Na noite do dia 14 de março, o Exército exibiu para toda a imprensa as armas que teriam sido roubadas de seu quartel no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro. No entanto, longe de pôr fim à polêmica ação das Forças Armadas nas favelas cariocas, que durava mais de uma semana, o fim das operações do Comando Militar do Leste nos morros revelou muito mais do que a truculência do Exército contra a população, exibida pela TV.

Reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo do dia seguinte revelou que a súbita aparição do armamento roubado seria fruto de uma negociação entre as Forças Armadas e a organização criminosa Comando Vermelho. Em troca da recuperação das armas, o Exército deixaria os morros, desmontando a chamada “operação asfixia”, que supostamente estaria prejudicando a venda de drogas na região.

A reportagem revela ainda que, como parte da negociação, o Exército deveria apresentar o armamento como tendo sido recuperado em uma região dominada por uma facção inimiga do CV, além de transferir de presídio um líder da organização. Fechado o acordo, o Exército teria recuperado as armas no dia 12, domingo, mesmo dia em que anunciou sua retirada dos morros ocupados para “mudar de tática” e passar a realizar ações “pontuais” em outras favelas. Desta forma, as Forças Armadas empreenderam uma grande ação na Favela da Rocinha e anunciaram a apreensão das armas roubadas.

A divulgação das condições em que os dez fuzis e a pistola foram encontrados corroboram a tese do acordo. Todas as armas foram encontradas em um único local, um antigo esqueleto de um hotel inacabado em São Conrado, próximo à favela da Rocinha. Tal região seria dominada pela ADA (Amigos dos Amigos), organização rival do CV.

O Exército, por sua vez, mesmo fornecendo informações evasivas sobre o caso, caiu várias vezes em contradição. Primeiro, a versão divulgada pelo CML afirmava que as armas foram encontradas a partir de uma denúncia anônima. Dois dias depois, o próprio CML desmentiu essa versão afirmando que a recuperação das armas se dera a partir do “serviço de inteligência” das Forças Armadas.

No entanto, uma câmera da Universidade Cândido Mendes, próxima ao local, não registrou nenhuma ação militar na região em que o Exército afirma ter encontrado as armas. Pra piorar, o próprio prefeito do Rio, César Maia (PFL), afirmou ter conhecimento de que as armas estavam com o Exército desde o dia 12. Dois ex-militares foram presos acusados de participar da ação e o CML suspeita ainda do sargento que fazia guarda no momento em que o roubo teria ocorrido.

A malfadada campanha do Exército nas favelas revela o verdadeiro caráter do Estado brasileiro. Totalmente apoiada pelo ministro da Defesa José Alencar e por Lula, o primeiro aspecto da ação que saltou às vistas foi a truculência criminosa das Forças Armadas, que acabou vitimando um garoto de 16 anos. Munido de um forte arsenal, os soldados brasileiros tratavam a população pobre e negra como inimigos de guerra, proporcionando cenas parecidas com as da ocupação do Haiti. Como não poderia deixar de ser, tal ação causou a revolta da população contra os soldados.

Da mesma forma, é impossível não ver na ação uma clara motivação eleitoral. Apesar de causar a revolta na população favelada, a incursão das Forças Armadas nos morros é velha reivindicação da direita e tem ampla simpatia na classe média alta, principalmente aquela localizada nas áreas nobres próximas às favelas.