Soldados israelenses atacam pessoas em frente ao necrotério do Hospital São José de Jerusalém ocupada, em 13 de maio de 2022 [Mostafa Alkharouf/Agência Anadolu via Getty Images]
Soraya Misleh, de São Paulo

Publicado originalmente no Monitor do Oriente Médio

O primeiro mês de 2023 não deixa dúvidas quanto à premência em se fortalecer a solidariedade internacional com o povo palestino: foram 35 assassinados pelas forças de ocupação sionistas somente na Cisjordânia e Cidade Velha de Jerusalém, entre os quais seis menores de 18 anos. Desde o Brasil, é urgente que se cumpra a reivindicação ao novo governo federal, de que reconheça o apartheid e, ao encontro disso, suspenda os acordos com Israel, promovendo embargo militar imediato.

Esse pleito, colocado por dezenas de organizações árabes-palestinas, brasileiras e intelectuais já aos grupos de trabalho de Relações Exteriores e Direitos Humanos durante a transição de governo, deve estar no centro da mobilização e pressão da solidariedade com o povo palestino – demonstração efetiva de apoio a sua justa causa, em meio à contínua Nakba (catástrofe desde a formação do Estado racista de Israel em 15 de maio de 1948 mediante limpeza étnica planejada).

Ademais, imediato embargo militar em face do regime institucionalizado de apartheid e agressiva expansão colonial sionista – que vem matando diariamente mais e mais palestinos e palestinas – é parte importante da luta contra o genocídio pobre e negro nas periferias brasileiras e extermínio indígena.

São as mesmas armas que matam lá e cá, testadas todos os dias sobre as cobaias que Israel converte os palestinos há décadas. Abraçar a causa palestina não é apenas solidariedade, mas um grito de resistência também no Brasil: basta de derramamento de sangue negro, pobre e indígena. É lutar contra a opressão e exploração também aqui.

Com a mudança de governo – felizmente com a derrota do genocida e adorador de ditadura Bolsonaro, aliado explícito do sionismo na cadeira do Planalto –, a diplomacia clássica brasileira foi retomada. O governo sob a liderança de Lula soltou já em janeiro notas expressando sua preocupação com os acontecimentos na Palestina ocupada, mas fala em “conflito”, busca pela paz, “ambas as partes se absterem” da violência, “solução de dois estados” – a qual, se não fosse injusta desde sempre, está morta e enterrada.

Importante que expresse preocupação, importante a mudança – já que Bolsonaro fazia propaganda ideológica descarada pró-Israel e buscava ainda mais acordos –, mas absolutamente insuficiente e revelador de uma incompreensão que precisa urgentemente ser superada, para que de fato isso repercuta na trágica vida imposta aos palestinos na contínua Nakba. Vale insistir: não é “conflito” ou “confronto”, é limpeza étnica, massacre, genocídio. Não são dois lados a se culpabilizar pela violência, mas um opressor, colonizador, agressor – Israel. E um povo oprimido – o palestino –, humilhado, usurpado, sem direitos humanos fundamentais, que tem o direito legítimo de resistência sob todos os meios (como reconhece a própria Organização das Nações Unidas – ONU –, frente a uma ocupação). “Não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor”, já ensinara Malcom X.

Não há paz sem justiça, a qual deve abarcar a totalidade do povo palestino: nos territórios ocupados em 1948 (“Israel”) e em 1967 (Cisjordânia, Gaza e Cidade Velha de Jerusalém), no refúgio e na diáspora. A única forma de garantir justiça é uma Palestina livre do rio ao mar.

Morte à espreita

Dezesseis dos 35 palestinos assassinados o foram nos últimos cinco dias de janeiro. Na noite do dia 25, um deles foi morto na aldeia de al-Ram, próxima a Jerusalém. No dia 26, em mais um massacre planejado das forças de ocupação em campo de refugiados de Jenin, nove palestinos tiveram a vida ceifada, incluindo uma mulher de 60 anos, e mais de 20 ficaram feridos, pelo menos quatro gravemente. O que ocorreu depois revela a crueldade do projeto colonial: impedimento de primeiros-socorros e mesmo invasão pelos mesmos que cometeram o massacre do hospital da região, com disparo de gás lacrimogêneo na ala pediátrica.

A situação é dramática. Avança a limpeza étnica e punição coletiva, em meio ao abandono internacional. Somente em 2022 foram cerca de 220 assassinados na Cisjordânia e Cidade Velha de Jerusalém, entre os quais 53 crianças.

Nesta semana, mais de 110 colonos sionistas invadiram a Esplanada das Mesquitas novamente, algo cada vez mais frequente. Outros três tentaram atear fogo à Igreja do Santo Sepulcro. Locais sagrados respectivamente para muçulmanos e cristãos em Jerusalém, o que mostra que não é uma questão religiosa, mas alcança indistintamente qualquer palestino, seja islâmico ou não. Seja criança ou não. Seja mulher ou homem, jovem ou idoso. É colonização.

Mobilização

Quantos palestinos mais terão que morrer para que essa lição seja aprendida? Quantos mais terão que morrer para que a indignação se massifique? A comunidade árabe-palestina no Brasil e organizações/ativistas solidários têm a triste experiência de que o que acontece na Palestina ocupada somente mobiliza muita gente quando a limpeza étnica em curso há mais de 75 anos é visibilizada pelos meios de comunicação de massa e escandaliza de fato. Isso só tem acontecido mesmo quando ocorrem bombardeios massivos em Gaza.

Na estreita faixa, em que vivem 2 milhões de palestinos submetidos a cerco desumano israelense há 15 anos, contudo, bombas caem também a conta-gotas, periodicamente. Crianças morrem também de fome e de doenças que seus pais são impedidos de garantir tratamento por conta do bloqueio assassino, além do massacre que destrói tudo, até mesmo hospitais, e não permite a reconstrução. Doenças inclusive de veiculação hídrica, já que 96% da água é contaminada. “Israel” envenena não só poços, mas também as plantações, impede a pesca e a agricultura para a subsistência. A crise humanitária é dramática.

É preciso mudar com urgência esse roteiro de massificação da solidariedade. Para tanto, o chamado é que as organizações sindical, políticas, sociais e populares, todos e todas em luta contra a exploração e opressão, fortaleçam a mobilização e pressão ao governo federal (mas também estaduais e municipais) por reconhecimento do apartheid e se engajem ao BDS (boicote, desinvestimento e sanções). Que pautem em seus espaços a conexão de suas lutas com a questão palestina, junto à classe trabalhadora, juventude, negros, indígenas, mulheres, LGBTIs, oprimidos em geral. Afinal, é uma causa internacional por excelência, para que todos e todas possam ser livres.