate de raça e classe”. Na sala B601, do Cais do Porto.