De um lado, o governo Piñera. Mudanças em 8 ministérios, popularidade cada vez mais baixa, repressão cada vez maior. Do outro, os estudantes “en lucha”. Centenas de universidades e colégios ocupados, protestos muito irreverentes, apoio cada vez mais ativo dos pais e mães, professores, trabalhadores mineiros, da saúde, dos transportes. Assim está o Chile: um cabo de guerra, no qual, ainda não se sabe, de que lado a corda vai arrebentar.

O fortalecimento dos protestos estudantis tem tomado o país. Claramente influenciado pela Revolução Árabe e protestos da Europa, o movimento tem se radicalizado e ampliado suas forças. Reivindica especialmente a educação gratuita, que o Chile está longe de garantir, com universidades públicas que cobram anuidades de até 10 mil reais e onde, a cada 10 estudantes, 7 estudam na rede privada.

Taxas
O grau de privatização e desigualdade na educação é gritante. Todas as universidades públicas cobram taxas, e as famílias, em média, financiam mais de 80% das despesas com as universidades, quando o Estado concede apenas 15%. É investido apenas 3,1% do PIB em educação, e apenas 1,7% no ensino superior. Os créditos têm juros altíssimos, chegando-se a se pagar até 13 milhões de pesos (cerca de R$ 4.420) a mais do custo real do curso, resultando em muitos endividados e 65% de abandono.

No dia 5 de julho, o presidente Sebastian Piñera fez uma declaração em cadeia nacional propondo o GANE: “Gran Acuerdo Nacional por la Educación”. Trata-se de um plano que prevê uma série de medidas, principalmente uma ampliação de 4 bilhões de dólares para a educação, no sistema atual de investimento indireto para o setor. De acordo com as federações estudantis, essa proposta não passa do “mais do mesmo” e se preocupam com uma mudança estrutural no sistema de ensino chileno.

Educação não é mercadoria
Participei de algumas reuniões estudantis e uma entrevista com eles na Rádio Comunitária “1º de maio”. Discutiam a importância da educação como um direito, pondo um fim à cobrança de taxas e à lógica da educação-mercadoria, que faz deste o 3º setor mais lucrativo do Chile. Para isso, propõe a gratuidade e a estatização da educação, a partir da re-nacionalização do cobre e da realização de uma Assembléia Constituinte. Disseram-me: “Se o governo não concorda, que faça um plebiscito oficial para a população decidir”.

Crise do governo
Há uma forte tentativa do governo de desmontar as ocupações e protestos e sentar à mesa para negociar. Hoje, se encontra numa importante crise política, e pesquisas já demonstram que os protestos juvenis têm simpatia de mais de 80% da população. A mudança dos ministros, especialmente a substituição, na pasta da Educação, de Joaquín Lavín – bastante desmoralizado nos protestos, que sempre cantam “quien no salta es Lavín” e todos pulam juntos – por Felipe Bulnes, antigo ministro da Justiça, foi uma tentativa de acalmar o movimento. A divulgação do projeto GANE representou também uma busca por ganhar a simpatia da população, e trazer a imagem de que está disposto ao diálogo e que os estudantes estão sendo intransigentes. Mas, para a infelicidade do governo, enquanto não tocar nos problemas estruturais da educação, o movimento estudantil não parece estar disposto a trocar as mobilizações pelas reuniões de gabinete, e devem seguir pressionando nas ruas.

Após o anúncio da proposta do governo, entidades sindicais e estudantis, como a CONFECH (Confederação dos Estudantes Chilenos), chamaram um protesto nacional para o dia 14 de julho. Em Valparaíso, participei da manifestação que reuniu mais de 30 mil, e fiquei impressionada com a criatividade e empolgação da juventude. E, por outro lado, com a truculência da repressão policial.

Apoio dos trabalhadores
O movimento estudantil tem trazido os trabalhadores para as manifestações. Os professores e funcionários da educação estão em greve, e já se fala da possibilidade de perder o ano letivo, se os protestos seguirem pelo mês de agosto. Funcionários públicos da saúde e dos transportes também têm aderido aos protestos.

Há um destaque natural, entretanto, à luta dos trabalhadores mineiros. No dia que cheguei no Chile, 11 de julho, organizaram uma greve geral de 24 horas, algo que não ocorria há 18 anos, da empresa estatal Codelco, que reúne cerca de 15 mil trabalhadores. Estima-se que os prejuízos chegaram a 40 milhões de dólares. Os trabalhadores terceirizados também, em pelo menos quatro minas, se encontram em greve. No ato em Valparaíso havia uma coluna de 20 caminhões enormes, do porto, todos cheios de cartazes, buzinando em apoio à luta. A adesão se dá principalmente à forte campanha pela nacionalização do cobre, que tem uma banquinha permanente na Plaza Itália distribuindo bottons e angariando assinaturas no abaixo-assinado – que já conta com a assinatura da ANEL. O Chile é o maior produtor de cobre do mundo. Se essa importante riqueza natural do país fosse revertida para a educação, seria possível garantir o acesso à universidade e às escolas gratuitas e de qualidade a toda a população.

Sobre os próximos capítulos da luta dos estudantes e trabalhadores chilenos, só a história poderá contar. Há um desejo e uma força de seguir em frente, até a vitória. O apoio das entidades e organizações brasileiras é fundamental, já que os planos do imperialismo para o conjunto da América Latina são os mesmos. E com as esperanças e incentivos vindos daqueles que lutam contra ditaduras e planos de austeridade, há um fato inquestionável: a juventude chilena está fazendo história.

* Clara foi enviada pela ANEL (Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre) ao Chile.

Post author Clara Saraiva*, da Secretaria Nacional da Juventude
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