Estreou no primeiro dia do ano o tão aguardado filme “Lula, o filho do Brasil”, após meses de ampla campanha de publicidade e muita polêmica. Produzido para ser um marco na história do cinema nacional, o filme dirigido por Fábio Barreto vem conquistando resultados bem modestos nas bilheterias.
O debate, porém, vai muito além da qualidade do filme. Seria ou não uma propaganda eleitoral disfarçada, como afirma alguns? Ou seria tão somente uma adaptação da biografia do presidente, sem qualquer pretensão política, como defendem seus produtores?
Co-produção
De acordo com informações fornecidas à imprensa pelos próprios produtores, a ideia do filme surgiu quando Luiz Carlos Barreto (produtor de, entre outros, “Dona Flor e Seus Maridos” e “O que é isso Companheiro?”) conversava com o chefe do gabinete de Lula, Gilberto Carvalho. O assessor teria lhe apresentado um livro sobre a biografia do presidente, na verdade uma tese de doutorado de Denise Paraná, assessora de Lula nos tempos de sindicato.
A tese se resumia a um conjunto de entrevistas com amigos e familiares de Lula. Barreto, segundo ele próprio, logo viu a oportunidade de transpor a história para a telona. Para isso, mandou roteirizar o livro de Paraná, realizando alguns retoques, omitindo alguns fatos e enaltecendo outros. Para assumir a direção, colocou seu filho Fábio Barreto (O Quatrilho).
Informalmente, pode-se afirmar que o filme foi uma co-produção entre o Planalto e a produtora de Barreto. Do início ao fim, a obra teve a mão do governo. O diretor, antes mesmo de comprar os direitos do livro e executar o filme, pediu pessoalmente autorização a Lula. Iniciado o projeto, o roteiro final foi avalizado pelo presidente. O próprio irmão de Lula, frei Chico, acompanhou as filmagens. Ministros e o publicitário Duda Mendonça teriam ainda verificado a primeira versão do filme, dando sugestões para afinar o filme aos interesses do Planalto.
A captação de recursos foi um capítulo à parte. O produtor não solicitou qualquer subsídio oficial, como as leis de fomento à cultura. Não precisou, já que não foi difícil obter recursos junto a grandes empresas e multinacionais como a Volkswagen, Souza Cruz, Hyunday, além de empreiteiras como Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht e grandes empresas como Oi, CPFL, Ambev e EBX, do bilionário Eike Batista. Grande parte delas tem negócios com o governo federal.
O início de um mito
“O Filho do Brasil” narra a trajetória do presidente, desde o nascimento, em 1948, até sua ascensão como líder sindical. Inicia mostrando as duras condições da família de Lula em meio à miséria do sertão. A mãe de Lula, dona Lindu, é apresentada como uma grande guerreira que, além de cuidar de seus muitos filhos, sofre a violência do marido alcoólatra e violento. Às belas imagens do sertão, soma-se a incrível interpretação de Glória Pires.
É ela quem guia a família rumo ao Sudeste. A migração, a bordo de um pau de arara, representa aqui todo o processo de acelerada urbanização vivida nesse período. Instalam-se, então, no porto de Santos, onde o pai de Lula os sustenta com as sobras de sua outra família. Logo, Lindu pega seus filhos e parte para a grande São Paulo, fugindo da violência do marido.
Acompanhamos então a adolescência de Lula até seu curso de torneiro mecânico no Senai e sua transformação em operário no ABC. O personagem, muito bem interpretado pelo ator Rui Ricardo Dias, é moldado por uma série de provações, da infância miserável, passando pela morte da primeira esposa grávida. Essa última tragédia teria impulsionado a vocação sindicalista do personagem para “manter a cabeça ocupada”.
Lula pelego?
Um aspecto interessante do filme é mostrar como se dá esse processo de aproximação com a vida sindical. Lula entra na diretoria do sindicato ao lado dos pelegos ligados aos militares. Sempre conciliador, vai aos poucos se diferenciando dos antigos aliados, principalmente pela pressão da própria base, até ocupar a presidência. São emocionantes, assim, as cenas das grandes assembleias no estádio de Vila Euclides, quando Lula discursa e os operários repetem para que todos pudesse ouvir.
Reforça-se uma aura mítica de herói. Sua mãe, dona Lindu, aparece como sua grande mentora, passando ao filho lições como “nunca desistir, teimar sempre”, ou “saber a hora de esperar”. Assim, em 1980, por exemplo, quando os metalúrgicos faziam greve e a ditadura interveio no sindicato, as palavras de Lindu ecoavam na mente de Lula antes dele propor o fim da paralisação, aos gritos de “pelego” e “traidor”.
Não é coincidência que o filme termine com Lula preso no Dops, para depois mostrar a imagem dele desfilando por Brasília com a faixa presidencial no peito. A moral do filme é a exaltação do esforço individual de Lula. A personagem de Glória Pires é utilizada para ressaltar isso. Por isso, a versão de que se trata, na verdade, de um filme sobre a mãe de Lula, é balela.
Por isso também que a história não retrata os anos que vieram após o período de ascensão operária. Os anos de adaptação do PT até as eleições de 2002, cuja campanha fora financiada por grandes bancos e empresas, aqueles mesmos que, nos anos 70, ele lutava contra. Fábio Barreto afirmou que seu objetivo era mostrar Lula como se dissesse: “Eu sou igual a você, eu estou aqui porque teimei muito. Não fiquem aí reclamando da vida”.
O filme de fato é “chapa-branca”. Isso, porém, não parece ser o mais importante. O mais grave é o contexto em que aparece.
Batalha ideológica
Durante a ditadura do Estado Novo, Getúlio Vargas mantinha o chamado DIP, o Departamento de Imprensa e Propaganda, para controlar e impor a censura aos meios de comunicação. Hoje, não temos mais o DIP. Além de todo o aparato do Estado, o conjunto da burguesia parece ter tomado em suas mãos a responsabilidade de legitimar o governo Lula e a sua política. É só prestar atenção aos vários anúncios publicitários, como o da GM, que enaltecem o Brasil e suas conquistas, bem ao clima de “pra frente Brasil”, dos anos 1970.
O filme de Lula, nesse contexto, funciona para construir um amplo consenso em torno do presidente e sua política. Não é apenas Lula que é mitificado. É também a união entre empresários e trabalhadores. É a tática do pragmatismo sindical, em lugar do confronto entre capital e trabalho. Pensando nos dias de hoje, a política de isenções e subsídios aos bancos e empresas.
E para isso, além das grande empresas que financiaram o filme, entra a cena as grandes centrais sindicais, como CUT e Força Sindical, que entraram no esquema de publicidade e exibição do filme.
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