Quando, em 28 de junho de 1969, gays, lésbicas e travestis reagiram a uma batida policial no bar Stonewall, em Nova York, dando início a uma rebelião que se arrastaria por dias, além de deixarem evidente que não se calariam mais diante da opressão e do preconceito, e inaugurarem, o Dia Internacional do Orgulho Gay e Lésbico, eles mostraram o único caminho viável para se fazer garantir nossos direitos: muita garra e muita luta.
Não são poucas as razões para lembrarmos que temos orgulho de sermos lésbicas, gays, travestis, bissexuais. Basta olharmos ao redor. Em 2001, em São Paulo, realizamos o maior evento da história do movimento GLBT latino-americano. No país a fora, em cidades como Juiz de Fora, Brasília e Porto Alegre, foram aprovadas importantes leis que nos garantem direitos mínimos e criminalizam a homofobia. Recentemente, também, é bom lembrar, alguns dos canalhas neonazistas que covardemente assassinaram Edson Néris foram condenados a mofar na prisão.
Queremos muito mais
Nada disso teria acontecido sem muita luta, garra e persistência. Como também é inegável que estamos a anos-luz de uma situação que se aproxime da ideal. Apenas para citar alguns exemplos, basta lembrar que o Brasil ainda é campeão absoluto de violência contra gays, lésbicas e travestis; que figuras absurdas e nefastas como os “pitbichas globais“ ainda infestam nossos meios de comunicação divulgando estereótipos que acirram os preconceitos contra nós; e que a aprovação da lei de parceria civil ainda é muito improvável, graças, particularmente, à mobilização de setores conservadores como as igrejas (católica e evangélicas à frente). É por essas, e muitas outras, que nós, gays, lésbicas e bissexuais do PSTU, acreditamos que se é verdade que temos muito o que comemorar em nossas paradas, elas também têm que servir para dar continuidade às nossas lutas. Elas não podem se resumir à festa e à ferveção (que são mais do que bem-vindas…), elas também têm que servir como momentos para reflexão, politização e organização do movimento.
Somos “sangue bom“…
Dentre as muitas lutas que temos pela frente, uma nos parece particularmente importante: a batalha contra a discriminação “oficial“ praticada pelos órgãos de saúde dos governos federal, estaduais e municipais. Como todo mundo sabe, para estes órgãos, que administram os hemocentros do país, ser homossexual é igual a ter sangue contaminado. Reafirmando a asquerosa versão que foi pregada no início da epidemia da aids -que a igreja católica e a imprensa sensacionalista identificaram como “a peste gay“-, os hemocentros de todo o país adotam como critério de exclusão as pessoas com sexualidade diferente da “norma“ heterossexual. Isso é um crime em mais de um sentido. É um crime ao nos discriminar e nos identificar com a aids. É um crime ao recusar nosso sangue, em um país onde existem tão poucos doadores. E também é um crime por ser uma prática incentivada por órgãos públicos.
…e não mercadorias
Para muita gente, este e todos os demais problemas serão resolvidos na medida em que conquistarmos mais e mais visibilidade na mídia e na sociedade. Nós, contudo, achamos que isso é apenas parte da história. Visibilidade não é tudo. Principalmente o tipo de visibilidade que nos querem dar. Para muitos setores privados e públicos -inclusive vários dos patrocinadores das Paradas GLBTs- não somos mais do que um “produto“ que oferece um bom retorno mercadológico. Para eles, nosso único e sagrado direito é o de consumir. E só isso. O que, evidentemente, exclui de seus planos e projetos todos aqueles que não se incluem num “padrão vendável“: gente pobre e já marginalizada por umas tantas outras questões como o racismo, o machismo, etc. É preciso repensar isto e criar outros canais de organização e mobilização.
Fora FHC e todos os opressores
O governo FHC e seus cúmplices estaduais e municipais não apenas são coniventes com a opressão que nos atingem. São diretamente responsáveis, na medida que não fazem absolutamente nada para reverter esta situação e, baixando a cabeça ao FMI, pagando religiosamente as dívidas públicas comprovadamente já pagas, enterram o país ainda mais na miséria, na injustiça social, no desemprego, na violência, que começa a comer pelas bordas, pelas margens -pelas marginais- da sociedade, que é espaço de inclusão social reservado aos setores, na verdade, excluídos: os “pervertidos“ sexuais, negros e negras, mulheres e populações inteiras das periferias.
“Incluídos“ por exclusão
Por isso mesmo, nós, do PSTU, não temos nenhuma dúvida de que, para conquistarmos todos os direitos que queremos também teremos que travar uma batalha sem tréguas contra todos aqueles que instigam e alimentam o preconceito e o aviltamento destas populações “incluídas“ em um espaço muito bem (de)limitado e cercado, fora do qual não podem (sub)existir. A população das margens, marginal. Uma batalha cuja vitória só será possível se nos unirmos com todos aqueles que são oprimidos e explorados pelos podres poderes capitalistas. Uma batalha que, para nós, só terá fim quando, de fato, tenhamos liberdade para exercer o direito de sermos “diferentes“. E, por isso mesmo, reafirmamos que a luta contra a opressão sexual é parte da luta pela construção de uma nova sociedade. Uma sociedade socialista.