Os pilotos de avião descrevem um céu azul sem nuvens como “céu de brigadeiro”. Em política, essa expressão é usada para descrever um período em que tudo vai bem. Aparentemente, existia um “céu de brigadeiro” para o governo Lula no início deste segundo mandato.

O crescimento econômico bate recordes no saldo comercial, na produção de veículos, na venda de imóveis. No Congresso, Lula ainda lucra com a vitória eleitoral de 2006: ampla maioria a seu favor, e a oposição ainda tonta e dividida.

No entanto, más notícias podem estar trazendo nuvens e tempestades para o governo.

No dia 23 de maio, pode acontecer a maior mobilização de massas em muitos anos. Existe uma combinação das lutas de diversos setores, como operários (metalúrgicos e construção civil, em particular) e funcionalismo público federal, estadual e municipal, com professores de todo o país à frente; uma retomada das mobilizações estudantis; a unidade com o movimento popular da cidade e do campo. É bom lembrar que isso não acontecia há muitos anos.

Por outro lado, explodiu um escândalo de corrupção ainda mais escabroso que o do mensalão, em 2005, ou o dos sanguessugas, no ano passado. Maior na dimensão das denúncias, que envolvem um ministro de Estado, pelo menos três governadores (e dois ex-governadores) e o presidente do Senado, além de inúmeros parlamentares. Tudo devidamente provado com fotos e filmes escandalosos.

Mobilizações em todo o país no dia 23 e um novo escândalo de corrupção. O primeiro momento deste segundo mandato, em que tudo parecia dar certo para o governo, vai chegando ao fim. Pode estar começando o verdadeiro segundo mandato, o das crises.

Nada é por acaso na corrupção
O novo escândalo de corrupção não tem nada de surpreendente. Depois do grande escândalo de 2005, a corrupção segue igual no segundo mandato de Lula. Segundo um dos maiores “especialistas” na área, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), a única coisa que mudou foi a forma de distribuir o dinheiro: “antes, o caixa era feito por Delúbio Soares e Marcos Valério, que o distribuíam aos partidos da base; os últimos o repassavam aos deputados, em prestações mensais, em troca de apoio. (…) Hoje não, o PT trata da vida dele e os outros partidos também, por meio dos cargos que recebem do governo. Cada partido, agora, cuida da sua própria vida.”

O PMDB, partido de Jader Barbalho e Orestes Quércia (dois dos maiores corruptos do país), ganhou uma parte maior do controle das verbas do governo. Por isso, era de se esperar escândalos ainda maiores, como o de agora envolvendo o ministro Silas Rondeau (PMDB). Roberto Jefferson comentou a indicação do PMDB para o comando da estatal Furnas: “na época, brigava-se por uma diretoria de Furnas, a de engenharia, comandada por Dimas Toledo. O caixa dois rendia R$ 3 milhões por mês, divididos ao meio entre o PT e o PMDB (se uma diretoria rende R$ 3 milhões, imagina a presidência da empresa?). Se uma empresinha como essa Gautama faz um estrago desse tamanho, imagina uma gigante como Furnas”.

O escândalo deflagrado pela Operação Navalha também mostra como a oposição de direita tem exatamente a mesma conduta corrupta do governo Lula. Estão claramente comprovadas as participações de Teotônio Vilela (atual governador de Alagoas e ex-presidente do PSDB) e do neto de Antonio Carlos Magalhães (DEM, ex-PFL). São farinha do mesmo saco e vão estar juntos com o governo para abafar a crise, assim como fizeram com as outras.

Nada é por acaso também nas lutas
A idéia das mobilizações do dia 23 também não surgiu por acaso. Foi a conseqüência da política econômica do governo e do surgimento e fortalecimento de direções alternativas, como a Conlutas.

O governo segue aplicando um plano econômico a serviço das grandes empresas, com arrocho salarial para os trabalhadores da cidade, nada de reforma agrária no campo e a preparação de mais uma leva de reformas neoliberais.

A vontade de lutar contra essa situação já se acumulava há bastante tempo, mas faltava mais segurança. A política das direções governistas, como as da CUT e da UNE, ajudou o governo a bloquear o movimento. O surgimento e o fortalecimento de direções alternativas, como a Conlutas, ao lado do enfraquecimento da CUT e da UNE, possibilitaram a preparação do dia 23.

A Conlutas convocou, junto com outras organizações, como a Intersindical e as pastorais sociais da Igreja Católica, o encontro do dia 25 de março, que aprovou um plano de lutas contra as reformas, incluído um dia nacional de lutas, concretizado agora no dia 23.

O encontro fez um chamado ao MST, à CSC (presentes como observadores) e à CUT para uma luta conjunta contra as reformas. Essas organizações, pela pressão de suas bases, assinaram uma nota conjunta assumindo o dia 23 como uma data de luta contra a reforma da Previdência, o pagamento da dívida interna e externa, a Emenda 3 e a política econômica do governo. Quando a preparação do dia 23 tomou grande dimensão, a CUT tentou dar um golpe para transformá-lo numa mobilização a favor do governo e somente contra a Emenda 3. Para isso, convocou atividades em separado, como em São Paulo.

As mobilizações do dia 23, portanto, também não são por acaso. Elas se explicam pela bronca e disposição de luta que está crescendo na base, e pelo fortalecimento de uma nova direção (alternativa à CUT, em que a Conlutas é a maior força) que está surgindo, enquanto a CUT, enfraquecida, tenta manobrar para não perder o bonde.

As mobilizações dos trabalhadores vieram para ficar, e Lula teme sua generalização. Não é por acaso que o governo quer atacar de todas as maneiras o direito de greve. O projeto de lei de “regulamentação” das greves no serviço público é na verdade uma tentativa de proibição das greves no setor. Nem FHC fez algo semelhante.

Agora é seguir nas lutas
A luta deverá seguir depois das mobilizações do dia 23. É preciso buscar a vitória de cada uma das mobilizações parciais unificadas nesta data, para fortalecer sua organização. É preciso avançar o plano de lutas unificado votado no dia 25 de março. E é necessário avançar a construção de uma alternativa, perante a falência da CUT, a partir da iniciativa da Conlutas.
Post author Editorial do Opinião Socialista nº 299
Publication Date